A comida sofre, quem vende também: Comerciantes de perecíveis sentem os impactos da crise climática

A comida sofre, quem vende também: Comerciantes de perecíveis sentem os impactos da crise climática

Quem trabalha na rua enfrenta na pele os efeitos de calor, chuva e frio extremos e cria estratégias contra perdas de mercadoria e alta dos preços. Confira na primeira reportagem da série Trampo é Trampo em 2025!

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Tempo de leitura: 12 minutos

Por Vitori Jumapili, com fotos de Pedro Salvador. Revisão: Thiago Borges

Secas cada vez mais recorrentes, temperaturas mais altas, chuvas irregulares e excessivas: a crise climática têm afetado diretamente a produção alimentícia no Brasil, gerando diversos impactos como perdas de safras, redução da produtividade agrícola e preços elevados.

O solo já vem sentindo as consequências, segundo um estudo publicado na Revista Científica Nature Climate Change em 2021, 28% das terras cultiváveis no país não são mais climaticamente ideais para a agricultura.

Como trabalhadorus autônomes, que estão na ponta do setor alimentício, têm vivenciado esses efeitos?

Na primeira reportagem da série Trampo é Trampo de 2025, a Periferia em Movimento acompanhou três profissionais que vendem alimentos perecíveis nas ruas do Parque Figueira Grande, Jardim Prainha e Parque América (periferias da zona Sul de São Paulo) para entender o impacto das mudanças climáticas.

Perda na roça

O feirante Sebastião Rosa da Silva, de 63 anos, é natural de Feira de Santana (BA) e atualmente mora no Jardim Varginha. Há mais de 40 anos trabalha no setor, ele tem uma roça própria, onde planta hortaliças e verduras que comercializa em feiras livres nas quebradas da zona Sul da cidade.

Sebastião comenta que, com as mudanças no clima, a produção de alimentos tem sido impactada – fato que ele nota em sua roça e nas compras por fora ao longo dos anos.

“Quando tinha as estações do tempo certas, as produções eram diferentes. Só que hoje, fica tudo bagunçado… Uma coisa dá bem, outra coisa não dá, outra coisa adoece, outra coisa não adoece…”.

Ele percebeu alterações significativas no tempo, com a desorganização das estações e um aumento na sensação de calor. Isso afeta tanto a sua produção agrícola quanto as condições de trabalho na feira.

“O clima mudou porque tinha época de calor, época de frio, época de chuva, tinha tudo. Hoje não tem mais isso. Hoje, tá fazendo 30 graus aqui, daqui 10 minutos começa a chover e alaga tudo. Antigamente, não tinha isso.”

Por conta disso, o que ele planta não dá conta da demanda da clientela. Sebastião precisa comprar os itens que faltam no Ceagesp – o que encarece o produto ou diminui sua margem de lucro.

“Às vezes pego muita coisa fora porque eu não tenho. Hoje mesmo tinha muita coisa que eu peguei fora porque o tempo não tá deixando as coisas desenvolver, então fica assim”, diz o comerciante.

Clique nas fotos para ampliar e passe para o lado!

Produto mais caro

Francisca Carvalho tem 50 anos e trabalha com vendas na rua há mais de 10. A paraense de Conceição do Araguaia vende milho atualmente num ponto fixo no Jardim Prainha, bairro em que mora na zona Sul de São Paulo.

“Esse período que passou foram dias terríveis, muito quentes e não dava para trabalhar… As vendas caíram bastante, porque as pessoas não queriam sair na rua, porque tava muito quente. E no calor, as pessoas comem menos, né?”, compartilha a comerciante..

Na última década, Francisca tem notado profundas mudanças no clima. E a cada ano, tem constatado que as variações se intensificam, refletindo no valor e produção da sua mercadoria – o milho.

