Expressão da Quebrada: Juventude ativa na luta por direitos

Os jovens repórteres da quebrada do Extremo Sul de São Paulo explicam os direitos comuns a todos nós e apresentam os conteúdos produzidos a partir de entrevistas com militantes da região.

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Tempo de leitura: 14 minutos

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos (Art. 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos)

Os direitos humanos, do modo como estão no papel, podem até ser iguais para todos. No texto, todos teriam assegurados educação, moradia, transporte, lazer, cultura, saúde e tantas outras coisas. Mas é só sair da quebrada e pegar um trem que, da janela, dá pra ver que seus direitos são bem diferentes dos de outras pessoas da cidade.

Os hospitais sem leitos, as creches lotadas e as torneiras sem água de Parelheiros não se repetem em Pinheiros. Nas periferias, onde as pessoas realmente precisam e sentem falta de serviços públicos de qualidade, eles são violados.

Se você ligar a TV, vai ver que o jornal não conversa com quem é da periferia. Fala de dólar, mostra feiras de carros novos e crônicas de Nova Iorque. Da quebrada, só aparecem desgraça, violência e um ou outro caso de superação. A mídia não é nossa aliada na luta pela garantia dos direitos, e saber disso já é um motivo para nos manifestarmos.

Mas tamo aqui: as periferias vivem e lutam por seus direitos! Você sabe quais são? Conheça alguns deles no vídeo abaixo:

[box type=”note”]O vídeo acima e todo conteúdo a seguir foram produzidos por nós, jovens e adolescentes moradores de distritos do Extremo Sul de São Paulo, como Cidade Dutra, Grajaú, Parelheiros, durante o projeto “Repórter da Quebrada”.

Somos nós os repórteres das nossas quebradas: Bruno Henrique dos Reis, Daniela Correia, Danielle Vieira, Ester de Souza, Evelyn Arruda, Igor Silva, Ingrid Fialho, Ítalo Augusto Silva, Kristine Gonçalves, Layane Bemfica, Maria Eduarda Silva, Matheus Oliveira, Pablo Sobral, Patricia Carmo Pereira, Rafhaela Bastos, Stefani Camurça, Suzana Sampaio Sobrinho, Tathyane Barros, Vitoria Gama e Wilson Oliveira.

Entre julho e outubro de 2015, vivemos mais de 50 horas de trocas de experiência sobre jornalismo e direitos humanos nas periferias e contamos com a presença de muitos convidados que fortalecem todos os dias a construção de conhecimento e as lutas no Extremo Sul. E é sobre esses assuntos que nos interessam que tratamos nesta reportagem. Confira! [/box]

Moradia pra quem?

Texto por Matheus Oliveira e Danielle Vieira

A luta por direitos no Extremo Sul de São Paulo é uma realidade vigente. Afinal, aqui vivem quase 800 mil pessoas, entre as represas Billings e Guarapiranga. Só no Grajaú são 360.787 moradores dispersos em uma área de 92,53 km², o que torna o distrito o mais populoso de São Paulo.

As moradias na região começaram ocupações populares, já que viver nas áreas centrais da cidade virou um privilégio de poucos. O crescimento ocorreu de forma desorganizada e desenfreada e, como grande parte do Grajaú fica em área de preservação ambiental, acabou desencadeando diversas remoções e reivindicações de posse.

A moradia é um direito assegurado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e é garantido pelo artigo sexto da nossa Constituição Federal de 1988:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados

Mas quem vive na periferia sabe que pouca coisa do que essa lei garante faz parte da realidade. Por isso, movimentos sociais nascem da insatisfação com esse panorama e com a vontade de mudar. Segundo Idalício Reimberg, professor e militante do movimento por moradia Nós da Sul, “a ocupação é uma forma de pressionar o poder público a construir moradia popular’’. Observa-se que o problema habitacional na região tem raízes bem profundas  e consequências na garantia de outras direitos, e a ação do poder público é necessária para sanar essa questão.

A professora e escritora Maria Vilani, que mora e milita no Grajaú há mais de 40 anos, lembra das diversas lutas que a população local travou e continua travando.

Confira a entrevista:

Nosso direito à cidade

Texto por Daniela dos Santos Correia

O transporte também é um direito fundamental assegurado pela Constituição. Faz parte do direito de ir e vir e de ter acesso a muitos outros direitos, como educação, saúde e lazer. Entretanto, se não existe opção de transporte público ligando nosso bairro a lugares essenciais como escolas, postos de saúde, parques ou museus, o direito ao transporte está sendo retirado de nós.

O movimento Luta do Transporte no Extremo Sul busca a garantia e respeito a esse direito humano e luta pra que o Estado invista no transporte em bairros como Barragem, Bosque do Sol e Marsilac, onde moradores caminham até três horas para chegar a um ponto de ônibus. Desde os protestos contra o aumento da tarifa em 2013, o movimento organizou linhas populares de transporte público, fez reuniões com a Prefeitura para exigir a criação de novas linhas e contra o corte das existentes, reivindicou ampliação das avenidas e novas ruas nos extremos da região Sul.

