Por Thiago Borges
Daniela foi ao hospital com dores no peito e acabou internada sem sequer poder se despedir do marido. Hospitalizada por 5 dias, teve medo de morrer com covid-19, mas se recuperou. Já Marileide, desempregada e com depressão, teve uma piora na saúde mental. E Vanessa, que tem uma filha de 6 anos e um bebê de 7 meses, está preocupada com a redução do auxílio emergencial para R$ 300 por mês.
Esse é um recorte da realidade meio ano após o início da pandemia.
Com informações desencontradas entre diferentes esferas governamentais, parte da população voltou ao trabalho e para atividades corriqueiras do pré-pandemia, como frequentar praias, bares e academias de ginástica. A curva de mortes e de casos de covid-19 no País ensaia uma queda depois de semanas em um platô de cadáveres. Na cidade de São Paulo, o impacto é maior entre a população negra e nas periferias.
As 3 moradoras de diferentes periferias da Grande São Paulo enviaram seus relatos sobre os 6 meses de pandemia pelo whatsapp da Periferia em Movimento. Confira abaixo.
No dia 12 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou pandemia de coronavírus. Naquela ocasião, lançamos 16 perguntas sobre o impacto disso nas periferias. Desde então, tentamos responder algumas delas em mais de 70 reportagens com denúncias das condições de prevenção à doença, manutenção da renda e a garantia de direitos fundamentais pelo poder público.
Aperto financeiro
Vanessa Freitas, de 26 anos, tinha acabado de ganhar bebê quando tudo mudou repentinamente. Seu filho tinha apenas 1 mês de idade quando a pandemia foi decretada. “Eu fiquei totalmente apavorada com a situação. Fiquei muito preocupada com ele, minha mãe já idosa e minha outra filha, de 6 anos”, conta ela, que mora com o marido no Jardim Gaivotas, Extremo Sul de São Paulo.
Nas primeiras semanas, a quebrada aquietou por conta da apreensão diante do que poderia acontecer.
“Agora, tudo meio que ‘voltou ao normal’. Já vejo bem mais reuniões em família, pancadão, etc”, observa Vanessa. “Mas eu até entendo, de verdade. A situação não tá fácil. Vários manos perdendo trampo, passando fome, dificuldade. A pessoa fica de cabeça cheia, acaba tirando um lazer em meio ao caos”.
Vanessa, por outro lado, evita sair: vai ao mercado, à farmácia e ao posto de saúde para as vacinas de rotina do bebê. Algumas vezes, foi distribuir marmita a moradores em situação de rua no Centro e na favela Sucupira, no Grajaú.
“Governantes? Não temos. Se nóis não cuidar da gente, nóis tá perdido, mais do que já tá”, lamenta.
Desempregada desde antes da pandemia, ela se preparava para prestar vestibular de enfermagem e retomar os estudos. O sonho foi adiado. Seu marido, que é chapeiro, também está sem trabalhar. Vanessa teve seu auxílio emergencial negado, enquanto o companheiro conseguiu. Os R$ 600 mensais são a única fonte de renda da família, que conta ainda com a ajuda de parentes. Com a redução para R$ 300, a situação deve apertar ainda mais. “Mas é o que temos, fazer o quê?”.
Água fria
Marileide Lopes, de 43 anos, começou 2020 com algumas esperanças. Advogada de formação, ela estava desempregada há 2 anos, mas tinha perspectiva de ser convocada em um concurso público para a área de educação, ter uma renda estável e assim conseguir se preparar para voos mais altos em sua área de formação. A pandemia derrubou isso, ao menos por enquanto.
“Esse tempo matou algumas expectativas minha. Estou sem saber o que fazer. Eu já estava em um processo de depressão e toda essa situação me fez perder a fé”, diz ela, que mora em Cidade A.E. Carvalho, na Zona Leste de São Paulo. Antes das medidas de distanciamento, ela fazia acompanhamento psicológico pelo SUS, mas os atendimentos foram interrompidos. Nesse período, fez 4 sessões virtuais com o projeto voluntário “Histórias Cruzadas”.
Marileide saía pouco de casa. Agora, vivendo com pais idosos na mesma casa, ela sai mesmo ainda. A mãe tem 74 anos. O pai, 72, e é cardíaco e pretende voltar aos cultos na igreja evangélica. “Tenho muito medo de perdê-los”, reforça.
Da porta para dentro, tenta mudar a alimentação para aumentar a imunidade. Do lado de fora, nota muita gente circulando. “Talvez, a narrativa do atual presidente da República faça com que os moradores das grandes periferias não acreditem nessa pandemia”, reflete. “A pandemia atingiu muito mais o povo pobre e preto, e infelizmente o povo não enxerga isso”.
Sobrevivente
A recepcionista Daniela Leandro de Souza (na foto de capa desta matéria), de 40 anos, sente o impacto da pandemia de diferentes formas.
No começo, a empresa em que trabalha parou o atendimento e ela pode ficar em casa até meados de abril. Já seu marido, que é operador gráfico, não deixou de sair para trabalhar em nenhum momento.
Mas, com a crise, a firma reduziu a jornada e o salário dele, que recebe uma parte do pagamento pelo governo federal como medida para preservar empregos. “O governo demora para complementar a parte que lhe cabe, e isso atrasa um pouco nossa lado”, explica Daniela, que mora no Jardim São Vitor, em Osasco, região metropolitana de São Paulo.
As aulas de Sophia, filha do casal com 11 anos, foram suspensas. E a menina, que já fazia tratamento psicológico, desenvolveu ansiedade generalizada no isolamento. “Ela fica ansiosa por estar sozinha em casa, sente falta da escola e dos amigos”, diz a mãe.
Para piorar, Daniela pegou coronavírus mesmo sem sair de casa. Ela acredita que foi infectada pelo marido, e que ele e a filha não apresentaram sintomas enquanto ela desenvolveu uma pneumonia. Como o tratamento em casa não apresentou melhoras, no dia 01 de maio ela foi ao hospital do convênio médico.
“Fiz tomografia e fiquei aguardando na sala de espera. Depois, me mandaram entrar numa salinha e o médico já veio me avisar sobre a internação, pois a pneumonia tinha piorada”, relembra. “Nem pude sair pra avisar meu esposo na recepção do hospital. Foi desesperador! Eu só pensava na minha filha em casa, com medo de morrer e não ver mais ninguém”.
O quadro de Daniela evoluiu bem e ela voltou para casa após 5 dias. Sobrevivente, ela percebe um certo descaso com a situação. “Os ônibus continuam circulando lotados e com frota reduzida. Se perco o ônibus de 07h30 da manhã, outro só passa 07h50 ou 08h”, diz ela, que anda com álcool em gel e faz todos os processos de higienização.
Até esta segunda-feira (14/09), Osasco tinha registrado 426 mortes dentro do município e outras 325 de cidadãos locais fora do município. “Os governantes da minha cidade não se importam com a população”.
Redação PEM
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