Por Thiago Borges. Arte de capa: Rafael Cristiano
Nos últimos meses, muita gente bateu à porta da casinha azul de muros grafitados que fica na rua Professora Eunice Oliveira, no Capão Redondo (zona Sul de São Paulo). Ali funciona uma unidade do Serviço de Assistência Social à Família (SASF). As pessoas procuram o espaço pedindo ajuda para tentar receber o auxílio emergencial ou em busca de uma cesta básica. Porém, essas não as responsabilidades do SASF, que existe para fortalecer vínculos sociais e prevenir violações de direitos.
Segundo trabalhadores da Assistência Social ouvidos pela Periferia em Movimento, o agravamento da pobreza e da fome tem pressionado ainda mais esses serviços nas quebradas, que já tinham dificuldades pra dar conta de casos de violência especialmente contra crianças, adolescentes, mulheres e idosos.
A saída encontrada tem sido lidar com a realidade piorada, entendendo que muitas vezes o equipamento é uma das poucas presenças do poder público em territórios vulneráveis, ao lado das escolas e postos de saúde.
“As pessoas veem uma placa da Prefeitura e pensam: ‘aqui, devem me ajudar de alguma forma’. E a gente tem tentado, disponibilizado número pessoal de whatsapp, telefone….”, explica Edijane Alves, que é gerente de serviços do SASF Capão Redondo III. Ela conta que trabalhadores do serviço aprenderam até como acionar a Defensoria Pública da União para contestar o auxílio emergencial. “O que a gente tem entendido é que as pessoas estão sem informação do poder público pra serem socorridas”, complementa.
Para Edijane, falta atenção da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) aos territórios. E é a articulação com outros serviços públicos, movimentos sociais e coletivos que tem feito a diferença. Com essas parcerias, o equipamento conseguiu arrecadar e distribuir 350 cestas básicas por mês até março, mesmo não sendo de sua alçada. O número ainda não dava conta de chegar às 1.000 famílias atendidas pelo serviço.
Essenciais
O aumento da procura também tem afetado os trabalhadores. No SASF Capão Redondo III, são apenas 16 funcionários para lidar com demandas que só crescem. “De um ano pra cá, a gente tem feito várias reflexões tentando dar conta do não adoecimento dos funcionários, traçando estratégias para que a equipe se cuide porque as demandas foram potencializadas”, diz Edijane.
“O trabalhador tá inseguro, desmotivado, cheio de tarefa”, complementa Regina Paixão, que integra a Sociedade Santos Mártires, uma organização que administra diversos serviços assistenciais da Prefeitura na região do Jardim Ângela (zona Sul de São Paulo). Ela também coordena o Fórum de Assistência Social de São Paulo (FAS-SP), que representa o setor.
Desde o ano passado, o FAS defende a inclusão de trabalhadores da Assistência na lista prioritária de vacinação. Muitos serviços passaram a atender remotamente, enquanto outros continuaram o atendimento presencial. Se alguém se afasta ou adoece, isso sobrecarrega outros trabalhadores de cada serviço e trava a equipe porque todo mundo fica com medo”, nota Regina.
Em março, quem trabalha com a população de rua e público pode se vacinar em São Paulo. Na sequência, também foram incluídos os funcionários de serviços de proteção especial, que lidam diretamente com pessoas vítimas de violência. A vacinação foi estendida a todos os trabalhadores somente na última quarta-feira (9/6).
Desmonte
A Assistência Social é um direito assegurado à população pela Constituição Federal de 1988 como um passo para garantir a cidadania universal, superando a pobreza e as situações de violência.
O SUAS (Sistema Único de Assistência Social) organiza as ações da Assistência Social em 2 tipos: a proteção social básica e a proteção social especial, que atuam em prevenção ou reparação de violações de direitos a diferentes públicos: moradores em situação de rua, crianças que sofreram violência sexual, idosos, deficientes físicos e intelectuais, mulheres vítimas de violência, adolescentes em conflito com a lei, entre outros.
A Periferia em Movimento entrou em contato com a assessoria de imprensa da SMADS, questionando quais os serviços que estão abertos ou fechados, número de trabalhadores vacinados e que foram infectados com o coronavírus, além da demanda de usuários nos equipamentos.
A secretaria respondeu que os funcionários da pasta são computados como profissionais da saúde, sendo assim incluídos na porcentagem geral de todos os profissionais vacinados na capital. Sobre os serviços em funcionamento, a pasta limitou-se a informar acerca dos que são voltados à população em situação de rua e disse que abriu 2.159 novas vagas para acolhimento desse público.
Para o assistente social Julio Cezar de Andrade, o buraco é mais embaixo: com 1.253 serviços que atendem a mais de 200 mil pessoas, a política de Assistência Social em São Paulo é executada por meio de convênios com 361 organizações da sociedade civil, que em muitos casos reproduzem o assédio contra trabalhadores.
E a pandemia acelerou o que ele vê como “retrocesso histórico”, ao piorar a situação precária de trabalho em meio a um desmonte de direitos. “Nessa pandemia, trabalhadores e trabalhadoras da Assistência estão gerenciando a barbárie”, sintetiza ele, que é co-vereador pelo mandato coletivo Quilombo Periférico (PSOL).
Thiago Borges
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