Vivendo a leveza de ser quem se é: Um olhar sobre a sexualidade depois dos 60

Vivendo a leveza de ser quem se é: Um olhar sobre a sexualidade depois dos 60

Da timidez dos primeiros toques à tranquilidade da maturidade, Mapy divide com a gente parte da sua trajetória sexual, que foi atravessada pelo autocuidado e autonomia. Esta é o primeiro de uma série de perfis de mulheres negras e a vivência da sexualidade na maturidade

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Por Vitori Jumapili. Edição: Thiago Borges. Fotos: Pedro Salvador

Experiências, percepções, mudanças. No Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, Mapy Barbosa, de 67 anos, moradora da Vila Sílvia, na Zona Leste, fala sobre como a sua sexualidade se mantém importante nesta fase da vida e que está atrelada ao que considera bem viver, saúde, autoestima e autocuidado.

Mas por que estamos falando disso?

Segundo o Censo 2022 do IBGE, a população de pessoas acima dos 60 anos aumentou 57,4% desde 2010, correspondendo a 15,81% da população brasileira.

Estudos afirmam que até 2060 esse grupo de pessoas vai representar um terço da população nacional.

Apesar do envelhecimento natural desde o início dos anos 2000, inclusive nas periferias, o senso comum ainda estereotipa suas vivências de forma negativa.

Dificilmente, as mídias representam essa população de forma sexualmente ativa, e faltam pessoas idosas em discussões no geral.

A pesquisadora social e aposentada Mapy é um exemplo vivo de que esses estereótipos estão totalmente equivocados  e de que precisamos atualizar nossas percepções sobre o envelhecimento.

Confira trechos da entrevista para conhecer o olhar de Mapy Barbosa sobre sexualidade

“Meu nome é Maria Aparecida, mas eu gosto que me chamem de Mapy. Eu estou aposentada do trabalho formal, mas participo de alguns projetos sociais. Estou em um relacionamento afetivo, sou uma mulher cis e hétero.”

“Eu descobri a minha sexualidade me tocando mesmo, fui descobrindo que em alguns lugares do corpo causava sensações interessantes e gostosas. E assim foi seguindo.”

“Quando eu comecei a me relacionar afetivamente, eu já tinha de 16 para 17, né? Eu sou daquele tempo que você saía, caminhava para namorar, parava às vezes em algum cantinho, encostava e ficava lá trocando beijos e abraços, e não passava muito disso e tal.”

“Ao longo da minha existência, fui melhorando a minha leitura sobre mim, sobre minhas relações, foi muito bom descobrir isso. Foi muito bom entender meu corpo. Foi muito bom ter tido relações consensuais, e hoje é muito importante a minha vida sexual, por tudo aquilo que eu vivi. (…) O que mudou de lá quando comecei nos meus 24 e até hoje aos meus 67, é isso, não é mais simplesmente tesão. Eu sempre tive critérios. E eles aumentaram com a maturidade.”

É importante para que tudo flua na sua totalidade

“Eu não tenho esse tabu de achar que a vida sexual tem limite porque para mim ela não veio linkada a multiplicação”

“A MAPY NÃO CONSEGUE ENXERGAR A VIDA SEM RELAÇÕES SEXUAIS, SEM TER UMA SEXUALIDADE ATIVA. PARA QUE EU SEJA A MAPY BARBOSA QUE INTERAGE, QUE REAGE, QUE VIVE, QUE FAZ TEM QUE TER TAMBÉM A PARTE SEXUAL ATIVA. NÃO, EU NÃO VOU SENTAR NO SOFÁ, CRUZAR A PERNA E FICAR LÁ EXCITADA, FAZENDO TRICÔ, É MUITA COISA PARA O MEU CORPO DEIXAR DE LADO.”

“Sobre prática sexual individual, eu faço sim, só que eu não utilizo brinquedinhos. O que funciona mesmo é meu dedinho, é muito mais fácil para mim. Não tenho nenhum problema em falar isso.”

