“Guerra às drogas” consome grana suficiente pra comprar 100 milhões de doses de vacina contra covid-19

“Guerra às drogas” consome grana suficiente pra comprar 100 milhões de doses de vacina contra covid-19

Em 2017, SP e RJ despejaram R$ 5,2 bi para combater as drogas. Soma seria suficiente para pagar por um ano R$ 600 mensais a 720 mil famílias

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Foto em destaque: Agência Brasil

R$ 5,2 bilhões. Esse é o montante que o sistema de justiça criminal dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro despejaram na manutenção da política de proibição das drogas no ano de 2017. A soma seria suficiente para comprar mais de 100 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 ou custear por um ano a renda básica no valor de R$ 600 mensais para mais de 720 mil famílias.

É o que revela o relatório “Um Tiro no Pé: Impactos da proibição das drogas no orçamento do sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro e São Paulo”, divulgado nesta segunda-feira (29/3). Para acessar o relatório completo clique aqui.

O estudo é a primeira etapa do projeto “Drogas: Quanto Custa Proibir”, iniciativa inédita do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) que investiga os custos, em valores monetários, da proibição das drogas no Brasil. Essa primeira fase detalha as despesas governamentais das 7 instituições que compõem a linha de frente do proibicionismo das drogas.

Para isso, foram pesquisados os gastos orçamentários da Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Sistema Penitenciário e Sistema Socioeducativo na aplicação da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) nos 2 estados, totalizando 14 instituições estudadas.

A equipe de pesquisa constatou que, em uma estimativa conservadora, foram gastos ao menos R$ 5,2 bilhões, sendo mais de R$ 1 bilhão no Rio de Janeiro e cerca de R$ 4,2 bilhões em São Paulo, para sustentar a proibição das drogas e travar guerra contra o varejo do tráfico nas favelas e periferias ao longo de um ano.

“Em tempo de pandemia, teto de gastos, crise econômica e números alarmantes de homicídios e pessoas encarceradas, é urgente discutir o custo-benefício das atuais políticas públicas de segurança e justiça. A avaliação destes gastos passa, necessariamente, por questionar o papel central que a proibição das drogas ocupa na definição das prioridades do Estado”, explica Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC e coordenadora geral do projeto.

“O projeto Drogas: Quanto Custa Proibir parte da premissa que o peso orçamentário da execução da Lei de Drogas sobre os cofres públicos do país praticamente não é discutido. O número alarmante de mais de R $5,2 bilhões gastos em um ano por apenas 2 estados, revelado por essa pesquisa, deve servir como alerta a gestores públicos e legisladores quanto às suas escolhas políticas, principalmente, durante uma crise sanitária sem precedentes, como a que estamos vivendo agora”, continua Julita.

Como funcionou a pesquisa?

Para chegar aos resultados, os pesquisadores seguiram 3 passos:

1) Coleta de dados, através do Portal da Transparência, sites das instituições avaliadas e 122 pedidos via Lei de Acesso à Informação, ferramenta fundamental para a realização da pesquisa;

2) Construção de indicadores para estimar o percentual de trabalho de cada instituição estudada dedicado à execução da Lei de Drogas;

3) Aplicação dos indicadores aos gastos obtidos no levantamento de dados sobre cada instituição.

Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro foram selecionados como objeto de análise por abrigarem os maiores centros urbanos e exercerem grande influência nas políticas de segurança pública aplicadas no País.

São estados que apresentam altas taxas de encarceramento e de mortes decorrentes de operações policiais, em grande medida como resultado do modelo de “guerra às drogas” que direciona a repressão armada a áreas de favelas e periferias.

Apesar da generalizada falta de transparência e má qualidade dos dados sobre gastos públicos e atividades do sistema de justiça criminal, foi possível, ainda que com dificuldade, a elaboração deste relatório de pesquisa sobre os dois estados.

