Entoando uma letra de rap no microfone acompanhada por palmas da plateia, a pequena Sofia, de nove anos, foi quem abriu o segundo “Existe Diálogo em SP”. Em mais uma roda de debate organizado pela secretaria municipal de cultura de São Paulo com Juca Ferreira, responsável pela pasta, os representantes do hip hop comparecem nesta quarta (10) ao Centro Cultural da Vergueiro para cobrar investimentos da prefeitura para fortalecer o movimento. Estavam todos lá: MCs, Djs, grafiteitos e B-boys.
Apesar da pouca idade, Sofia seguiu o perfil contestador do movimento: “O que você vai fazer pelas crianças do rap?”, perguntou. Ao que o Juca respondeu: “Vamos construir ações conjuntas para crianças, jovens e veteranos do rap”.
Um dos precursores do movimento no País e primeiro empresário dos Racionais MCs, o DJ Milton Sales comparou o hip hop às vacas magras do Egito antigo.
“E hoje eu digo que o hip hop é a vaca magra em São Paulo”, disse Miltão, que é o criador do Movimento Hip Hop Organizado (MH2O), e cobrou a falta de fomento para os artistas da área.
Dias antes do encontro, na favela do Moinho, o MH2O e diversos coletivos com atuação nas periferias fizeram uma reunião para discutir as principais reivindicações do movimento à prefeitura. Apresentada a Juca no encontro de quarta, a ata destaca pontos como: autonomia; descentralização do poder decisório e democratização do acesso a equipamentos e recursos públicos; construção de quatro casas do hip hop na cidade; apoio a iniciativas que valorizem o hip hop como cultura de rua contra violência; reconhecimento profissional; ocupação de centros culturais e casas de cultura; entre outros pontos.
Clique aqui para ler a ata na íntegra.
Pirata, integrante do Fórum de Hip Hop, reclamou da pouca atenção dada à Semana do Hip Hop na cidade de São Paulo, festejada em março conforme decreto-lei e que recebeu apenas R$ 100 mil da prefeitura. “Que essa semana seja tão importante quanto a Virada Cultural”, disse ele, criticando “Sua equipe falhou feio nessa semana, [secretário]. O Hip Hop é muito grande”.
Para Sherlany, as políticas públicas devem ter recorte de gênero para contemplar as mulheres, que além de serem minoria no movimento enfrentam com outros empecilhos. “Hip hop é mais masculino que feminino, porque as mulheres estão em casa preparando comida para os maridos e os filhos. Mas já tem muita mulher no hip hop. Quem elabora políticas públicas é que tem que entender que a mulher tem um tempo diferente”, salienta ela, que é uma das participantes do Perifeminas, que reuniu 60 mulheres em um projeto literário. “A cada 20 minutos, uma jovem engravida nesse País e 60% delas vão criar seus filhos sozinhas. Temos que trazer isso à tona”.
O apoio a MCs, Djs, B-boys e grafiteiros que atuam como oficineiros em escolas e outras instituições também foi apontado por muitos dos presentes, que cobram reconhecimento do poder público desses educadores como profissionais para que eles consigam sobreviver de seu trabalho.
“Como cultura hip hop deveríamos pensar no que é mais fácil de fazer, fortalecendo os mais fracos com o que a gente tem mais ou menos na mão, como os equipamentos culturais onde podemos produzir cultura”, nota Max BO, que é rapper e apresentador do programa Manos e Minas, da TV Cultura, que é o que garante seu sustento. “Quantos camaradas você tem e não conseguem sobreviver da sua arte e o estado não dá a visibilidade decente para essa galera? Por que o hip hop é tratado como uma subcultura?”, questiona.
Compromissos
Após ouvir os participantes do encontro, Juca respondeu e assumiu alguns compromissos. Ele concorda com o recorte de gênero nas políticas públicas para o movimento, até por uma questão política que o próprio hip hop tem, e deve pensar em formas de reconhecer os artistas e educadores como profissionais.
Juca pretende negociar a gestão das mais de 50 casas de cultura da cidade que hoje estão sob responsabilidade das subprefeituras, para que elas voltem a ser administradas pela secretaria de cultura. Mais que isso, cada casa de cultura deve ter um conselho com representantes da comunidade para que definir as atividades que devem acontecer.
Em acordo com a secretaria de educação, os CEUs devem voltar a ser equipamentos de cultura e esporte, além da educação.
“Esse produto que deve sair do encontro com um movimento organizado como o hip hop pode construir alguma coisa para além do movimento”, diz ele. “O papel do movimento é cobrar, acompanhar para que tenha garantias do cumprimento do que foi acordado aqui, e eu tenho que ficar esperto para que a secretaria assimile isso”.
Apesar das cobranças, representantes do movimento elogiaram o ineditismo do diálogo. “Viemos de oito anos de uma gestão que tapou os olhos para a periferia e, consequentemente, para o hip hop”, aponta Emicida.
“O poder público nunca nos chamou para conversar. Sempre foi a gente tentando conversar com o poder público”, comenta Rappin Hood.
“Temos que estar abertos ao diálogo, cobrar respostas e não fugir das nossas responsabilidades também”, finalizaMamuti.
Thiago Borges