Eu sou muito egoísta

“Eu preciso ficar muito satisfeita. Eu sempre brinco com as pessoas que eu sou quase a abelha: gozar e matar o zangão, porque não tem mais utilidade. Sempre foi assim (…) Confesso que comecei a me preocupar com o prazer do outro depois dos 40 e poucos. Como eu nunca ouvi reclamação, eu acho que a coisa é concomitante: Se tá bom para mim, tá bom para o outro. Sempre acreditei nessa história.”

“Se eu estiver num relacionamento e não puder falar, relação nenhuma vai rolar. Eu preciso ter a liberdade e a segurança de poder falar tudo, tudo. O combustível que me move são ideias, até mesmo na cama, viu? (…) Não dá para fazer isso de boca fechada. Sempre foi importante para o meu prazer que eu tivesse a capacidade de diálogo com a outra pessoa.”

A comunicação se ressignificando

“Eu conheci o mundo antes da internet e entrei no mundo da internet quando ela começou no mundo. Eu sou tecnóloga da informática. Então eu frequentei muito a sala de bate papo, eu tive relacionamentos virtuais, claro. Só que assim as coisas foram mudando, e as plataformas ficaram muito pautadas na mentira, começou a ter muita surpresa, né? Aí vêm as fotos, vê aquilo que não é e tal. Então isso acabou me afastando [da troca virtual].”

“FELIZMENTE, A IDADE ME MOSTROU AMIGOS E AMIGAS. E A GENTE FALA, FALA DE SEXUALIDADE E A GENTE RI MUITO PORQUE A GENTE LEMBRA AQUELAS COISAS QUE A GENTE FALAVA PELA METADE, AÍ A GENTE TRAZ A OUTRA METADE QUE NÓS NÃO FALAMOS E É MUITO IMPORTANTE”.

“Descobri o prazer anal agora, conversando com essa minha irmã, porque ela chegou e falou para mim: ‘Não vou mentir para você, não. O negócio não é bom, o negócio dói, mas tem que fazer assim, assim, assim, assado, que você vai adorar. Aí eu fui tirar a prova e ela tava super certa. Se eu tivesse conversado com ela há 40 anos, quando eu entrei lá na empresa, eu já teria tido muito mais tempo de prazer”, conta, entre risos.

Os desafios para mim enquanto mulher continuam os mesmos

“Hoje eu sou uma mulher negra de 67 anos, mas eu não deixei de ser fetiche de uso sexual. Essa violência, que acaba sendo indireta, eu passei muitas. Aquela coisa que você entra: ‘O objeto de prazer chegou’ (…) É um tal de você pegar um olhar que tá te desnudando, que tá te comendo, isso é agressivo.”

“Eu venho de uma época racista, sexista e de muitas ações que a gente tentava não registrar [na memória] para não ficar marcado, para que depois a gente não tivesse que sair pagando divã para resolver, né? ”

“A vida não muda nada (…) eu imaginava que quando eu chegasse na minha terceira idade, tais coisas não iriam mais existir, as coisas não serão mais assim, a sociedade estará agindo diferente, nós mulheres estaremos em outros lugares… E eu cheguei e vi que não mudou tanta coisa. Alteraram-se muitas, mas mudaram muito pouco”

Eu me vejo como uma máquina, essa máquina tem que funcionar em conjunto, se não ela começa a dar ruim, ela começa a dar problema. Então, isso faz parte

“Os meus hormônios baixaram e eu vou tentar me suplementar para que esses hormônios, se eles não voltarem ao nível natural, normal, ele vai estar acima do normal para a minha idade, porque isso que vai me dar pique. Eu acho importante.”

“CUIDO DA MINHA SAÚDE SEXUAL PRESTANDO ATENÇÃO EM MIM. EU UTILIZO O SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. E EU TAMBÉM SOU MUITO DO AUTOCUIDADO, AQUELE DA SABEDORIA DAS MINHAS MAIS VELHAS… MAMÃE ENSINAVA UM BANHO. MAS ALGUMAS COISAS HOJE EU JÁ SEI. QUANDO ACHO QUE TÔ PRECISANDO EU FAÇO CHAZINHOS…”

“Acredito muito na fitoterapia. Eu como coisas que as pessoas dizem que são afrodisíacas, que as pessoas falam que é importante para a questão do libido.  Se tem alguma coisa que tá comprovada que é importante para o libido, ‘que ele é funcional para um hormônio que está ligado a sexualidade’, eu vou comer, eu vou beber, eu vou ver se aquilo realmente funciona. E se funciona, depois eu resolvo o resto.”

