Tem volta? Crise climática avança e impacta territórios periféricos, indígenas e quilombolas

Tem volta? Crise climática avança e impacta territórios periféricos, indígenas e quilombolas

Jornalista e ambientalista Mariana Belmont chama a atenção para os  efeitos negativos das mudanças do clima para populações periféricas, que vivem racismo ambiental e registram 15 vezes mais mortes por secas, enchentes e tempestades

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Por André Santos. Edição: Thiago Borges. Montagem: Rafael Cristiano. Fotos: Arquivo / Pedro Salvador

Criada em Parelheiros, distrito do Extremo Sul da cidade de São Paulo localizado em área de mananciais, Mariana Belmont tem 36 anos de idade – boa parte deles dedicada à questão ambiental.

Mariana Belmont (foto: Arquivo pessoal)

Jornalista, ativista de movimentos ambientalistas e periféricos, ela trabalha com articulação e comunicação para políticas públicas. É organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023), escreve mensalmente para o portal Gênero e Número e é Assessora sobre Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra.

Em sequência à série de entrevistas com especialistas periféricas sobre temas relevantes para as quebradas em 2024 (clique para ler), Mariana explica à Periferia em Movimento como o racismo ambiental impacta o cotidiano da população brasileira, que é 56% negra, de acordo com o IBGE (2022). A ambientalista pondera que a comunicação, tomada de consciência e mobilização são passos fundamentais para tentar promover um enfrentamento mais consistente ao problema, que é coletivo. Confira a entrevista completa abaixo:

O que é e como a crise climática atinge territórios periféricos, indígenas e quilombolas – “Segundo definição da ONU, as mudanças climáticas são transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima. Essas mudanças podem ser naturais, como por meio de variações no ciclo solar.

Mas desde 1800, as atividades humanas têm sido o principal impulsionador das mudanças climáticas, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, ou seja, os ricos. A queima de combustíveis fósseis gera emissões de gases de efeito estufa que agem como um grande cobertor em torno da Terra, retendo o calor do sol e aumentando as temperaturas.

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é um alerta importante para o que estamos vivendo. Os números escancaram o racismo ambiental e o que está acontecendo nos territórios. As pessoas mais afetadas pela crise climática são as que menos contribuem para o aquecimento do planeta: nas regiões mais pobres e marginalizadas, o número de mortes por secas, enchentes e tempestades foi 15 vezes maior na última década do que nas regiões com mais infraestrutura.

A crise climática é também humanitária e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e dos povos indígenas. No Brasil, a maioria populacional é negra e representa hoje 56% da população (IBGE, 2020). Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista, é negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome, é negar a violação dos direitos constitucionais contra comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas, é negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais.”

Jardim Iporã, Extremo Sul de São Paulo (foto Pedro Salvador)

Importância de conscientizar a população – “Eu sempre achei muito importante a gente relacionar o nosso cotidiano ao que está acontecendo no planeta. O ar que a maioria da população respira hoje nas cidades é poluído por combustíveis fósseis. Isso se relaciona com a saúde da população que usa o transporte público todos os dias e respira muitas horas de ar de petróleo queimando. Os eventos climáticos como as chuvas cada vez mais intensas que alagam bairros e fazem famílias perderem tudo, inclusive a vida.

Tudo no nosso cotidiano está relacionado ao meio ambiente. Essa conversa precisa estar nas escolas, na nossa comunicação, na conversa em casa, na novela e no jornal das 8 da noite. Não acho que estamos mais no ponto de achar que o assunto está longe da gente e tudo bem. As pessoas estão cada vez mais perdendo vidas.”

Cuidados no dia a dia – “Claro que temos nossa parcela individual de ação, com nosso lixo, com a comida, mas isso eu acho que é um papo que também precisamos fazer com cuidado. A desigualdade social no nosso país, a fome e o descaso é tão gritante que a gente acaba apenas vivendo e agindo pela sobrevivência.

E quando eu falo em alimentação, não falo aqui de se privar de comer carne. Eu acho que essa é uma conversa difícil ainda de fazermos, afinal as pessoas estão com fome e impor uma dieta com olhar elitista, excludente e racista não vai nos fazer avançar, ao contrário.

Por isso que eu acho que a comunicação é importante, acho que a tomada de consciência, entender nosso cotidiano, a nossa vida real conectada ao que está causando tanto estrago nas cidades é fundamental. Com isso a gente precisa cobrar, exigir e participar da forma que for pressionando os governantes por políticas de adaptação climáticas, mitigação e reparação.

Crise climática prejudica produção de alimentos orgânicos na zona rural de São Paulo (foto Pedro Salvador)

O racismo ambiental, da forma como opera e como está estabelecido na humanidade, continuará provocando transformações que são contra a vida da natureza, sobretudo se não houver uma percepção profunda do que significam esses processos. Genocídio, epistemicídio, implantação do patriarcado, ecocídio e feminicídio são as consequências de toda a ação de grupos opressores pautados pelo racismo.

O racismo ambiental e o racismo climático são questões políticas e humanitárias que evidenciam uma construção social que determina como alguns grupos são mais relevantes que outros tanto para a ciência, como para as políticas públicas”.

Responsabilidade do poder público e ausência de políticas de enfrentamento – “Acho que tem muita coisa urgente. Enquanto escrevo e respondo essas perguntas para você, o litoral de São Paulo está em alerta por causa das chuvas. Estão evacuando bairros por conta de deslizamentos. Todo ano isso acontece, semana passada aconteceu no Rio de Janeiro. Não há um plano nacional ou de estados e municípios para adaptar e prevenir mais mortes e perdas materiais e imateriais.

Os eventos climáticos estão aí. Chuvas, calor extremo, nível do mar subindo, ar ruim e tudo mais. Qual a política de prevenção de mortes do Brasil? Não existe, nunca existiu. É fundamental e importante a redução dos desmatamentos nos biomas, especialmente na Amazônia, mas o que a gente faz com as cidades imersas em desgraça e população negra, indígena e pobre morrendo? O Brasil precisa priorizar e ser protagonista na prevenção. Não temos mais tempo”.

Como o mundo tem se preparado para a crise? – “Os países ricos estão em marcha lenta, os países ricos com petróleo querendo atrasar mais as soluções e os países pobres ou em desenvolvimento desesperados contando corpos.

A luta para desaquecer o planeta não se dá a partir de soluções tecnológicas, sem a coragem de mudar radicalmente o sistema de extração, consumo e descarte que nos condenou à crise atual.

‘Mudar a história do clima’ é possível a partir dos territórios, onde as comunidades desenvolvem experiências importantes de luta e mudança do planeta. Acho que deveríamos estar mais desesperados com o que tem acontecido no planeta. Vai piorar muito nos próximos meses.”

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