“O que eu trabalho eu dependo muito do interior [do estado]. Agora, dessa última vez, passou de R$ 15 para R$ 40, R$ 42 a saca com 40 espigas de milho… Porque no interior de São Paulo não tá chovendo o suficiente e os produtores estão usando muita irrigação (…) Outras vezes eles não usavam irrigação, mas tinha tido tanta chuva, tanta chuva que tinha destruído a plantação, sabe? Tinha molhado demais o milho, e isso faz com que o milho subisse muito o valor.”

O estudo “O Limite Climático para a Agricultura no Brasil”, citado acima, afirma que por conta de 90% da agricultura brasileira ser irrigada pela chuva, as secas, ondas de calor e outras interrupções climáticas são um grande risco econômico.

Durante anos, Francisca preferiu fazer pequenas viagens para o interior do estado para comprar o milho direto de produtores, já que mesmo com o deslocamento o valor da mercadoria sempre compensou comparado ao valor revendido aqui na capital.

No entanto, com a alta no valor da saca, ela passou a comprar a mercadoria no Ceagesp.

À procura da sombra

Mineiro de Sete Lagoas, Marcos Vinicios Rosa é morador do Jardim Letícia (zona Sul da capital paulista), tem 24 anos e há três trabalha com vendas em um  semáforo no Parque Figueira Grande. Hoje em dia ele vende frutas selecionadas como caquis, peras e morangos.

Marcos tem percebido as alterações climáticas que vêm acontecendo. “Uma hora você tá lá no sol, tá um calor forte, aí do nada já vem a chuva. Depois volta o sol de novo. Esse tempo tá estranho…”.

Ele relembra dias incomuns em um período do ano de 2023: “Cê é louco! Era 7 horas da manhã, tava fazendo 40 graus. Tanto que eu tava vendendo água nessa época, tava vendendo uma água atrás da outra.”

Diante de instabilidades e temperaturas intensas, o vendedor encontra maneiras na sua realidade para driblar o tempo e não perder mercadoria.

“Quando chove assim, a mercadoria não estraga porque tem dois pontos de ônibus lá que não fica ninguém. Aí quando chove, nós esconde [as frutas] no ponto (…) Não pode deixar mercadoria nem um minuto no sol, porque se deixar pode ser que perca. Só que quando nós já vê que vai bater sol, nós tira e sempre arruma uma sombrinha ali, entendeu?” 

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Por Vitori Jumapili, com fotos de Pedro Salvador. Revisão: Thiago Borges

Secas cada vez mais recorrentes, temperaturas mais altas, chuvas irregulares e excessivas: a crise climática têm afetado diretamente a produção alimentícia no Brasil, gerando diversos impactos como perdas de safras, redução da produtividade agrícola e preços elevados.

O solo já vem sentindo as consequências, segundo um estudo publicado na Revista Científica Nature Climate Change em 2021, 28% das terras cultiváveis no país não são mais climaticamente ideais para a agricultura.

Como trabalhadorus autônomes, que estão na ponta do setor alimentício, têm vivenciado esses efeitos?

Na primeira reportagem da série Trampo é Trampo de 2025, a Periferia em Movimento acompanhou três profissionais que vendem alimentos perecíveis nas ruas do Parque Figueira Grande, Jardim Prainha e Parque América (periferias da zona Sul de São Paulo) para entender o impacto das mudanças climáticas.

Perda na roça

O feirante Sebastião Rosa da Silva, de 63 anos, é natural de Feira de Santana (BA) e atualmente mora no Jardim Varginha. Há mais de 40 anos trabalha no setor, ele tem uma roça própria, onde planta hortaliças e verduras que comercializa em feiras livres nas quebradas da zona Sul da cidade.

Sebastião comenta que, com as mudanças no clima, a produção de alimentos tem sido impactada – fato que ele nota em sua roça e nas compras por fora ao longo dos anos.

“Quando tinha as estações do tempo certas, as produções eram diferentes. Só que hoje, fica tudo bagunçado… Uma coisa dá bem, outra coisa não dá, outra coisa adoece, outra coisa não adoece…”.