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Por Vitori Jumapili. Edição: Thiago Borges. Fotos: Pedro Salvador

Experiências, percepções, mudanças. No Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, Mapy Barbosa, de 67 anos, moradora da Vila Sílvia, na Zona Leste, fala sobre como a sua sexualidade se mantém importante nesta fase da vida e que está atrelada ao que considera bem viver, saúde, autoestima e autocuidado.

Mas por que estamos falando disso?

Segundo o Censo 2022 do IBGE, a população de pessoas acima dos 60 anos aumentou 57,4% desde 2010, correspondendo a 15,81% da população brasileira.

Estudos afirmam que até 2060 esse grupo de pessoas vai representar um terço da população nacional.

Apesar do envelhecimento natural desde o início dos anos 2000, inclusive nas periferias, o senso comum ainda estereotipa suas vivências de forma negativa.

Dificilmente, as mídias representam essa população de forma sexualmente ativa, e faltam pessoas idosas em discussões no geral.

A pesquisadora social e aposentada Mapy é um exemplo vivo de que esses estereótipos estão totalmente equivocados  e de que precisamos atualizar nossas percepções sobre o envelhecimento.

Confira trechos da entrevista para conhecer o olhar de Mapy Barbosa sobre sexualidade

“Meu nome é Maria Aparecida, mas eu gosto que me chamem de Mapy. Eu estou aposentada do trabalho formal, mas participo de alguns projetos sociais. Estou em um relacionamento afetivo, sou uma mulher cis e hétero.”

“Eu descobri a minha sexualidade me tocando mesmo, fui descobrindo que em alguns lugares do corpo causava sensações interessantes e gostosas. E assim foi seguindo.”

“Quando eu comecei a me relacionar afetivamente, eu já tinha de 16 para 17, né? Eu sou daquele tempo que você saía, caminhava para namorar, parava às vezes em algum cantinho, encostava e ficava lá trocando beijos e abraços, e não passava muito disso e tal.”

“Ao longo da minha existência, fui melhorando a minha leitura sobre mim, sobre minhas relações, foi muito bom descobrir isso. Foi muito bom entender meu corpo. Foi muito bom ter tido relações consensuais, e hoje é muito importante a minha vida sexual, por tudo aquilo que eu vivi. (…) O que mudou de lá quando comecei nos meus 24 e até hoje aos meus 67, é isso, não é mais simplesmente tesão. Eu sempre tive critérios. E eles aumentaram com a maturidade.”

É importante para que tudo flua na sua totalidade

“Eu não tenho esse tabu de achar que a vida sexual tem limite porque para mim ela não veio linkada a multiplicação”

“A MAPY NÃO CONSEGUE ENXERGAR A VIDA SEM RELAÇÕES SEXUAIS, SEM TER UMA SEXUALIDADE ATIVA. PARA QUE EU SEJA A MAPY BARBOSA QUE INTERAGE, QUE REAGE, QUE VIVE, QUE FAZ TEM QUE TER TAMBÉM A PARTE SEXUAL ATIVA. NÃO, EU NÃO VOU SENTAR NO SOFÁ, CRUZAR A PERNA E FICAR LÁ EXCITADA, FAZENDO TRICÔ, É MUITA COISA PARA O MEU CORPO DEIXAR DE LADO.”

“Sobre prática sexual individual, eu faço sim, só que eu não utilizo brinquedinhos. O que funciona mesmo é meu dedinho, é muito mais fácil para mim. Não tenho nenhum problema em falar isso.”

Eu sou muito egoísta

“Eu preciso ficar muito satisfeita. Eu sempre brinco com as pessoas que eu sou quase a abelha: gozar e matar o zangão, porque não tem mais utilidade. Sempre foi assim (…) Confesso que comecei a me preocupar com o prazer do outro depois dos 40 e poucos. Como eu nunca ouvi reclamação, eu acho que a coisa é concomitante: Se tá bom para mim, tá bom para o outro. Sempre acreditei nessa história.”

