Por Thiago Borges. Foto Vitori Jumapili
A comunicação é fundamental para enfrentar as diferentes opressões, conscientizar a população, reivindicar direitos e divulgar políticas públicas. Mas como fazer isso em uma época em que o acesso das pessoas está restrito a algumas plataformas na internet, com bolhas criadas por algoritmos que só reproduzem o que gera mais engajamento e distorcem a realidade?
Para o comunicador Gil BF e a fotógrafa e liderança comunitária Nalva Maria, é necessário retomar os encontros presenciais e atuar em rede para refazer laços comunitários.
Tanto ele quanto ela partiparam da roda de saberes “O acesso à informação para garantia de direitos ontem e hoje”, que aconteceu no último sábado (3/8) no Sankofa Hub, no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo).
“O capital faz de tudo pra destruir o coletivo (…) Por isso, a gente precisa estar presente nos lugares, fortalecer esses espaços para fazer a informação chegar”, aponta Gil BF.
“A gente não pode se entregar pra essas redes sociais [das grandes plataformas] porque a nossa comunicação é de resistência. (…) O algoritmo privilegia os extremos, sempre o que é muito bom ou muito ruim”, continua.
Gil BF é comunicador e integrante do hip hop se inspira na cultura criada nos guetos de Nova Iorque para hackear o sistema por dentro. Afinal, por muito tempo os elementos do hip hop foram meios de comunicação para contar histórias e fazer denúncias.
Mas a necessidade de criar meios para se conectar e ampliar o alcance das ideias propagadas pelo movimento também eram fortes.
Do analógico ao digital
Gil BF em roda de saberes (foto: Vitori Jumapili)
Desde os anos 1990, Gil BF já produzia e enviava zines pelo correio – uma forma barata de circular informação em que o envio na categoria “carta social” custava apenas R$ 0,01.
E em 1999, um grupo de militantes do hip hop criou o Bocada Forte, primeiro portal virtual dedicado à cultura hip hop – do qual Gil é um dos editores, atualmente.
“Muitas coisas eu escrevia em caderno para depois encostar no computador de alguém e publicar, porque eu não tinha internet, em que você publica e na hora tá disponível pra todo mundo”, lembra.
Inspirado em meios como o Pode Crê, jornal criado pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e muito importante para o movimento, o Bocada Forte surge no início da internet no Brasil com a força revolucionária que a rede mundial de computadores tinha na origem.
Com a possibilidade das pessoas participarem por bate papo ou escrevendo artigos, o site marcou história ao garantir coberturas colaborativas no Brasil e no mundo. Também antecipou tendências como a criação de bancos de dados do público, perfis semelhantes ao que depois viriam a ser as redes sociais e até salas de bate papo, que permitiram o contato entre pessoas de todo o País, a criação de projetos e constituição de famílias – hoje, inclusive, algumas pessoas dão continuidade a isso de forma autonoma em um grupo no whatsapp.
“Quando surgiu o Facebook, aí a gente sentiu de fato essa migração”, observa Gil. “As redes sociais não são veículos de comunicação, apesar da gente se comunicar e se informar por meio delas. Mas a gente não legitima isso, senão acaba fortalecendo”.
Desconfiança e curiosidade
Nalva Maria era adolescente quando um tio que morava em São Paulo visitou sua família no interior da Bahia com uma máquina fotográfica nas mãos.
“Fiquei encucada com isso. Pensei: ‘ele quer mostrar que a gente é da roça. Tem alguma treta’. Aí eu segui a treta”, lembra ela.
Além da desconfiança, a curiosidade a movimentou para a comunicação. Nalva Maria ouvia as músicas de Angela Maria pelo rádio, onde também escutava programas que narravam o Brasil.
Aos 16 anos, mudou-se para São Paulo, trabalhou em metalúrgicas e, quando passou a morar no Grajaú (Extremo Sul da capital paulista), começou a participar da luta de mulheres por melhorias no bairro.
Em 1988, ela ganhou uma bolsa para estudar fotografia no Senac Lapa e chegou a trabalhar na TV Record, onde fotografou artistas de renome. Mas foi na quebrada que seu trabalho teve maior impacto.
“Minha amiga caiu da balsa na represa Billings, a uma profundidade de 8 metros. Ela foi salva e eu fotografei”, lembra Nalva Maria, que pegou fichas de orelhão e ligou para um amigo do jornal Gazeta de Santo Amaro. A denúncia ganhou capa e gerou cobranças à Emae, empresa responsável pela administração da balsa.
“Eu fiquei um tempo sem ir no Bororé [bairro do outro lado da represa] porque fui ameaçada. Mas a balsa melhorou”, conta.
Nalva Maria registrou protestos, cenas de violência policial, momentos históricos da política como comícios de Lula e a posse de Dilma, e a realidade de indígenas no Extremo Sul de São Paulo. Em muitos casos, as imagens que fez lhe renderam ameaças.
Hoje, sua câmera batizada de “India Pataxó” e abençoada no terreiro a acompanha a tiracolo pelos lugares em que passa. As fotos registradas compõem perfis no facebook e no instagram, onde também compartilha memórias das décadas passadas.
Mas, mais do que isso, Nalva Maria segue presente na articulação em conselhos gestores de UBS, de áreas de preservação e no movimento popular de saúde.
Papo de gerações
Essa foi a primeira de cinco rodas de saberes relacionando a comunicação com outras questões que atravessam o dia a dia das periferias. O evento faz parte do projeto Repórter da Quebrada – Gerações Periféricas Conectadas, que conta com apoio da 8ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia, da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo.
Thiago Borges, Vitori Jumapili