Não começou em 2013, não vai terminar em 2023: Caminhos e possibilidades da luta por tarifa zero

Não começou em 2013, não vai terminar em 2023: Caminhos e possibilidades da luta por tarifa zero

2013. Em São Paulo, a discussão sobre o aumento da passagem no transporte público começou em escolas, tomou ruas de periferias e depois toda a cidade e o País. E foi sim por R$ 0,20. Depois de 10 anos das históricas Jornadas de Junho, o Movimento Passe Livre analisa avanços na discussão da tarifa zero

Compartilhe!

Tempo de leitura: 12 minutos

Por Movimento Passe Livre São Paulo (MPL-SP)*

Nota: Esse texto foca de forma mais específica na tarifa zero, principal reivindicação do movimento passe livre. Colocada em pauta muito antes de 2013, a tarifa zero segue sendo pensada e executada em diversos lugares do Brasil e do mundo. Outros temas sobre 2013, como, por exemplo, sobre as formas de luta, estratégias e táticas, diferentes narrativas, legados e acúmulos serão abordados aqui de forma mais breve. Caso se interesse sobre, recomendamos algumas referências no fim do texto e também nas nossas redes @passelivresp

Ao longo desse último mês, os 10 anos das Jornadas de Junho seguem lembrados, debatidos, criticados e comemorados em todo Brasil com eventos, textos, reportagens e ações. Como sempre dizem por aí, todo mundo tem alguma coisa pra dizer ou relembrar sobre 2013, e que daora!

Diante desses 10 anos, nós do MPL-SP tivemos reafirmada a certeza de que, antes e depois de junho de 2013, nos terminais e vagões, a questão do transporte e sua tarifa, aumentos, precarização e tantas outras violências seguem massacrando e excluindo a população pobre e periférica do direito de construir e viver as cidades.

E como sempre gostamos de lembrar, a luta por transporte não começa em 2013, com o aumento das passagens em diversas cidades do Brasil, mas sim desde que existiu transporte coletivo, existindo também luta por melhores condições de vida dentro e fora dele.

No Rio de Janeiro (RJ), em 1879, com a Revolta do Vintém; passando por Salvador (BA), em 2003, com a Revolta do Buzu; em 2004, em Florianópolis (SC), com a Revolta das Catracas; e em 2011, em São Paulo (SP), contra o aumento, são apenas alguns dos exemplos.

A luta por transporte também é construída todos os dias que criamos estratégias coletivas ou individuais, pulando catraca, pedindo carona, dando multa, deixando a roleta, lutando contra os aumentos e pela tarifa zero.

Já a tarifa zero, possibilidade de utilizar o transporte público de forma verdadeiramente gratuita, já vinha sendo construída muito antes de 2013. Pautada em diversas iniciativas populares, em especial durante a década de 1990, na Cidade Tiradentes, e por Lucio Gregori, secretário de transportes na gestão Luiza Erundina entre 1989-1992 e até os dias atuais.

O Movimento Passe Livre surge em 2005 e está presente em diversas cidades e estados do país, como São Paulo (SP), Guarulhos (SP), Distrito Federal e entorno, Grande Recife (PE) e Joinville (SC), organizando-se de forma federada e com princípios como autonomia, horizontalidade, independência e apartidarismo. Em outras palavras, isso quer dizer que lutamos por um sistema de transporte público fora da lógica mercadológica, gratuito e para todes. Fazemos isso  com autogestão, sem hierarquias de poder ou lideranças, sem apoios financeiros privados ou institucionais e sem partidos políticos.

Enquanto movimento social, realizamos encontros, debates, formações e conversas em espaços públicos. Além de campanhas (como, por exemplo a Campanha Nacional por Tarifa Zero), materiais e estudos (licitação das catracas aqui).

Também nos mobilizamos  em apoio a outros coletivos e movimentos sociais e autônomos na luta por diversas pautas, e mobilizamos ações, manifestações e atos de rua contra a tarifa, contra a violência no transporte e contra os aumentos.