“Se eu estiver num relacionamento e não puder falar, relação nenhuma vai rolar. Eu preciso ter a liberdade e a segurança de poder falar tudo, tudo. O combustível que me move são ideias, até mesmo na cama, viu? (…) Não dá para fazer isso de boca fechada. Sempre foi importante para o meu prazer que eu tivesse a capacidade de diálogo com a outra pessoa.”

A comunicação se ressignificando

“Eu conheci o mundo antes da internet e entrei no mundo da internet quando ela começou no mundo. Eu sou tecnóloga da informática. Então eu frequentei muito a sala de bate papo, eu tive relacionamentos virtuais, claro. Só que assim as coisas foram mudando, e as plataformas ficaram muito pautadas na mentira, começou a ter muita surpresa, né? Aí vêm as fotos, vê aquilo que não é e tal. Então isso acabou me afastando [da troca virtual].”

“FELIZMENTE, A IDADE ME MOSTROU AMIGOS E AMIGAS. E A GENTE FALA, FALA DE SEXUALIDADE E A GENTE RI MUITO PORQUE A GENTE LEMBRA AQUELAS COISAS QUE A GENTE FALAVA PELA METADE, AÍ A GENTE TRAZ A OUTRA METADE QUE NÓS NÃO FALAMOS E É MUITO IMPORTANTE”.

“Descobri o prazer anal agora, conversando com essa minha irmã, porque ela chegou e falou para mim: ‘Não vou mentir para você, não. O negócio não é bom, o negócio dói, mas tem que fazer assim, assim, assim, assado, que você vai adorar. Aí eu fui tirar a prova e ela tava super certa. Se eu tivesse conversado com ela há 40 anos, quando eu entrei lá na empresa, eu já teria tido muito mais tempo de prazer”, conta, entre risos.

Os desafios para mim enquanto mulher continuam os mesmos

“Hoje eu sou uma mulher negra de 67 anos, mas eu não deixei de ser fetiche de uso sexual. Essa violência, que acaba sendo indireta, eu passei muitas. Aquela coisa que você entra: ‘O objeto de prazer chegou’ (…) É um tal de você pegar um olhar que tá te desnudando, que tá te comendo, isso é agressivo.”

“Eu venho de uma época racista, sexista e de muitas ações que a gente tentava não registrar [na memória] para não ficar marcado, para que depois a gente não tivesse que sair pagando divã para resolver, né? ”

“A vida não muda nada (…) eu imaginava que quando eu chegasse na minha terceira idade, tais coisas não iriam mais existir, as coisas não serão mais assim, a sociedade estará agindo diferente, nós mulheres estaremos em outros lugares… E eu cheguei e vi que não mudou tanta coisa. Alteraram-se muitas, mas mudaram muito pouco”

Eu me vejo como uma máquina, essa máquina tem que funcionar em conjunto, se não ela começa a dar ruim, ela começa a dar problema. Então, isso faz parte

“Os meus hormônios baixaram e eu vou tentar me suplementar para que esses hormônios, se eles não voltarem ao nível natural, normal, ele vai estar acima do normal para a minha idade, porque isso que vai me dar pique. Eu acho importante.”

“CUIDO DA MINHA SAÚDE SEXUAL PRESTANDO ATENÇÃO EM MIM. EU UTILIZO O SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. E EU TAMBÉM SOU MUITO DO AUTOCUIDADO, AQUELE DA SABEDORIA DAS MINHAS MAIS VELHAS… MAMÃE ENSINAVA UM BANHO. MAS ALGUMAS COISAS HOJE EU JÁ SEI. QUANDO ACHO QUE TÔ PRECISANDO EU FAÇO CHAZINHOS…”

“Acredito muito na fitoterapia. Eu como coisas que as pessoas dizem que são afrodisíacas, que as pessoas falam que é importante para a questão do libido.  Se tem alguma coisa que tá comprovada que é importante para o libido, ‘que ele é funcional para um hormônio que está ligado a sexualidade’, eu vou comer, eu vou beber, eu vou ver se aquilo realmente funciona. E se funciona, depois eu resolvo o resto.”

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