Por Julia Vitoria. Fotos: Divulgação / Sarau na Quebrada
Foi em um Dia Internacional da Mulher, mais especificamente em 8 de março de 2018, que Thayssa Gomes de Oliveira viu a Bateria Feminista do ABC desfilar por sua rua. A atividade fez parte do Sarau na Quebrada. Na época, ela tinha apenas 13 anos e aquela vivência foi fundamental para definir sua trajetória, colocando para ela questões políticas e sociais de seu território e de sua vida.
“Para mim, o sarau foi um instrumento de emancipação e despertar da consciência”, conta ela, que hoje tem 17 anos e é técnica e ativista ambiental.
O processo com ela vem de dentro de casa. Nascida em uma família de sambistas, ela sempre teve contato e admiração pela música. Seu pai Luiz Carlos Oliveira, mais conhecido como Nunuca, sempre foi muito importante na cena carnavalesca do ABC paulista, na região metropolitana de São Paulo. E ele foi um dos responsáveis pela fundação do Sarau na Quebrada, em 2011.
A iniciativa começou em uma associação de moradores no Jardim Santo André, periferia do município de mesmo nome, como resposta à falta de espaços de cultura e lazer no bairro. Depois, passou a ser itinerante, com edições em bares, faculdades e praças da região até conquistar seu próprio espaço.
“Não temos a ideia de levar cultura para quebrada, mas pensamos na ideia de que nós temos a nossa cultura e ela tem que ser viabilizada”, comenta Gláucia Adriani, 46, articuladora cultural, professora e integrante do Sarau na Quebrada.
A discussão sobre o direito à cidade é o ponto de partida e de chegada do grupo, que ocupa e pauta a ocupação do espaço público. Porém, com o distanciamento social imposto pela pandemia, o Sarau na Quebrada precisou repensar seu próprio funcionamento. O gestor cultural e gastrônomo Neri Silvestre, 53, que faz parte do coletivo, diz que cultura é como arroz com feijão: tem que estar na mesa de todos e em todos os lugares.
Tendo o território, o público e a proximidade como ferramentas imprescindíveis para sua realização, essa adaptação do projeto não foi tão fácil. A forma de manter essa relação foi convidar para as transmissões pela internet, moradores que são articuladores, produtores e artistas da região. E é sobre isso que a Periferia em Movimento conta na segunda reportagem da série “Cultura à Distância”, que aborda como agentes culturais têm lidado com a pandemia após 1 ano de pandemia.
Ocupação virtual
Entre março e abril, o Sarau na Quebrada debateu pela internet os temas “Direitos Culturais e Direito à Cidade”, com objetivo de abordar o controle social do Estado pela população. O projeto foi financiado com recursos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, criada ano passado para socorrer agentes culturais na pandemia.
A primeira live trouxe o hip hop como patrimônio cultural, com convidados relevantes da região como o MC WHO, poeta e MC do Sarau na Quebrada.
Já a segunda live abordou o funk como direito cultural e expressão territorial. E trouxe Lucas Bola, produtor cultural e idealizador da batalha do Bolinha de Santo André, tendo mais de 600 visualizações.
Na terceira live, o tema foi o carnaval como direito e resistência cultural. Nunuca, pai de Thayssa, que já foi intérprete, presidente e diretor de bateria no Bloco Zulu de São Bernardo, resgatou questões importantes da cena carnavalesca do ABC.
Há pelo menos 5 anos consecutivos que a região de Santo André não realiza desfiles oficiais por contenção de gastos. “Acabar com a tradição de carnaval de famílias é um genocídio. A gente tem puxado muito essas discussões para questões do conselho, dos fóruns e nas nossas lives. A ideia é desmistificar esses assuntos”, conta Gláucia.
A live de encerramento discutiu o direito à cidade e a preservação ambiental. “O mais legal de tudo isso, é que aqui, essa produção chega de forma horizontal. Não é algo que vai vir alguém de fora trazer cultura”, diz Thayssa.
Enquanto a pandemia durar, o Sarau pretende continuar suas programações virtuais. É uma forma que eles encontraram de continuar construindo a memória cultural de Santo André. “Sempre olham e olhavam para a gente de forma caricata, carente, folclórica. E geralmente essas artes [museus] não representam nossa cultura do encontro, da cerveja, da feijoada, da conversa no bar – a cultura viva”, completa Neri.
Redação PEM