Edição: Hysa Conrado.
As tranças box braids, nagô, fulani braids, e tantos outros modelos que fazem parte do estilo e da cultura afro-brasileira, se estabeleceram não apenas como um elemento estético, mas também como ferramenta de reafirmação da identidade negra no Brasil.
A técnica, que sobreviveu ao passado escravocrata, é conservada principalmente por mulheres negras nas periferias do país, onde elas preservam os saberes da tradição e também o usam como meio de subsistência.
Em julho deste ano, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) deu um passo histórico ao criar uma Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) para as trancistas. A partir desta medida, elas passam a ter acesso a direitos trabalhistas, previdência social e políticas de apoio ao empreendedorismo. A oficialização do ofício também é importante pois reconhece a importância econômica, social e cultural desse trabalho.
Para Cristiane Oliveira, 46 anos, idealizadora da rede Trancistas do Capão, na Zona Sul de São Paulo, a decisão do MTE chega como uma reparação.
“Antes de qualquer coisa, o mais importante é o reconhecimento da profissão trancista, vejo isso como uma reparação social. Pensando financeiramente, a pessoa trancista tem seus direitos trabalhistas garantidos, e a possibilidade da formalização do seu negócio. Traz dignidade e segurança profissional”, afirma.
O que muda para as autônomas?

Cristiane Oliveira. /Crédito: Arquivo Pessoal.
Uma CBO é usada no contexto de contratações no modelo de trabalho CLT e não está associada ao MEI (Micro Empreendedor Individual), que segue a CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas), código que identifica o ramo de atividade de uma empresa.
Portanto, a decisão do MTE impacta principalmente a vida de profissionais que atuam em salões de beleza, por exemplo. As trancistas autônomas, como destaca Cristiane, seguem sem o devido reconhecimento do seu ofício.
“Quem trabalha na periferia empreende, trabalha independente. Nesse caso, o mais certo é ser microempreendedora, só que o MEI não é de trancista”, ressalta.
Segundo a “Enciclopédia do Empreendedorismo Feminino” do Sebrae, o número de mulheres formalizadas como MEI mais que dobrou em 10 anos, alcançando 5,6 milhões em 2024, o que corresponde a 46,1% do total de MEI.
Dentro desse cenário, serviços e comércio representam 87,2% das atividades, com destaque para beleza. Além disso, uma pesquisa realizada pela plataforma MaisMei apontou que 53,9% das microempreendedoras individuais são mulheres negras.
Sendo assim, a oficialização por meio da criação da CBO é importante por representar um reconhecimento histórico, mas ainda não chega efetivamente a grande parte das mulheres que exercem o ofício de trancista.

Sueli Lopes./Crédito: Arquivo Pessoal
Força e autoestima
O projeto Trancistas do Capão começou oferecendo cursos para mulheres no período pós-pandemia, principalmente para aquelas que não tinham uma profissão.
“O objetivo era capacitá-las como trancistas para que pudessem empreender dentro das próprias comunidades. A proposta não era apenas prepará-las para trabalhar em salões de terceiros, mas sim incentivá-las a atuarem por conta própria, atendendo em casa e construindo seu próprio espaço profissional”, ressalta Cristiane.
Sueli Lopes, 39, trabalha como trancista há cerca de cinco anos no Jardim Ipê, no Capão Redondo, e diz que sempre gostou de colocar kanekalon, um tipo de fibra sintética muito usado para fazer alongamento, perucas e, principalmente, tranças. Como já sabia trançar “do jeito dela”, curtiu muito quando surgiu a oportunidade de fazer um curso de trancista na ONG Periferia Ativa. Hoje, ela faz parte do Trancistas do Capão.
“Além de ser algo que levanta autoestima, também mostra força e matrizes. Trança é além de um penteado, é história”, afirma.
A trancista Mandi Araújo, 23 anos, mora no Jardim Cotia, em Cotia, na Região Metropolitana de SP, e começou a fazer tranças nos próprios fios quando tinha cerca de 15 anos. Ao sair da casa dos pais, aos 18, passou a ter o hobby como fonte de renda. Posteriormente, montou um salão com seu companheiro, que é dreadmaker.

Mandi Araújo./Crédito: Arquivo Pessoal.
“Para além da renda, a dimensão cultural [das tranças] é gigantesca. Eu acredito que, além de elevar a autoestima, é representatividade, reconexão para as pessoas pretas brasileiras”, afirma.
Mandi gostou do reconhecimento do MTE, mas chama a atenção para a demora. “A gente é sempre reconhecida por último em muitas coisas. Então acho importante para a igualdade mesmo dentro do mercado de trabalho. Porque a gente faz o capital girar de uma forma extraordinária, principalmente hoje em dia. E acho que sempre é a base da pirâmide que faz o dinheiro realmente girar”, afirma.
Além disso, a profissional acha importante as tranças estarem em um momento de alta, mas aponta também um caminho de apropriação por parte das grandes empresas de beleza.
“Acredito que a indústria se apropria de muitas coisas, não só sobre as tranças em si, mas o capitalismo faz isso: ele abraça o que está sendo aceito pelas pessoas no momento. Então, acredito que existe uma apropriação”, explica.



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Muito relevante