Centenário da represa Billings: “Vamos ver se as coisas melhoram nos próximos 100 anos”

Centenário da represa Billings: “Vamos ver se as coisas melhoram nos próximos 100 anos”

Com “iceberg de lixo” e liberação de gás metano, reservatório completa um século de funcionamento com desafios para poder público e mais de 1 milhão de pessoas que vivem em suas margens

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Tempo de leitura: 9 minutos

A represa Billings completou um século de existência em 27 de março de 2025. Mais do que comemorações, a data significativa levanta reflexões sobre o presente e o futuro e do reservatório de água, que abastece as cidades do Grande ABC (São Bernardo do Campo, Santo André e Diadema), além de parte de São Paulo e municípios como Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

Pescador em atividade nas margens da Billings, na região do Jardim Gaivotas (foto Pedro Salvador)

Pescador em atividade nas margens da Billings, na região do Jardim Gaivotas (foto Pedro Salvador)

O manancial tem capacidade para pouco mais de 11 bilhões de litros de água e um fluxo de produção de 5,5 mil litros por segundo para atender à população. Por outro lado, mais de 1 milhão de pessoas vivem em suas margens, o que desafia a preservação da qualidade da água.

Lideranças territoriais e de movimentos sociais apontam a falta de fiscalização e o cumprimento da legislação ambiental, bem como as principais dificuldades que isso gera para o bem viver em bairros e comunidades tradicionais que se relacionam diretamente com a represa.

Isso ficou evidente no fim de abril, em uma audiência pública convocada pela deputada estadual Marina Helou (Rede), que é coordenadora da Frente Parlamentar Ambientalista pela Defesa da Água e do Saneamento na Assembleia Legislativa (Alesp). Foram apresentados dados alarmantes sobre a perda de qualidade da água, assoreamento, e a presença de esgoto, indicando que a poluição está avançando para áreas antes preservadas.

A discussão também abordou os desafios de urbanização, empreendimentos ilegais e os impactos das mudanças climáticas na represa, enfatizando a necessidade de ação conjunta e dados transparentes para proteger este vital recurso hídrico.

Qualidade em baixa

A professora e pesquisadora Marta Marcondes, da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, diz que é preocupante o cenário mensurado pelo Índice de Qualidade de Água (IQA).

“As áreas onde o IQA está bom são áreas que precisamos cuidar como se fosse um filho pequeno. Não é possível que haja nenhum tipo de avanço de poluição, de retirada de vegetação e nem de nada”, diz ela, que coordena o  Projeto IPH – Índice de Poluentes Hídricos, que atua no monitoramento das águas e fornecimento de dados para subsidiar políticas públicas de saneamento e prevenir doenças na população.

“Em dez anos, nós tivemos um prejuízo do braço do rio Grande, que era bom e passou para regular, e um prejuízo no braço do rio Pequeno, que era ótimo e agora está bom. A gente vem perdendo a qualidade de água do reservatório”.

Marta alerta sobre a perda de capacidade de armazenamento do reservatório como um fator preocupante. A professora aponta que, ao longo de 10 anos, foram feitas diversas medições que buscavam quantificar a profundidade da represa, separando o que havia de água e de sedimentos.

Em determinados locais, as mudanças foram tão drásticas que houve, por exemplo, a formação de um “lixo berg” (iceberg de lixo). Em uma área perto da Usina da Pedreira (na zona Sul paulistana) a profundidade que era de 25 metros diminuiu para apenas 70 centímetros devido ao acúmulo de lixo e sedimentos no local.

“Nós tivemos perdas significativas, de 10% a 30% da capacidade de armazenamento. Nós temos uma deposição de matérias no fundo desse reservatório que impede que a água seja armazenada de maneira adequada para a gente poder fazer a captação” – Marta Marcondes.

Represa poluída – e poluente

Criança pescando às margens da Represa Billings acompanhada de adultes (foto Vitori Jumapili)

Os efeitos de deterioração da represa Billings podem ser reforçados a partir das mudanças climáticas, que se intensificam com o avanço da poluição e da falta de saneamento. O excesso de sedimentos gera a liberação de metano, gás que provoca o efeito estufa e é o segundo maior contribuinte para o aquecimento global.

Marúcia Whately, do Instituto Água e Saneamento, menciona a importância de aproximar  o debate do saneamento com o debate da adaptação climática. Ela também indica que a gestão de riscos hídricos baseada apenas no que aconteceu no passado é insuficiente, e é estratégias para lidar com problemas nunca antes  enfrentados.

“A gente não pode mais fazer coisa olhando para o retrovisor, porque o que a gente tá vendo que vem pela frente não vai estar explicado pelas séries históricas” – Marúcia Whately.

Outro ponto levantado por Marúcia é a respeito da redução da capacidade em lidar com os problemas ambientais. Neste verão, o índice de chuvas foi 5,3% abaixo da média, mas mesmo assim houve diversas enchentes em São Paulo e na região metropolitana.

“Quando a gente para pra olhar como os eventos climáticos estão aumentando a intensidade e frequência, grande parte deles se dá por alguma relação com a água. A água e o clima são indissociáveis. (…) A gente está começando a desarticular alguns sistemas e perdendo a capacidade. Estamos andando para trás. Quando nós, que trabalhamos nessa área e sabemos o que está por vir, vemos a região metropolitana e o município de São Paulo tão despreparados para lidar com esses eventos, a gente fica muito preocupado”, pontua.

Preservar a ancestralidade

Gilmar Nhamandu é uma das lideranças da aldeia guarani Guyrapaju, em São Bernardo do Campo. Ele aponta que a luta pela sobrevivência de comunidades tradicionais está diretamente ligada à preservação ambiental, destacando sobretudo a forte relação dos povos indígenas que habitam a região da bacia hidrográfica com as águas da represa.

Na aldeia guarani Tenondé Porã, em Parelheiros, extremo sul de São Paulo (Foto: João Claudio de Sena)

“A gente costuma sempre, de alguma forma, preservar o nosso território para que possamos ter uma boa qualidade de água. (…) Sobre a represa, nós temos uma relação muito respeitosa, é de onde tiramos o nosso sustento, onde levamos nossos filhos para se divertir, conhecer a água e o porquê da importância da água. A gente tenta preservar o pouquinho que temos”, diz.

Gilmar indica que, para as comunidades tradicionais, essa conexão entre preservação e sobrevivência e qualidade de vida é uma estratégia fundamental para a manutenção da cultura e modo de viver.

Isso fomenta a circularidade do conhecimento ancestral e também a produção de novos saberes a partir de estudos realizados sobre as águas e as florestas da região, com o intuito de garantir a conservação do território.

“A gente procura, além de preservar, ter essa cultura e esse modo de vida que é muito significativo pra gente. As pessoas não-indígenas precisam conhecer a realidade, tanto dos povos originários quanto da represa” – Gilmar Nhamandu.

A partir dessa relação, Gilmar questiona sobre os planos de preservação previstos para os próximos 100 anos. O caminho a ser seguido é de união entre as comunidades tradicionais, a sociedade civil e o poder público, para que resultados significativos sejam alcançados.

“Vamos ver se nos próximos 100 anos melhora alguma coisa. Precisamos unir forças e brigar pelas melhorias. Vermos o que representa e o que de fato precisamos de recursos para melhorar a qualidade de vida, tanto humana quanto dos animais e dos sobreviventes da terra. Desistir depois de tudo que a gente já lutou não é uma opção. A gente resiste, e o resultado logo virá”, finaliza.

Edição: Thiago Borges. Fotos: Arquivo Periferia em Movimento / Pedro Salvador e Vitori Jumapili

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