Por Julia Vitoria. Edição: Thiago Borges
Medo, ansiedade, estresse, falta de foco. Você tem sentido algo assim nas últimas semanas? Após o resultado do primeiro turno das eleições deste ano, Carolina Cristal, de 29 anos, ouviu relatos de medo e desesperança em quase todas as sessões de terapia que mediou.
Segundo a psicóloga, a insegurança sobre o que esperar daqui para frente pode pressionar em especial mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+ a divulgar informações com objetivo de barrar um candidato e impulsionar outro na disputa eleitoral. Mas o quanto isso é saudável?
“Me faz sentido então, que um jovem negro gay que já sofreu violência física em nome dessa disputa política adoeça mentalmente com medo de ter sua vida ainda mais invalidada caso uma política fascista alcance mais poderes?”, questiona Cristal. Nascida e criada na Vila Primavera (zona Leste de São Paulo), ela faz parte da Roda Terapêutica das Pretas, que reúne terapeutas que trabalham com mulheres negras.
Cristal (foto ao lado) nota que a busca ou recebimento incessante de informação sobre o assunto pode gerar essas sensações. “Percebi que se tratavam de afetos muito parecidos com os que ouvi logo no início da pandemia mundial que vivemos em 2020. São afetos demarcados por uma profunda falta de perspectiva e pela insegurança dos dias que virão”, diz a psicóloga.
De acordo com a pesquisa “Saúde Mental dos Brasileiros 2022”, encomendada pela Abrata (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos) e pela empresa Viatris ao Instituto Datafolha, o uso das redes sociais pode ter influenciado na saúde mental da população brasileira nos últimos anos. Isso porque 38% das pessoas entrevistadas revelaram sentir medo de algum julgamento pelo conteúdo que postam nas plataformas. O receio é maior – 43% – entre jovens de 16 a 24 anos. O estudo foi feito antes das eleições.
Já a 11ª edição do Relatório de Mídia Digital do Instituto Reuters mostra que a média das pessoas que evitam notícias “depressivas”, como Covid-19, inflação ou guerra, passou de 29% para 38% nos últimos cinco anos. No Brasil o índice dobrou: o percentual de pessoas que se poupam do noticiário dobrou – de 27% em 2017 para 54% em 2022.
Cristal considera compreensível a “fuga” das fontes de notícia e informação. “Caminhamos para a mais profunda alienação de nós mesmos, enquanto indivíduos e enquanto sociedade. E isso já acontece quando pessoas deixam de buscar por notícias da realidade para um descanso na alienação com o intuito de proteger a saúde mental”, observa.
“O problema não está nas pessoas buscarem proteção, até porque as notícias estão cada vez mais indigestas, mas sim no fato de não refletirmos sobre a condição da vida que levamos estar tão insustentável a ponto de não querermos nem saber o que se passa ou fazermos piada com memes sobre nossa exaustão semanal”, completa..
Bombardeio
Já faz um tempo que o acúmulo de milhares de informações tem resultado em uma verdadeira exaustão mental e emocional. Em 1996, o físico espanhol Alfons Cornellá criou o termo “infoxicação” para se referir ao excesso de informação.
Com o avanço da digitalização da vida, Cristal nota que normas e padrões estabelecem como devemos nos relacionar com outras pessoas, com o trabalho e com o mundo. A alta dos preços dos alimentos, a instabilidade no trabalho, o luto causado pela pandemia de covid-19 e a troca de governo ganham um peso maior com todas as vozes que tomam as plataformas digitais – segundo as empresas Hootsuite e WeAreSocial, o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de países que mais acessam as redes sociais.
“Termos como as fake news ou os cancelamentos fazem parte do nosso cotidiano como novos modos de operar nossas vidas e nossas relações neste território virtual. De repente nossos comportamentos-posts são modulados a partir do que entendemos que será bem aceito e não a partir do que de fato desejamos mostrar” – Carolina Cristal, 29 anos, psicóloga
Ao mesmo tempo em que possibilita o acesso ao conhecimento, o bombardeio das redes de informação, por paradoxal que seja, pode levar o cérebro a um ponto tão grande de exaustão que comprometa a memória e a cognição.
“De que modo não ficaremos ansiosos e depressivos em uma arquitetura social e cultural que nos impede de alcançar aquilo que o tempo todo nos vendem como um ideal a ser seguido? Me parece uma tarefa quase impossível, não adoecer neste cenário”, reforça Cristal.
Como cuidar?
A própria Cristal sempre avalia criticamente o consumo de conteúdos que recebe nas redes. “Tento ser cuidadosa tanto no sentido de conhecer os limites para minha saúde quanto em relação à qualidade das informações, com jornais e jornalistas que se posicionam politicamente em defesa da democracia e dos direitos da população”, diz.
Confira algumas dicas para filtrar o excesso de informação:
- Lembre-se que a vida on-line não é toda a realidade e que o que acontece fora dela também é importante
- Selecione as páginas e pessoas que você segue nas redes
- Limite seu tempo conectado
- Caso sinta sintomas de ansiedade ao ver determinados conteúdos, bloqueie ou silencie do seu feed
- Dê um tempo das redes, sempre que sentir necessidade
- Caso ache necessário, terapia é um bom caminho para te ajudar a entender certos gatilhos causados pelas redes
Esta reportagem tem o apoio do Instituto SulAmérica e faz parte da campanha #BemAmarelo, uma mobilização social pelo cuidado da saúde emocional como forma de prevenção ao suicídio em todos os meses do ano. Faça o teste sobre on-line desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) aqui. Dependendo do resultado, você pode ter acesso a serviços gratuitos por 6 meses
Julia Vitoria, Thiago Borges