A descriminalização do hip hop em tempos de repressão ao funk

A descriminalização do hip hop em tempos de repressão ao funk

A repressão a movimentos das periferias não é de hoje. O hip hop passou por uma marginalização que o samba já sofreu e que agora atinge o funk.

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Hip hop vai além da arte. É um movimento político que contesta as desigualdades sociais por meio de quatro elementos: os MCs, os DJs, os B-Boys e os grafiteiros. E isso foi reconhecido por Juca Ferreira, secretário municipal de cultura de São Paulo, em encontro inédito com representantes do movimento que aconteceu na última quarta (10).

“O hip hop tem uma carga importante de enfrentamento das desigualdades, não só em São Paulo mas em outros estados”, comenta Juca. “O hip hop é, talvez, o maior canal de comunicação da juventude de periferia do País inteiro e dialoga com outras manifestações também”.

Por isso, ele considera importante que o poder público participe do processo de descriminalização do hip hop, que por mais de duas décadas é reprimido pelo próprio poder público.

“Das bizarrices de São Paulo, a negação do hip hop é uma das maiores delas”, observa Emicida, que esteve presente no encontro e falou ao Periferia em Movimento.

“Essa coisa de São Paulo em que todo mundo sabem quem é que chega a um bar da periferia atirando e matado é muito grave”, lembra Juca. Em janeiro deste ano, homens encapuzados invadiram um bar no Campo Limpo, zona sul da cidade, atiraram contra os presentes. Um dos mortos foi DJ Lah, do grupo Conexão do Morro. “O dia em que a sociedade se iguala a quem ela combate, é preciso parar para discutir. Sistema repressivo é muito forte e muitas vezes se abate sobre movimentos culturais da periferia”, observa Juca.

O reconhecimento ao hip hop é maior hoje do que antigamente, mas as dificuldades continuam.

Rappin Hood conta que conseguiu marcar um show no Teatro Municipal de São Paulo após anos de tentativas. Após tudo acertado, porém, a apresentação foi cancelada. “Até agora ninguém conseguiu um retorno. Não queremos esmolas. Queremos meios dignos para fazer o que a gente faz”, conta ele. 

A repressão a movimentos legítimos das periferias não é de hoje. O hip hop passou por uma marginalização que o samba já sofreu e que hoje se abate sobre o funk, como destaca Joseh Sillva em matéria publicada na Carta Capital.

“O funk está sendo reprimido da mesma forma que o rap foi e é reprimido, assim como o samba foi e é reprimido há cem anos. E falo isso porque vivemos numa sociedade racista e o Marco Feliciano tá aí para provar que esse tipo de pensamento tem representação”, aponta Emicida. 

“Aqui em São Paulo, há um temor de que o pancadão seja instrumento do tráfico. E por isso, acha-se que o pancadão tem que ser proibido. Mas o funk é uma manifestação cultural”, diz Juca, para quem a juventude da periferia tem direito à diversão e o poder público tem obrigação de dar esse espaço, além da educação e o acesso à cultura.

Para Max BO, rapper e apresentador do programa Manos e Minas na TV Cultura, o problema não é ir a festas em casas fechadas, onde só maiores de idade são permitidos de entrar. “Mas é muito complicado quando você para o seu carro no bairro com o som bombando onde tem crianças com cinco, seis, sete, oito anos, ouvindo ‘senta, senta, senta’, com gestantes de 13, 14 anos. A coisa não é muito ligado à música que se produz, mas onde ela é difundida”, explica ele, que frequenta bailes funk.

“O funk é cultura dos pretos. É batuque de macumba com os pretos falando o que desejam falar. A sociedade vende putaria e o funk faz isso de uma maneira que não é metafórica, mas de uma maneira direta”, nota Emicida, que torce para que o funk mantenha seu processo de construção e traga outros discursos à periferia. “Mas eu me policio para não ser polícia de ninguém. Eu acho que a música tem que ser livre para se falar o que quiser. É um fenômeno”.

Para o rapper Rashid, o melhor que se pode fazer é fortalecer essas manifestações que surgem nas quebradas, mesmo que muitos não concorde. “O funk é irmão do rap e do samba. Independente da boa vontade dos adeptos de cada ritmo, todos eles vieram da periferia, representam pensamentos, movimentos, ações”, diz ele ao Periferia em Movimento.

“Só percebo que a gente tem que aprender com o crescimento do funk. O rap começou a ser muito professorzão, e o funk veio para divertir”, conclui Rappin Hood. “Acho que um pode colaborar com o outro”.

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