Ele percebeu alterações significativas no tempo, com a desorganização das estações e um aumento na sensação de calor. Isso afeta tanto a sua produção agrícola quanto as condições de trabalho na feira.

“O clima mudou porque tinha época de calor, época de frio, época de chuva, tinha tudo. Hoje não tem mais isso. Hoje, tá fazendo 30 graus aqui, daqui 10 minutos começa a chover e alaga tudo. Antigamente, não tinha isso.”

Por conta disso, o que ele planta não dá conta da demanda da clientela. Sebastião precisa comprar os itens que faltam no Ceagesp – o que encarece o produto ou diminui sua margem de lucro.

“Às vezes pego muita coisa fora porque eu não tenho. Hoje mesmo tinha muita coisa que eu peguei fora porque o tempo não tá deixando as coisas desenvolver, então fica assim”, diz o comerciante.

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Produto mais caro

Francisca Carvalho tem 50 anos e trabalha com vendas na rua há mais de 10. A paraense de Conceição do Araguaia vende milho atualmente num ponto fixo no Jardim Prainha, bairro em que mora na zona Sul de São Paulo.

“Esse período que passou foram dias terríveis, muito quentes e não dava para trabalhar… As vendas caíram bastante, porque as pessoas não queriam sair na rua, porque tava muito quente. E no calor, as pessoas comem menos, né?”, compartilha a comerciante..

Na última década, Francisca tem notado profundas mudanças no clima. E a cada ano, tem constatado que as variações se intensificam, refletindo no valor e produção da sua mercadoria – o milho.

“O que eu trabalho eu dependo muito do interior [do estado]. Agora, dessa última vez, passou de R$ 15 para R$ 40, R$ 42 a saca com 40 espigas de milho… Porque no interior de São Paulo não tá chovendo o suficiente e os produtores estão usando muita irrigação (…) Outras vezes eles não usavam irrigação, mas tinha tido tanta chuva, tanta chuva que tinha destruído a plantação, sabe? Tinha molhado demais o milho, e isso faz com que o milho subisse muito o valor.”

O estudo “O Limite Climático para a Agricultura no Brasil”, citado acima, afirma que por conta de 90% da agricultura brasileira ser irrigada pela chuva, as secas, ondas de calor e outras interrupções climáticas são um grande risco econômico.

Durante anos, Francisca preferiu fazer pequenas viagens para o interior do estado para comprar o milho direto de produtores, já que mesmo com o deslocamento o valor da mercadoria sempre compensou comparado ao valor revendido aqui na capital.

No entanto, com a alta no valor da saca, ela passou a comprar a mercadoria no Ceagesp.

À procura da sombra

Mineiro de Sete Lagoas, Marcos Vinicios Rosa é morador do Jardim Letícia (zona Sul da capital paulista), tem 24 anos e há três trabalha com vendas em um  semáforo no Parque Figueira Grande. Hoje em dia ele vende frutas selecionadas como caquis, peras e morangos.

Marcos tem percebido as alterações climáticas que vêm acontecendo. “Uma hora você tá lá no sol, tá um calor forte, aí do nada já vem a chuva. Depois volta o sol de novo. Esse tempo tá estranho…”.

Ele relembra dias incomuns em um período do ano de 2023: “Cê é louco! Era 7 horas da manhã, tava fazendo 40 graus. Tanto que eu tava vendendo água nessa época, tava vendendo uma água atrás da outra.”

Diante de instabilidades e temperaturas intensas, o vendedor encontra maneiras na sua realidade para driblar o tempo e não perder mercadoria.

“Quando chove assim, a mercadoria não estraga porque tem dois pontos de ônibus lá que não fica ninguém. Aí quando chove, nós esconde [as frutas] no ponto (…) Não pode deixar mercadoria nem um minuto no sol, porque se deixar pode ser que perca. Só que quando nós já vê que vai bater sol, nós tira e sempre arruma uma sombrinha ali, entendeu?” 

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