Capoeira como instrumento de resistência em favela de Interlagos

Praticada por nossos antepassados escravizados, a capoeira se fortalece diariamente na Vila Cheba por obra do grupo Guaraúna.

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Gente do interior de São Paulo, de outros estados brasileiros e mesmo do exterior devem desembarcar em Interlagos nesta sexta-feira (27/03), mas não é por conta do Lollapalooza ou outro evento que acontece no autódromo que rende fama e problemas à região.

Os visitantes se concentram a menos de 800 metros dali, na Vila Cheba, uma comunidade onde 600 famílias se espremem nos muros da linha 9-Esmeralda CPTM, com saneamento básico e iluminação pública precários.

Todos só querem saber de uma coisa: a capoeira.

Do Mato Grosso à Suíça, a cada três meses a Vila Cheba é ponto de encontro entre os amantes da expressão cultural brasileira, que mistura arte marcial, dança e música.

Praticada por nossos antepassados escravizados nos quilombos e terreiros das fazendas, a capoeira renasce diariamente nos becos da comunidade por obra do grupo Guaraúna, criado em 2007.

É sobre esse trabalho que vamos falar em mais uma reportagem do “Cultura ao Extremo”, projeto realizado com apoio do programa Agente Comunitário de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo que tem o objetivo de mapear e visibilizar as manifestações culturais no Extremo Sul. Para saber mais e participar também, clique na imagem abaixo ou responda ao questionário no final da matéria.

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Um dos responsáveis por colocar essa favela do Extremo Sul de São Paulo no mapa da capoeira é José Lenilson Oliveira de Jesus Silva, de 35 anos.

Mais conhecido como Professor Buiú, ele nasceu na zona rural de Itabuna (BA) e desde muito pequeno aprendeu a jogar capoeira no quintal de casa.

Veio para São Paulo ainda criança, voltou para a terra natal aos 14 anos e aprendeu ainda mais sobre essa cultura popular e, quando retornou à metrópole, começou a dar aulas.

Buiú deu oficinas em quebradas do distrito do Grajaú, como BNH, Jardim Eliana, Cocaia, Icaraí, além do Jardim Iporanga e da Vila da Paz. “Sou do gueto, então procuro fazer minhas atividades no gueto”, explica.

Quando se mudou com a companheira para a Vila Cheba, há oito anos, Buíu conheceu Robson Oliveira, 43, mais conhecido como Zig.

Morador desde os três anos de idade do Jardim Satélite, Zig começou a tocar berimbau aos 12 anos. Ele viu a favela nascer, crescer e sofrer um processo de desapropriação para a construção da linha de trem.

Foi nessa época, em 2007, que ele e Buiú iniciaram o “Tambores de lá”, um projeto de percussão para o resgate da cultura afrobrasileira.

Posteriormente, começaram as rodas de capoeira nas vielas da Vila Cheba com o Guaraúna. A favela não tem espaço e o campo de terra era usado exclusivamente para o futebol do fim de semana. Com a permissão dos moradores, o grupo ergueu um barraco de madeira ao lado do terrão para as aulas de capoeira.

O trampo do grupo Guaraúna rendeu frutos e o antigo barraco deu lugar a um espaço de alvenaria. O campo foi coberto com grama sintética e transformado no Clube da Comunidade (CDC) Jardim Régis.

A expressão cultural brasileira, considerada patrimônio da humanidade, é ferramenta de contato entre os moradores e para identificar e encaminhar soluções para os problemas locais.

“A capoeira conseguiu colocar essa estrutura aqui na comunidade, com esse espaço, o gramado, a construção de quadra, as festas juninas e todas as atividades”, ressalta Buiú.

Realizadas às terças, quintas e sábados, as aulas são gratuitas e reúnem por dia de 30 a 40 participantes – de crianças a pessoas com mais de 60 anos.

“Às vezes os pais ajudam com contribuições porque sabem que os filhos vão enxergar valor na cultura, diferentemente do poder público, que sabe o que acontece aqui mas não faz nada para ajudar”, lamenta Buiú.

Por outro lado, os primeiros capoeiristas da Grande São Paulo – os mestres Ananias e Suaçuna – já pisaram na quadra da comunidade para dividir histórias e jogar com leigos e alunos.

“Hoje, a Vila Cheba é conhecida internacionalmente por causa da capoeira”, completa Buiú.

Mais de um século após o fim da escravidão, a capoeira segue como instrumento de resistência nos quilombos contemporâneos, como a Vila Cheba.

Quer conhecer? Então, anotaí!

Roda de Amigos – Grupo de Capoeira Guaraúna
Quando? Sexta-feira, 27 de março, a partir das 20h30
Onde? Rua João Gottsfritz Filho – Vila Cheba – Interlagos – Próximo à estação Autódromo da Linha 9-Esmeralda da CPTM
Mais informações: 11 98098-7215

(Foto: Hertz Oliveira / Arquivo José Lenilson)

Buiú (esq.) joga capoeira durante aulão. (Foto: Hertz Oliveira / Arquivo José Lenilson)


Tudo sobre…
Grupo de Capoeira Guaraúna
Região de atuação:
Favela da Vila Cheba / Jd. Régis – Interlagos
Linguagens: Dança
Temas abordados: Arte e cultura, Educação, Esportes e lazer, Saúde e bem estar, Juventude, Gênero, Direitos humanos, Meio ambiente, História e memória local, Culturas populares, Culturas afrobrasileiras
Público principal: crianças e adolescentes, jovens, adultos e terceira idade
Com quem se articula: Artistas locais e de outras localidades, Escolas públicas e particulares, Entidades do terceiro setor locais e de outras localidades, Famílias, Líderes comunitários, Movimentos sociais
Como se mantém: Recursos próprios, Editais públicos (VAI, Proac, Ministério da Cultura, etc.), Ajuda da comunidade (vaquinhas, rifas, etc), Doações
Maiores dificuldades enfrentadas no dia a dia: Recursos financeiros, Divulgação, Conhecimento sobre gestão, Tempo para dedicação ao trabalho

Contatos: pelo e-mail ([email protected]) ou Facebook

 

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