Entendemos a luta por transporte e por tarifa zero enquanto uma luta contra uma cidade capitalista, excludente, racista, machista e elitista. E, como também dizemos muito por aí, a luta é pelo fim de todas as catracas, sejam elas as roletas dos busões e trens ou as simbólicas, que nos barram de acessar direitos e de construir outras possibilidades de vida.

Em 2013, as lutas que mobilizaram capitais como Porto Alegre, Florianópolis, Vitória, Brasília, Goiania, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Alagoas, Natal, Belém, Recife, Teresina, Macapá,  Manaus e diversas outras (saiba mais no mapa) tinham como pauta a revogação do aumento e/ou redução do valor das passagens. Lutas que foram construídas desde 2006, com outros atos em anos anteriores contra outros aumentos, mobilizações e articulações coletivas, atividades públicas e diversas outras ações (para saber mais, veja cronologia aqui)

E fomos vitoriosos em mais de 104 cidades brasileiras. Vitórias que não vieram das canetadas de prefeitos e governantes, mas sim da luta das pessoas na rua, com revolta e indignação, contra um sistema de transporte que lucra mais a cada ano, enquanto nos massacra todos os dias.

A diversidade de avaliações sobre as revoltas de 2013 não é por acaso: os processos de construção, as dificuldades e os impactos da luta foram diferentes em cada contexto.

Em São Paulo, as primeiras manifestações de junho de 2013 aconteceram nos bairros e escolas periféricas da cidade, contra o aumento de 20 centavos na tarifa de transporte.

Até hoje, várias narrativas eleitoreiras tentam apagar que junho de 2013 foi uma revolta popular por transporte, colocando a razão das manifestações como “difusa” e “incompreensível”. Mas quem estava nas ruas sabe que foi, sim, por 20 centavos.

Quem depende dos ônibus, trens e metrôs pra se deslocar todos os dias sabe o quanto cada centavo a mais na tarifa pesa no bolso — uma pesquisa de 2020 mostrou que a população brasileira gasta mais com transporte público do que com alimentação!

A tarifa exclui uma enorme parcela da população do uso do transporte coletivo. Na cidade de Formosa (GO), por exemplo, após a implantação da Tarifa Zero nos ônibus, o número de passageiros mensais passou de 9.000 para 85.000! (saiba mais aqui e aqui). Lá, a tarifa zero foi entendida como uma necessidade após uma pressão de parte da população cadastrada no CadÚnico, que era impedida de acessar os serviços de saúde e assistência social por não terem o dinheiro da tarifa de ônibus.

O mesmo aconteceu em várias cidades do Brasil no período das últimas eleições: pra garantir o direito de votar, a campanha nacional pela tarifa zero nas eleições conquistou a maior experiência nacional de TZ: em mais de 378 cidades de todo Brasil, a população não pagou tarifa para votar e utilizou o transporte para muitas outras atividades (eventos, visitar familiares, acessar outros direitos como saúde e cultura, etc).

Os anos se passaram e seguimos nas ruas pela tarifa zero, contra todas as catracas, a violência no transporte e os aumentos. Em São Paulo, por exemplo, tivemos aumentos em 2015 (de R$3 para R$3,50), 2016 (R$3,80), 2018 (R$4,00), 2019 (R$4.30) e 2020 (R$4,40), cortes em benefícios (2017 – cortes no passe livre estudantil e 2021 – cortes no passe livre dos idosos), aumento na violência e perseguição no sistema de transporte como um todo (com reconhecimento facial, casos de machismo, racismo e agressões).