O ano de 2017 foi escolhido como o ano base de referência para a pesquisa porque em 2018 houve eleições estaduais e federais, além da intervenção militar no Rio de Janeiro, fatores conjunturais que poderiam gerar distorções nas despesas. Embora os dados apresentados no relatório sejam referentes ao ano de 2017, todos os valores foram atualizados pelo IPCA para novembro de 2020.

Dinheiro mal gasto

Para o CESeC, além de questionar a ineficácia dos gastos públicos com a proibição das drogas, a pesquisa Um Tiro no Pé mostra o ônus, a seletividade e a ineficácia do modelo proibicionista ao revelar quanto do orçamento governamental é direcionado a uma política que causa tanta dor e violência.

“A proibição das drogas não reduz o consumo e o comércio de drogas, alimenta a violência e a corrupção dos agentes do estado, e custa muito caro aos cofres públicos, drenando recursos que poderiam ser melhor investidos, inclusive na área de segurança”, complementa Julita Lemgruber.

“Os gastos com a proibição revelam as consequências da escolha política pela ‘guerra às drogas’. Não apenas o proibicionismo institui como alvo prioritário da criminalização pessoas negras e pobres moradoras de favelas e periferias, como impõe, a essa mesma parcela da população, condições de vida precárias e sem acesso a direitos básicos”, aponta Renata Neder, pesquisadora sênior do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir.

Inclusive, “a brutalidade das operações policiais no Rio de Janeiro, mesmo durante um período de crise sanitária grave como o atual, levou o Supremo Tribunal Federal a determinar a suspensão das operações policiais durante a pandemia”, completa Renata.

A partir do levantamento sobre a aplicação orçamentária e os gastos do sistema de justiça criminal, a equipe de pesquisa fez um exercício comparativo inicial pensando como esses recursos poderiam ser redirecionados para investimentos sociais como escolas, hospitais e programas de renda básica.

Entre as alternativas apresentadas para o investimento do gasto anual com a proibição das drogas, estão a compra de 72 milhões de doses da vacina Coronavac, suficientes para vacinar 36 milhões de pessoas em São Paulo, e 36 milhões de doses da vacina Astrazeneca, capazes de vacinar 18 milhões de pessoas contra a covid-19 no Rio de Janeiro; o custeio da educação de 840 mil adolescentes em SP e 252 mil no Rio de Janeiro por um ano; o custeio de renda básica para 583 mil famílias em SP e 145 mil famílias no Rio.

Nas próximas etapas do projeto, que tem duração prevista de 3 anos, a meta é aprofundar as análises sobre os custos da proibição para as áreas da educação, saúde e territórios. 

Guerra às drogas e genocídio

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2017 houve mais de 65 mil homicídios no país, sendo 72,4% por arma de fogo e 75,5% das vítimas eram negras. No mesmo ano, 5.159 pessoas foram mortas em decorrência de intervenções policiais que, em sua maioria, ocorrem em regiões de favelas e periferias tidas como pontos de varejo de drogas.

No Rio de Janeiro foram 1.127, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), e 941 em São Paulo, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado. As vítimas de homicídio pela polícia eram, majoritariamente, pessoas negras, sendo 77,1% no RJ e 64,6% em SP, enquanto negros representavam 52% da população do Rio e 34,8% de SP, segundo o IBGE. 

Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 2017, o tráfico de drogas representava 29% dos crimes de que as pessoas presas eram acusadas; entre as mulheres, porém, essa proporção chegava a 59%, praticamente o dobro do percentual masculino (30%).

No Brasil, a população encarcerada neste ano era de 704.576 pessoas, sendo que deste total 64,5% eram negros, contra 54,3% de pessoas autodeclaradas pretas e pardas na população adulta do país. A maioria dos presos por crimes relacionados à Lei de Drogas, era réu primário, portava pouca quantidade de drogas e não carregava arma de fogo, e mesmo assim, o Estado optou pelo cárcere fechado.

Esta também é a realidade do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) em que 63% dos adolescentes e jovens com medidas de restrição e privação de liberdade eram negros, e 27% dos atos infracionais estavam relacionados ao tráfico de drogas.

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