Por Mariana Belmont*
Imagem em destaque: esgoto coletado no Jardim Gaivotas (Grajaú/SP) e não tratado é despejado pela própria Sabesp na represa Billings (Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)
Será que quando a gente pensa em mudanças climáticas, a gente relaciona a precariedade das cidades na conversa? Demorei para entender que o planeta está derretendo, ou pegando fogo, e os problemas estão todos na porta das nossas casas, ou dentro delas, no caso da fome.
Já parou para pensar que a falta de água nas torneiras faz parte do cotidiano das pessoas periféricas? O não abastecimento das casas nas periferias não se restringe às épocas específicas do ano. Ali, o racionamento é lei e acontece todos os dias para que outros espaços e classes sociais das cidades tenham água disponível. As periferias convivem com a falta de água há tempos.
Crianças morrem nas enchentes, famílias perdem casas construídas em áreas de risco, nas margens de represas e córregos, nos vales e nas encostas. Isso tudo pela ausência de acesso à terra urbana para moradia digna e segura.
Esse é o retrato do racismo ambiental nas periferias das cidades.
O debate sobre o racismo ambiental surge dentro das lutas e pesquisas sobre justiça ambiental e foi uma reivindicação realizada pelo movimento negro dos EUA. Foi o reverendo Benjamin Chavis, assistente de Martin Luther King Jr. e ativista do movimento pelos direitos civis nos EUA, que cunhou o conceito “racismo ambiental”.
As cenas de desastres ambientais descritas acima têm como ponto de partida as desigualdades e discriminações étnicas e raciais.
Podemos nos perguntar: quem define o que está em disputa dentro dos direitos socioambientais? Essas pessoas e esses espaços decisórios levam em conta a realidade da injustiça social presente em cada um dos territórios?
No Brasil, o movimento ambientalista, comumente liderado por pessoas brancas, é uma pedaço elitizado que historicamente fez parte de processos importantes no combate à degradação ambiental. Mas será que esse movimento considerou e ou considera o racismo um problema nos debates socioambientais? Tudo indica que não.
Como resultado, temos a falta de segurança ambiental em territórios urbanos e rurais de maioria populacional negra – impactada pela expropriação, poluição hídrica, atmosférica, pelos eventos climáticos extremos, pela moradia em áreas de risco, pelo despejo de resíduos, pelo não acesso aos serviços de saneamento básico, pelas enchentes, deslizamentos, dentre outros.
O racismo ambiental e a COP 26
A partir deste dia 1º de novembro de 2021, governos e sociedade civil organizada estarão reunidos em Glasgow, no Reino Unido, para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26).
O objetivo central do debate é a descarbonização do planeta, por meio da redução das emissões de gases de efeito estufa. Uma oportunidade de exigir soluções para a emergência climática que priorizem o enfrentamento ao racismo ambiental, às desigualdades racial, de gênero e social, com a urgência que o planeta precisa.
Dentre as demandas e negociações previstas, está o dever ético e humanitário de impulsionarmos a corrida global pelo carbono zero, assegurando a aprovação do artigo 6ª do Acordo de Paris e o investimento de US$ 100 bilhões anuais nos países em desenvolvimento, a fim de garantir a justiça climática e a justiça racial.
A mensagem é clara: a crise climática é também humanitária e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e dos povos indígenas.
No Brasil, 56% da população é negra, segundo dados do IBGE (2020). Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista. É negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades. É negar o aumento da fome. É negar a violação dos direitos constitucionais contra comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas. É negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais.
A minha aposta é que, nesta COP26, o movimento de mudança e pressão de movimentos, antes nunca bem-vindos em espaços internacionais de negociações climáticas, irá provocar um debate contra as desigualdades sociais, mesmo que para isso seja preciso o constrangimento.
O movimento negro brasileiro embarca para a conferência representado por diversas organizações e também por instituições que compõem a Coalizão Negra por Direitos, assim como representante dos povos indígenas.
É preciso constranger o governo brasileiro, que nega o racismo ambiental e tem como política o desmonte e o esvaziamento da pauta ambiental no país. A política ambiental de Jair Bolsonaro é racista e covarde. É a política de moer pobres, quilombolas, indígenas e todas as populações que lutam por qualidade de vida nos seus territórios. É a política de institucionalizar a fome pelas periferias, em tom de deboche e violência.
O movimento negro e indígena estará lá para dizer “basta!” e mostrar que outro caminho é, sim, possível: pelas mãos dos povos negros, indígenas, quilombolas, pelas mãos e mentes dos grupos historicamente violados. Basta!
*Mariana Belmont é jornalista, ativista e especialista em temáticas ambientais. É membro da Rede de Jornalistas das Periferias, articuladora da Nuestra América Verde e militante da Uneafro Brasil. E coordena a área de Cidade e Clima do Instituto de Referência Negra Peregum.
Redação PEM
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