Entendendo que avanços, recuos e desafios se movem continuamente e nunca de forma espontânea, em especial na pauta da tarifa zero, gostaríamos aqui de elencar alguns pontos de destaque, entendendo justamente que essa construção não se inicia em 2013 e não acaba em 2023:

  1. o reconhecimento e construção da pauta do transporte nacionalmente, ampliando o debate sobre o direito à cidade e a crítica ao atual sistema de transporte, pautado no lucro e insustentável a cada dia que passa. Não só na academia e câmaras municipais, mas também nas ruas, escolas públicas, espaços culturais,nas conversas e reclamações diárias da população e em diversos outros espaços das cidades;
  2. Aprofundamento dos debates de gênero, raca, diversidade, mobilidade e das interseccionalidades da pauta do transporte, na luta por um transporte popular, antirracista e que combata as desigualdades;
  3. + de 74 cidades com algum tipo de Tarifa Zero, mostrando que Tarifa Zero é possível. As cidades podem ser consultadas aqui;
  4. No campo das leis e discussões municipais, federais e estaduais:

4.1 Transporte considerado enquanto direito social em 2015

    4.2 Estudos e discussões sobre tarifa zero no DF, em SP e em diversas outras cidades do Brasil;

    4.3 a PEC 25, proposta pela Luiza Erundina – PSOL e a proposta de criação do SUM – Sistema Unico de Transporte

 

Diante desse cenário, é importante lembrar qual tarifa zero queremos:

– Popular e para geral: afinal, quem mais sabe sobre transporte é quem o utiliza todos os dias. Por isso, a população tem o direito de participar das discussões e da implementação da tarifa zero para todes!

– Tarifa Zero enquanto direito e não como palanque eleitoral, intere$$e de candidatos e empresários, moeda de troca ou de lucro, mas sim um direito que há muitos anos vêm sendo disputado nas ruas e nas lutas.

– Uma Tarifa Zero que repense a lógica do transporte nas cidades, rediscutindo suas formas de licitação e remuneração de empresas, linhas de ônibus e trens, acesso e mobilidade, etc.

– Uma Tarifa Zero paga pelos ricos (com a taxação de grandes fortunas, por exemplo) e controlada pelo povo!

SÓ VAI MUDAR QUANDO O POVO CONTROLAR

    TARIFA ZERO QUANDO? TARIFA ZERO JÁ?

*Por Movimento Passe Livre São Paulo. Se interessa pela pauta do transporte e quer trocar ideia? Escreve para o movimento em: [email protected] ou nas redes @passelivresp

 

Referências

Caso queira saber mais sobre 2013, luta por transporte e sobre as jornadas de junho de 2013, recomendamos:

[livro] Cidades rebeldes: Passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil – Boitempo, 2015

[livro] Mobilidade Antirracista – Autonomia Literária, 2021

[livro] A cidade sem catracas: história e significados da tarifa zero – Autonomia Literária, 2020

[vídeo] doc  Primeiras Chamas: atos regionais das jornadas de junho. Aqui

[vídeo] Por que a tarifa aumenta?  Aqui

[vídeo] Tarifa Zero: transporte pago pelos ricos e controlado pelo povo! Aqui

[vídeo] No dia Nacional de luta por tarifa zero (26 de outubro), MLP SP faz busão tarifa zero do Terminal Parque Dom Pedro até Cidade Tiradentes. Aqui

[entrevista/podcast] “Temos um legado de militantes e pessoas públicas que nasceram por causa de 2013” na UOL. Aqui

AntifaCast #20 – Junho de 2013. Aqui

[portal] 2013 as redes contam as ruas. Aqui

[site] MPL-SP.org

[mapa] mapa dos atos de junho 2013 no brasil e no mundo. Aqui

[mapa] 74 (e contando!) cidades com tarifa zero no BR. Aqui

[redes sociais – facebook e instagram] @passelivresp/ @passelivredfe/ @passelivregru

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Apoie!
Abrir bate-papo
Periferia em Movimento no Zap!
Olá! Aqui você recebe todas as notícias da Periferia em Movimento no WhatsApp. Clique em abrir o Bate-papo e nos chame no Zap!
Pular para o conteúdo