Por Paula Sant’Ana (texto) e Pedro Salvador (fotos). Edição: Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano
A final do Campeonato Paulista, cuja primeira partida é neste domingo (2/4), tem um estreante: o Água Santa, que vai disputar o título com o gigante Palmeiras. O clima é de revanche, afinal em 2016 o time da periferia de Diadema derrotou o alviverde por 4 a 1, rendendo memes e provocações na internet. Os feitos são grandiosos para um time que começou no futebol amador e se profissionalizou apenas em 2011. E esse sucesso da agremiação é a ponta mais visível do que rola nos campos de várzea.
A cena antiga e numerosa nas quebradas paulistanas tem competições próprias e reúne times tradicionais como o Inajar de Souza (da Cachoeirinha, zona Norte) e o Vila Fundão (na zona Sul) a grupos mais recentes e ligados a pautas sociais, como o Perifeminas (em Parelheiros, Extremo Sul) ou o Meninos Bons de Bola, formado por homens trans.
Isso extrapola a paixão pelo futebol. A várzea gera uma demanda de camisetas, calções, blusas, bonés e outros artigos esportivos personalizados, que traduzem histórias e identidades de cada quebrada – uma oportunidade para fazer negócios e gerar renda.
“A gente não tinha o investimento que precisava na época, e as coisas foram acontecendo assim. A gente foi pegando empréstimo, vendendo carro, bens… aqueles bens pequenos que tinha para conseguir investir no maquinário e conseguir fazer o primeiro boné”, explica Rafael Heyn.
O designer de 36 anos é um dos fundadores da A Fábrica Cria, uma das principais fornecedoras de material esportivo para a várzea de São Paulo, ao lado de outras empresas, como a KSports e a Uniex, por exemplo. Até empreender, Rafael já foi motorista de táxi e produziu banners e flyers. Antes disso, formou identidade, jogou e presidiu times da quebrada, como o Panela Problema Futebol Clube, agremiação criada em 2002 no Jaraguá (zona Noroeste paulistana), onde cresceu.
A vivência na várzea alimentou um sonho, rendeu conhecimento do que os times queriam e possibilitou contatos de potenciais clientes. Membro de uma família com experiência em costura, Rafael engatou a Cria quando encontrou um sócio.
Fundada oficialmente em julho de 2020, em momento crítico da pandemia de covid-19, a Cria começou fazendo bonés personalizados para times locais. Logo, vieram camisetas, agasalhos, corta-ventos e uniformes completos. Hoje, a empresa tem uma fábrica própria na Vila São José (Extremo Sul de São Paulo) e 3 lojas na capital paulista.
Além do Rafael, a empresa conta com mais 3mentes criativas que fazem todo o trampo rolar: Ed Faustino, cuidando de relacionamento e produção; Kleber Santos, à frente dos detalhes do bordado e também da produção; e Thiago Leal, na responsa da costura em geral.
Chama no zap
De camisas inspiradas em times como Barcelona, Corinthians e outros grandes do futebol a “mantos” com aquele toque original da várzea, são muitos os detalhes que compõem o trampo.
“O cliente já chega falando o que ele quer. Se é um uniforme, uma camiseta, um boné. Essas informações geralmente são acompanhadas do logo do time, no nome, na região, no bairro, no mascote… Então, é esse conjunto, né? Isso já abre a mente dos nossos designers, que têm um conceito próprio do Cria”, detalha Rafael.
A marca se tornou conhecida nos próprios campos e nos grupos de whatsapp, em que dirigentes acabam indicando contatos. A chamada via zap responde por 80% dos pedidos, que também são feitos a partir de buscas no Google, em páginas do Facebook ou Instagram.
“Você consegue ter seu telefone ‘poluído’ (conhecido) pela várzea te chamando: ‘quero um desenho, quero uma uma arte, quero um boné’”, explica Rafael.
Em geral, a pessoa que deseja encomendar as peças entra em contato com os detalhes do que precisa e as principais ideias. Alguém representante da Cria responde e, se necessário, tira dúvidas para fechar o pedido – o mínimo é de 10 unidades. Depois de acordado, o pedido segue para o grupo de designers. Com a aprovação, o próximo passo é a confecção.
Cada loja tem alguém como representante e o atendimento pode ser feito tanto remota quanto presencialmente. Por meio de uma sistematização para organizar os pedidos, assim que a solicitação é feita ela já chega direto na Cria e os processos começam a correr. Existe uma logística de entrega em cada loja, mas a fábrica também possui contrato que permite o envio para o Brasil inteiro.
“Entramos em dezembro vendendo em um prazo de 5 dias. Hoje, nosso prazo é um dos melhores das confecções em São Paulo”, explica Rafael.
Atualmente aposentado, Evaldo Santana, 52, é diretor e jogador do Grêmio Esportivo Castelo, time do Parque do Castelo (zona Sul paulistana). Há 10 anos, ele conhece Rafael – e logo tornou-se um cliente da Cria. “Sempre estão inovando, buscando sempre melhorar a qualidade e tem um relacionamento aberto com os clientes”, conta.
As relações estabelecidas no futebol também contribuíram para conquistar a clientela do Coréia Zona Sul, time de várzea do Grajaú. O fundador do grupo conhece os sócios da Cria há bastante tempo, o que facilitou para fechar negócio.
“O que acredito que me fidelizou foi o valor compatível com os concorrentes, o material deles é muito bom e por motivos de amizade do dono do time”, observa Renê Batista, 36, que trabalha com transporte e atua no Coréia. “Os modelos têm muitas variedades, onde você tem a possibilidade de fazer chaveiros, bonés, bandeiras, bolsas, agasalhos, dentre outros”, completa.
Paula Sant'Ana, Pedro Salvador, Thiago Borges, Rafael Cristiano
1 Comentário
É incrível ver o poder de mudança que o futebol proporciona as pessoas que em sua maioria vem de uma vida difícil