Com informações de reportagem publicada no Portal da Juventude*
Paolo Sérgio Cezar Vieira, 22 anos, come de três em três horas. No cardápio, alimentos naturais e orgânicos, entre frutas, legumes, verduras e grãos. O garçom, que mora no Extremo Sul de São Paulo e trabalha em um restaurante em Higienópolis, evita comer carne vermelha. No lugar, peixes ou aves. Refrigerante e salgadinho, sem chance.
O incentivo vem de casa: a mãe não come carne de porco, a tia come apenas peixes e o pai pratica esportes. Com a prática de boxe, jiu jitsu e natação, além do aprendizado com os frequentadores de uma academia onde trabalhava, Paolo busca manter uma vida em equilíbrio.
A Pesquisa Nacional da Saúde de 2013, realizada pelo Ministério da Saúde e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, apontou que 60% dos alimentos com maior teor de gordura fazem parte da alimentação diária da população.
Por outro lado, um levantamento da associação Proteste divulgado ano passado mostra que 48% dos entrevistados comeram menos proteína animal e 24% dos participantes afirmaram que pelo menos uma vez por semana não comem carne. Além disso, 94% dos entrevistados estariam dispostos a consumir mais produtos orgânicos se a oferta fosse maior.
“Os jovens, assim como eu, estão cada vez mais fortes nas suas atitudes, sonhos e objetivos por acreditar naquilo que fazem E a informação faz que nós nos interessamos”, diz ele. “Tenho uma dieta equilibrada, saudável e talvez sustentável por ter a capacidade de plantar [o que como]”.
Paolo segue aquela frase que já se tornou jargão: “você é o que você come”. Porém, se isso é verdade, nós brasileiros somos envenenados diariamente.
O País é o segundo maior produtor de alimentos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e o primeiro no consumo de agrotóxicos. Na safra de 2013/2014, o agronegócio utilizou 1 bilhão de litros de defensivos agrícolas, o que gera em média 5 litros de agrotóxicos por habitante.
E olha que estamos falando daquela alface, do pimentão, do tomate… Nem citamos os transgênicos e conservantes, presentes do suco de caixinha à cerveja abençoada, do café da manhã à janta, passando pelo dogão entre um corre e outro na rua.
“Costumam falar que a produção da indústria é convencional, mas somos nós os convencionais, os que produzem naturalmente, de forma simples, com o que convém”, aponta Valéria Maria Macoratti é presidente da Cooperapas, uma cooperativa de produção orgânica nas Áreas de Proteção Ambiental (APA) Bororé-Colônia e Capivari-Monos. “O convencional é o orgânico que vem desde os primórdios da humanidade, e o homem nasceu na agricultura e a gente vai acabar voltando pra ela”.
A Ilha do Bororé, bairro onde Paolo mora, fica em uma região de proteção ambiental com mais de 100 agricultores – muitos deles, orgânicos. Apesar dos desafios de produção e da concorrência com a agricultura produtivista, “estamos vendo um retorno das pessoas porque elas precisam de saúde, de alimentos sem agrotóxicos”, diz Valéria.
E, desde 2009, a lei federal 11.947 estabelece que 30% do valor repassado a escolas nos estados deve ser destinado à agricultura familiar. Para Valéria, este é um incentivo para que a produção cresça na cidade, e isso contribui para diminuir um dos principais fatores que ainda tiram os orgânicos dos pratos do brasileiro: o alto preço.
“Quanto mais gente produzindo, mais o preço diminui, e com a lei do abastecimento das escolas temos um grande nicho pra abastecer, pois por mais que a gente produza, a gente não abastece São Paulo”, acredita. Mas ainda falta que as leis proibam o uso de agrotóxicos, já que tantos que são usados de forma indiscriminada aqui no Brasil e banidos em outros locais.
Enquanto isso, proliferam-se do centro às periferias iniciativas que aproveitam espaços como praças, terrenos baldios e vãos embaixo dos linhões de energia para a criação de hortas comunitárias.
“A juventude está se organizando na periferia para fazer parte desta construção de uma agricultura urbana orgânica que possa gerar renda local, valorize o jovem como protagonista também do meio ambiente e que a revolução também seja nas panelas cheias de alimentos saudáveis”, aponta Renato Rocha Lima, integrante do coletivo Dedoverde.
Renato teve seu primeiro contato com o sistema chamado afrofloresta, que consiste no plantio preservando a Mata original, em meo às árvores e refazendo ciclos que se completam por exemplo com a criação de galinhas, que fornecem esterco para adubação natural.
Desde 2012, o coletivo Dedoverde mapeia pequenos produtores locais e terrenos disponíveis para plantar hortaliças, ervas e temperos em quebradas do Jardim Ângela e Jardim São Luís, na zona Sul da cidade. O objetivo é fomentar a produção local e valorizar e resgatar o conhecimento ancestral, que foi esquecido com a perda dos antigos quintais, além de ser fonte de renda e alimentação saudável.
“Desmistificamos aquela visão de que pé de alface brota no supermercado”, brinca Renato. “Existem vários fatores como a qualidade da terra, o adubo natural, a semente; mas o principal é a mão do homem que ao invés de utilizar agrotóxico, afaga e acarinha o solo com amor e dedicação, esperando o tempo certo para cada produto e respeitando o ciclo da natureza”.
Atualmente, o Dedoverde tem duas hortas no CEU Casablanca e os produtos são comercializados todo primeiro sábado do mês na própria unidade, durante o Clube de Trocas da Associação de Moradores.
“Quem planta seu próprio alimento, imprime a sua moeda, conecta-se com a Mãe Natureza e se torna uma pessoa mais flexível e saudável mentalmente”, completa Renato.
Não há revolução possível se ela não passar pelo essencial: o prato.
*O Portal da Juventude é mantido pela Coordenação de Juventude da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo. Junto a Escola de Notícias, Vozes da Vila Prudente e Glória Maria (estudante secundarista de Paraisópolis), o Periferia em Movimento produz conteúdo sobre juventude e direitos a partir das bordas da cidade. Acesse todas as reportagens no Portal. Periodicamente, vamos publicar por aqui também!
Thiago Borges