Na saída do metrô Capão, ato-sarau ecoa vozes pela vida de todas as mulheres 

Na saída do metrô Capão, ato-sarau ecoa vozes pela vida de todas as mulheres 

Realizado pela Escola Feminista Abya Yala, manifestação denuncia violência contra mulheres em ação que contou com música, poesia e entrega de kits de higiene pessoal para acolher passageiras no retorno pra casa

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Reportagem de Elisabeth Botelho. Fotos por Aline Rodrigues. Edição: Thiago Borges (texto) e Pedro Salvador (imagens)

A volta para casa na última sexta-feira (24/3) não foi como de costume. O desfecho do dia das pessoas que saiam da estação Capão Redondo, na linha lilás do metrô (zona Sul de São Paulo), teve música, poesia e resistência em vozes femininas durante o Sarau Pela Vida de Todas as Mulheres.

Quando a pergunta “o que te fez parar aqui?” era direcionada para homens, a resposta que se ouvia era: “o barulho”. Pois esse barulho chegou na vida de diversas mulheres naquela noite. A maioria das que ali paravam sabiam que, por de trás da arte, existia uma denúncia sobre as condições e situações vividas em todos os espaços coletivos.

O ato poético foi promovido pela Escola Feminista Abya Yala e contou com a manifestação do grupo Coco do Bonde e a distribuição de kits de higiene pessoal.

“Resistência. Grito. Voz. A gente aqui tem voz, a gente quer ser ouvida, a gente quer ser vista. E quantas mulheres não passaram aqui hoje e também sentiram essa necessidade”, enfatiza Lígia Aparecida, com 57 anos, professora e integrante do grupo.

Retorno necessário

O último ato ocorreu em 2020 nesse mesmo local. Depois da pandemia, que registrou aumento da violência de gênero, essa foi a primeira vez que o grupo se reuniu para dar voz e acolher as mulheres na estação – lugar onde há o maior número de ocorrências de assédio e violência contra as mulheres.

O metrô de São Paulo recebeu mais de 800 casos de risco de violência e assédio desde 2022, com a maior concentração na zona sul de São Paulo – dados apurados pela Rede Nossa São Paulo.

Como espaço coletivo de troca de afeto, experiências e conhecimento, a Escola Abya Yala se deslocou para onde essas situações acontecem. Com pressa ou impaciência, nem todas as passageiras pegavam o panfleto na saída da estação. Mas quando o grupo Coco de Bonde começou a tocar a releitura da música “Acorda, Maria Bonita”, o número de pessoas no ato duplicou.

Acorda Maria Bonita / Levanta se você quiser / Os tempos estão mudando / E hoje é o homem quem faz café

A violência na paisagem

Andar na rua sozinha. Entrar num transporte público lotado ou não. Estar “presa” num relacionamento abusivo, com violências psicológicas, verbais e físicas, seja em ambientes familiares ou corporativos. Esses são cenários que impulsionam o número de violência contra a mulher em São Paulo.

51% da população paulistana é formada de mulheres com sobrenomes e trajetórias escritas em formatos diferentes, mas em sua grande maioria possuem algo em comum: o fato de serem mulheres – e que provavelmente já viveram, vivenciaram ou ouviram casos de assédios e violências.

“Eu fui criada de um jeito que a mulher não tinha palavra né, era obedecer a mãe e pai. Casou, [tinha que] obedecer o marido. Foi isso que eu aprendi”, relata Helena, vítima de agressão física pelo ex-marido, que parou no ato na saída do metrô.

As gerações das mulheres são construídas a partir das criações passadas com valores e princípios que guiam a vida estipuladas por alguém. Algumas dessas “regras” são questionadas ao decorrer da vida somente quando acontece a agressão física.

A problemática (pois é um problema de todes) atinge mais de 3,8 milhões de mulheres, sejam elas de qualquer posição social. Neste espaço de escuta, Nide conta que perdeu a sobrinha e o sobrinho-neto em mais um caso de feminicídio em Vitória da Conquista (BA).

“Precisa mesmo falar, precisa mesmo gritar ao mundo para que todos ouçam, que tá matando mulheres, está existindo o feminicídio”, exalta Nide.

Entre poucos homens que pararam para acompanhar o ato, estava Márcio Martini, 39. “Quando eu tinha uma lan house no meu bairro, eu fazia o boletim de ocorrência para vários casos de feminicídio e homem que batia em mulher. Era gratuito, eu não cobrava nada”, diz. Em 3 anos, foram mais de 15 casos que ele reportou.

Gratidão 

Muitas pessoas que paravam no ato enfatizaram a importância da pauta. Algumas choraram por se identificarem e se sentirem acolhidas. Outras entenderam que não estão sozinhas, como contou a Nice Vieira, atraída pelo movimento que estava acontecendo na estação.

Na distribuição dos kits de higiene pessoal, uma mulher agradeceu por algo que “tocou o seu coração” e por se sentir invisível. “Passou o dia da mulher e nem meu esposo e nem ninguém sequer falou ‘feliz dia das mulheres’. É como se a gente fosse invisível, às vezes, e esse ato de vocês é um grito de liberdade”, diz.

Ainda em conversa com a Lígia, integrante da Escola Abya Yala, ela conta que muitas perguntavam sobre a iniciativa. “Elas também se sentem sozinhas. Elas se viram na gente.”

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