No pulmão da cidade de São Paulo, em Parelheiros (Extremo Sul), um cinturão verde se formou debaixo de um céu nublado. Ao som dos atabaques do coletivo Raízes do Tambor, o sol, a chuva e gente de todas as idades contribuíram no plantio de 1.000 mudas de árvores da Mata Atlântica, como araçá, pitanga, ipê e cambuci — semeando um presente coletivo, um futuro de sonhos e um passado sendo lembrado pela terra.
A ação faz parte da campanha “Contra o Racismo, Eu Planto”, organizada pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC) em parceria com a Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região Sul (Cooperapas).
A campanha tem como objetivo o plantio de 10.639 árvores nativas da Mata Atlântica em um terreno que antes era dominado por uma monocultura de pinus – espécie exótica invasora (EEI) trazida pela exploração madeireira.
O espaço foi doado ao IBEAC e à Cooperapas por meio de um termo de compensação ambiental durante a pandemia. Desde então, se tornou um bálsamo de imaginários possíveis, passando a ser preparado com estudo, cuidado e manejo para a regeneração do ecossistema local.
“Todos os nossos sonhos vão ser construídos nesse terreno. E o principal deles é devolver pra Mata Atlântica o que é da Mata Atlântica”, diz Laniela Feitosa, coordenadora do projeto Parelheiros Saudável, Territórios Abraçados, que esteve presente na ação de plantio.
10.639 não é por acaso. Esse é o número da Lei da História e Cultura Afro-Brasileira de 2003, que torna obrigatório o ensino da história africana e afro-brasileira nos currículos escolares e que, em 2008, foi alterada pela Lei nº 11.645 que também tornou obrigatório o ensino de história e cultura indígena.
“Devolver floresta para uma região onde estão os corpos pretos, os corpos indígenas, é uma ação antirracista”, diz Bel Santos Mayer, coordenadora do IBEAC.
O instituto atua desde 2008 no território com ações educativas, de incentivo à leitura e à preservação da memória. Por isso, a escolha de unir a luta por justiça social a ambiental é mais que necessária para garantir o bem-viver desta geração – que atualmente 60% é racializada, terceira maior do município, segundo o Mapa da Desigualdade 2023 – e para as futuras.
“Para nós, o que interessa é que a comunidade possa viver essa floresta. Uma floresta que a própria periferia plantou com os seus parceiros”, diz Bel.
Plantando sonhos coletivos
O evento aconteceu das 08h30 às 16h e contou com a participação das crianças do CCA e de escolas do território, de agentes de saúde, representantes de agentes de proteção ambiental (APAs), mães mobilizadoras, organizações parceiras e voluntáries de várias partes da capital.
“É muito emocionante estar aqui nesse lugar enquanto comunidade e olhando para a preservação, para a coletividade, unindo forças, fazendo com que a gente possa transformar o nosso território ainda mais”, partilha Maria Amorim, moradora do Jardim São Norberto, em Parelheiros.
“Quem tá fazendo isso é a comunidade. A gente não faz para a comunidade, a gente faz com a comunidade”, reforça Laniela.
A agricultora Valéria Maria Macoratti, presidente da Cooperapas, se assustou ao ter o terreno.
“A gente olha aqui, parece que teve uma explosão. No primeiro instante me senti mal. Mas quando eu olhei que a gente ia fazer um desmatamento do bem, mudou essa visão”, diz ela. “Um terreno que para o agro é uma coisa minúscula, para gente é uma riqueza muito grande”, continua Valéria.
O pinus é uma planta não nativa que é a segunda mais consumida na cadeia produtiva da madeira. Seu cultivo, ao competir com espécies próprias do bioma, pode se propagar e gerar um desequilíbrio ambiental, causando a extinção de espécies da fauna e flora local, a improdutividade do solo e até afetar a disponibilidade de recursos como a água.
Valéria se tranquiliza a pensar no futuro a partir de agora, pois um ponto de esperança se acendeu
“Daqui a alguns anos, a fauna vai estar muito mais ativa aqui, vai ter alimento para gente, vai ter alimento para floresta, vai ter muita coisa linda”, diz Valéria.
Ela compartilha alguns sonhos coletivos para a área:
“Dentro desse espaço, nós vamos ter o espaço do IBEAC, que vai ter a biblioteca. Vai ter a nossa cooperativa, com a nossa sede, quem sabe a primeira agroindústria na região, transformando os alimentos. Também vamos ter um pátio de compostagem com a Cooperpac. Por que não?”
A campanha chega ao fim em 31 de agosto e ainda prevê duas ações de plantio até lá. Conheça o projeto e saiba como colaborar.
Fotos: Vitori Jumapili / Arquivo IBEAC. Revisão: Thiago Borges