Por uma bancada periférica: Ativistas querem representar quebrada na Câmara Municipal de SP

Por uma bancada periférica: Ativistas querem representar quebrada na Câmara Municipal de SP

Candidaturas querem atravessar a ponte até a Câmara Municipal com aprendizados dos movimentos sociais para mudar o sistema por dentro

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Por Marcelo Lino Jr. Edição: Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano

A rua ensina a fazer política na prática, a política do dia a dia. Forjadas na luta protagonizada por movimentos sociais de diversas frentes, pessoas periféricas cansadas de “cadeiradas” e debates de pouquíssima relevância para as quebradas batalham para ocupar os espaços de poder e promover transformações reais.

A ativista ambiental indígena Chirley Pankará traz de Pernambuco para São Paulo ideias para preservar a terra – uma pauta urgente do nosso tempo.

Aos 50 anos, ela concorre para o cargo de vereadora e enxerga que, ao cuidar de onde pisamos, cuidamos da nossa gente.

Chirley Pankará, candidata com apoio do movimento indígena pelo PSOL

Chirley Pankará, candidata com apoio do movimento indígena pelo PSOL

“Há todo um conjunto de coisas que somam dentro das questões ambientais que tanto a cidade quanto as aldeias podem trabalhar junto para salvar o planeta. Nós, povos indígenas, preservamos mais de 80% da biodiversidade do mundo”, conta a candidata pelo PSOL na capital paulista. “Mas a cidade pode evitar o consumismo desenfreado, o capitalismo exagerado. Pode evitar esse tanto de consumo que as pessoas fazem”, acredita.

Esse consumismo desenfreado é um dos motivos para tanto lixo, tanta doença e tantos maus tratos à natureza. É nas quebradas que encontramos mais problemas de enchentes, saneamento e falta de áreas verdes, o que leva a problemas respiratórios, doenças, superlotação de hospitais e sucateamento dos serviços públicos.

“O desastre ambiental não atinge todo mundo de forma igual. A periferia sofre mais”, completa a professora Flávia Rosa (PSTU), também candidata a uma cadeira na Câmara.

Neste mês de setembro de 2024, paulistas vivenciaram – e seguem vivenciando – como é morar na cidade com o ar mais poluído do mundo, segundo o monitor de qualidade de ar suíço IQAir.

Ao mesmo tempo, os debates entre concorrentes à Prefeitura quase não discutiram o tema em meio a brigas e agressões.

“Nós não vamos conseguir reverter em curto prazo ou em médio prazo a questão ambiental. A gente pode fazer pequenas coisas que as pessoas dizem: ‘é tão pouco isso’. Nós somos a base da pirâmide. Mas com esperança – um faz uma coisa, outro faz outra, outro grupo pressiona os órgãos ambientais -, a gente chega pelo menos na metade do trabalho”, acredita Chirley Pankará.

Pressão popular é a lógica dos movimentos sociais: o que começa como uma coisa “pequena” segue como meio de conseguir direitos básicos e melhorias para as quebradas.

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Da aversão à ocupação

Junior Freitas, de entregador a candidato a vereador pelo PSOL

Junior Freitas, de entregador a candidato a vereador pelo PSOL

Se muita gente, inclusive na quebrada, tenta ficar distante da política institucional, ocupar esses espaços pode significar avanços pra gente.

Junior Freitas (PSOL) venceu a aversão à política por uma causa maior.

“A maioria do povo tem receio da política porque a política nunca se apresentou na quebrada, nunca se apresentou à favela. Eu tinha preconceito mesmo, porque eu achava que não era pra mim, que tinha que ter outras pessoas mais preparadas”, desabafa o motoboy de 42 anos e uma das lideranças do Movimento dos Entregadores Antifascistas, que cresceu nos últimos anos nas ruas e nas redes sociais lutando por direitos para pessoas que trabalham com entrega de aplicativos.

Do Capão Redondo (zona Sul), Junior apoia a candidatura de Guilherme Boulos, tem uma forte atuação nas redes e fala sobre como é visto sendo um candidato da quebrada. “Hoje eu vejo uma oportunidade de representar a periferia sendo um cara periférico”, conta.

Para conquistar votos, não basta ser ativo nas redes sociais. O entregador, assim como as outras candidaturas, precisa ir às ruas mostrar suas ações e chamar atenção.

“Quando chega um cara igual eu, negro, de boné e moletom e fala ‘eu sou político’, a pessoa já acha estranho”, diz, com bom humor.

“Pelo meu jeito de falar, o meu jeito de agir, eu continuo sendo o mesmo cara que era do rap, que tava na quebrada, que é antissistema. Eu pergunto: ‘Quem são os candidatos que você votou? Algum deles se parece comigo?’ A resposta é sempre ‘não”, aponta Junior Freitas, dessa vez, sem aquele bom humor.

