Por Paula Sant’Ana. Edição: Thiago Borges. Fotos: Pedro Salvador
Todo mundo sentiu. De 9 a 13 de setembro de 2024, São Paulo amanheceu um tanto mais cinza e insalubre do que o normal. Na internet, a manchete: a metrópole registrou o ar mais poluído do mundo. Nas redes sociais e fora delas, muitas discussões acerca do que fazer, qual a nossa culpa diante dessa situação… e a nossa saúde mental?
A sensação diária de que estamos vivendo um apocalipse não só terrestre e geográfico, mas também emocional e de forma coletiva, trouxe angústias: será que dá tempo de reverter esses efeitos?
“Eu fico vendo padrões, não consigo desassociar essas coisas. A gente tem vários agravantes onde a juventude tem esse distanciamento da natureza, onde a natureza se tornou suja” – Iya Adriana de Nanã, ativista dos direitos humanos e no enfrentamento ao racismo religioso, articuladora e educadora social.
Sacerdotisa do Ilê Asé Omo Nanã, na zona Leste paulistana, a Iya Adriana de Nanã foi uma das participantes da roda de saberes “Saúde mental e crise climática”. O encontro realizado pela Periferia em Movimento aconteceu no último sábado (14/9), no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo), e contou também com a presença da educadora popular Karina Rodrigues e do assistente social Daniel Tadeu.
Segundo um relatório internacional da Global Mind Project, a saúde mental da população brasileira pós-pandemia é uma das piores do mundo. Jovens com menos de 35 anos são as pessoas mais afetadas.
A agricultora, guardiã de sementes, educadora popular e sensibilizadora socioambiental Karina Rodrigues destaca que esse adoecimento tem afetado desde a infância.
“Nas escolas, as crianças estão chegando mais cansadas na horta. Elas não tão chegando tão eufóricas, isso entristece. Me pergunto como as pessoas estão conseguindo enfrentar o olhar das crianças, porque é o que mais me dói: saber que coletivamente falhamos como sociedade” – Karina Rodrigues, educadora ambiental.
Tudo interligado
Nos últimos dias, o Brasil concentrou mais de 70% das queimadas na América do Sul. A seca tem atingido cerca de 58% do território nacional. A Amazônia foi a região mais afetada (49%), seguida do Cerrado (30,5%), da Mata Atlântica (13,2%), do Pantanal (5,4%) e da Caatinga (1,9%). Há, inclusive, a hipótese de ação humana na maior parte das queimadas que têm atingido o País.
“O ser humano é algo integral, né? Pra mim tá tudo interligado. Como uma pessoa de culto tradicional, não consigo falar que as queimadas não têm a ver com o nosso consumo, não têm a ver com quem a gente vota, como a gente se movimenta no mundo […] Tudo isso tem provocado um adoecimento cada vez mais intenso”, pontua Adriana de Nanã.
Durante a conversa, Karina Rodrigues citou que, no período pandêmico, muitas pessoas mais jovens não se preocuparam com o vírus por achar que “só” afetaria pessoas mais velhas. Depois, com a vacina, a covid-19 afetaria “apenas” as crianças, ainda sem imunizantes.
“O que entendi dessa civilização que chegou até aqui é que ela não se importa com seu passado e nem com o seu futuro. E se a gente tem uma comunidade que não se importa com os mais velhos, com a sua memória, e nem com seu futuro, como a gente vai sensibilizar eles [os mais novos] para cuidarem da água, da terra, das plantas e dos bichos, né?”, reflete a mãe do pequeno Raul, de quatro anos.
Com tanta coisa acontecendo e as inseguranças com perspectivas de futuro aumentando, procurar algumas alternativas como válvulas de escape é um chamariz para muitas pessoas.
“A gente adoece e o processo que a gente tem de problema com as substâncias, o problema não está nela. Está na nossa vida, na forma como a gente está sendo socializado e construindo relações”, destaca Daniel Tadeu, que atende no Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS AD) do Grajaú.
Assistente social, mestre e doutorando em Serviço Social pela PUC-SP, o profissional deixa uma reflexão para lidarmos com essa e outras situações.
“O convite é que a gente consiga parar de se espremer, pra gente não olhar pras latas e pras caixas […] Que a gente consiga pulsar pra fora das caixinhas e ser mais leve. Que a gente consiga encontrar essa leveza do existir em meio às batalhas porque as batalhas não vão se findar” – Daniel Tadeu.
Papo de gerações
Essa foi a terceira de cinco rodas de saberes relacionando a comunicação com outras questões que atravessam o dia a dia das periferias. O evento faz parte do projeto Repórter da Quebrada – Gerações Periféricas Conectadas, que conta com apoio da 8ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia, da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo.
Paula Sant'Ana, Thiago Borges, Pedro Salvador