“A direita é muito mais forte nas redes sociais, nos meios de comunicação. Eles são muito mais fortes para plantar fake news. Os empresários já aprenderam a dominar o nosso povo através dos parlamentares”, termina o candidato, que se considera “radical”.

Radicalizar a democracia

Dentro do que é considerado “radical”, a professora Flávia se vê ainda mais envolvida. A candidata de 39 anos é do PSTU, partido que tem Altino Prazeres como concorrente à Prefeitura. Apesar de não ter muita visibilidade até pela falta de tempo na TV, ele é o único a defender abertamente o fim das privatizações.

Professora Flávia (PSTU), em ação com candidato à Prefeitura Altino Prazeres

Professora Flávia (PSTU), em ação com candidato à Prefeitura Altino Prazeres

“Obviamente a gente é contra a ditadura, mas a gente não se sente representado por essa democracia que também não chega para a gente. O que chega para a gente é a violência policial, é a repressão racista na periferia, é o descaso dos governos. Então, é uma democracia muito limitada para a gente”, declara a professora.

“A gente não se sente representado pela Câmara dos Vereadores, que é muito mais um balcão de negócios” finaliza.

Líder de movimentos estudantis que eram contra a reestruturação escolar de 2015 proposta pelo então governo de Geraldo Alckmin (à época, no PSDB), a professora ocupou com centenas de alunos a Escola Estadual Damy, na Brasilândia (zona Norte), região onde mora.

Ela diz que foi uma “experiência de auto-organização muito rica”, que apresenta para sua quebrada até hoje e acredita no que chama de “assembleia popular” para trazer avanços nas quebradas..

“A gente faz a militância voluntária. A gente não ganha um real para estar na rua. A diferença é que as pessoas veem que a gente não está na rua só na hora da eleição”, ressalta Professora Flávia (PSTU).

“(Conquistamos votos) com apoio voluntário da comunidade, o que por si só já é totalmente uma aberração nesse cenário da política. Porque a gente sabe que tem muitos políticos que vão nas comunidades querendo comprar os votos das pessoas – e conseguem”, completa.

Para ela, as quebradas têm pautas urgentes a serem debatidas, mas não estão sendo levadas em consideração nem por candidaturas mais à esquerda, como do próprio Guilherme Boulos.

“A campanha dele (Boulos) é a mais cara. Tem R$ 44 milhões de doação. E ao invés de combater a militarização da GCM, ele está defendendo dobrar a GCM. Isso, sinceramente, só vai aprofundar a violência racista na periferia”, desabafa.

Participação popular

Dentro da lógica de usar “assembleias populares” para organizar as periferias, a ex-secretária adjunta de Cultura Ingrid Soares (Rede) traz experiências da política institucional. Ela trabalhou na Prefeitura de Bruno Covas e com gestões comunitárias de centros culturais que ajuda a organizar até hoje.

Ingrid Soares, da gestão pública da cultura à disputa pela vereança com a Rede

Ingrid Soares, da gestão pública da cultura à disputa pela vereança com a Rede

“A periferia entra como um recorte na gestão pública de maneira muito recente. A gente percebe que, quando é uma gestão conservadora, ela joga a precariedade pra cima da periferia pra tirar a gente dos territórios, pra tirar a gente dos espaços, mas não trazem uma solução”, conta a candidata.

Ingrid se inseriu na política em 2014, quando começou a trabalhar no programa Jovem Monitor Cultural da Prefeitura paulistana e atuou no Centro Cultural da Juventude (CCJ) Ruth Cardoso, na Vila Nova Cachoeirinha (zona Norte). Hoje, a servidora pública de 34 anos segue lutando por mais cultura nas periferias.

“Quem traz as soluções para nossos problemas é a própria sociedade civil, fazendo a gestão comunitária. São pessoas físicas”, comenta Ingrid Soares.

Ainda assim, para implementar políticas que trarão crescimento, garantia de direitos e prosperidade para as quebradas, ela e as demais candidaturas entrevistadas sabem que precisam enfrentar a falta de recursos, do apoio do empresariado e de parlamentares – e os preconceitos de sempre.

“Uma das coisas que eu mais sofri de passar raiva quando eu tava como secretária adjunta é que, como uma mulher preta de quebrada, você tá muito fora da curva nesses espaços. Você é minoria da minoria”, diz Ingrid.

“Se a gente não tiver leis, eles não vão fazer nada por nós. A gente não pode contar com a boa vontade das pessoas porque o preconceito é grande. Nossa bancada periférica tem que lutar pra ter uma lei que traga mais investimento na periferia”, termina.

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