Nós entrevistamos Vinícius Faustino e Luize Tavares, que fazem parte da Luta do Transporte no Extremo Sul. Confira!

De onde vem a nossa educação?

Texto por Patricia Pereira

A educação é mais do que decorar temas da escola: é um processo de transformação social. Mas o ensino que vem da escola é diferente do que vem de casa, e os dois têm que se completar para formar pessoas que pensam e vivem dentro de uma sociedade. Porém, com as escolas precarizadas (principalmente agora, com a ameaça de fechamento de várias unidades no estado pelo governador Geraldo Alckmin) e a ausência dos pais em casa, a importância da educação perde seu espaço na vida das pessoas.

Maria Vilani lembra que, muitas vezes, os pais saem de casa com os filhos dormindo e voltam do trabalho quando também já caíram no sono. As horas perdidas no ônibus sentido centro e as que demoram para voltar ao Extremo Sul são momentos que poderiam ser trocados pelo convívio com a família, “mas no fim do mês tem que ter comida na mesa, não dá pra deixar de trabalhar”, lembra Maria Vilani.

Os pais não têm muito tempo para ficar em casa pois estão trabalhando, e a educação fica mais para escola, que sofre com problemas de estrutura. E poucos são os que ainda conseguem colocar os filhos em associações e outras iniciativas que vão dar uma boa formação enquanto eles estão trabalhando.

Veja a entrevista com Maria Vilani sobre a importância do papel de educar, as dificuldades que a periferia sofre na educação e as mudanças que o ensino e o diálogo fazem na vida de uma pessoa:

O racismo nosso de cada dia

Texto por Tathyane Barros

Racismo é uma maneira de discriminar as pessoas por cor da pele e outras características físicas. E esse assunto tem sido muito polêmico nos dias atuais. A verdade é que sempre foi um assunto polêmico, pelo falo de o branco diminuir o papel do negro e então o negro não aceitar ser menosprezado ou desmerecido. Não é raro ouvimos falar que isso não é mais existente em nossa sociedade. Chega a ser ridículo, pois o que mais vemos é a mídia com seus atos racistas velados, é claro.

A rapper e militante Tati Preta Soul, do Barragem (Parelheiros), já foi chamada de exótica numa entrevista de emprego, enfrentou cabeleireira querendo alisar seu  cabelo e ouviu reclamações do volume de seus cachos no ônibus. Ninguém é melhor que ninguém por sua cor da pele ou por suas características físicas. Estamos nesta luta contra o racismo. E falamos com a Tati sobre isso. Veja:

Ser gay na quebrada…

Texto por Evelyn Arruda

Será que o preconceito e maior na perifa do que no centro? Segundo a nossa Constituição, temos o direito de ir e vir, nos expressar e ser quem quisermos e, no mínimos, merecemos reseito. Mas sabemos que não é bem assim. Estamos sujeitos a qualquer tipo coisa saindo de casa para a rua, simplesmente por estar vestindo um tipo de roupa.

Agora, imagina não poder ser o que você é no seu próprio bairro? Ser oprimido por um ideal ultrapassado diferente do seu, conviver com o ideal imposto de uma sociedade, por acharem que só de te olhar podem ser influenciados e se tornar como você. Imagina pessoas querendo vigiar o que você faz na cama.

Para quem é gay, lésbica, bissexual ou transgênero, essa é uma questão diária. A homofobia e a transfobia são uma realidade no Brasil.

O ator e militante LGBT Bruno César, que mora no Extremo Sul, pautou essa temática neste ano com a realização do Festival Periferia Trans. E nós conversamos com ele sobre o que significa ser gay na periferia. Assista trechos da entrevista:

Onde está a cultura?

Texto e apuração de Danielle Vieira, Ingrid Fialho, Kristine Gonçalves, Maria Eduarda Silva, Matheus Oliveira, Pablo Sobral e Vitoria Gama

A periferia da Zona Sul de São Paulo encontra-se com diversos espaços culturais que não estão sendo amplamente ocupados, como por exemplo a Casa de Cultura Palhaço Carequinha, no Grajaú, que disponibiliza muitas oficinas de teatro, capoeira, danças e entre outros. Para os jovens que frequentam o Calçadão Cultural em frente ao espaço, faltam investimentos do poder público e divulgação para a população –  que influencia na baixa utilização da Casa de Cultura.

O jovem Paulo Cezar diz que os horários oferecidos para as oficinas não são viáveis. Além disso, a galera do Calçadão salientou a burocracia que dificulta o acesso às oficinas. “Só é uma pessoa que tem acesso e, se a pessoa não estiver ali, a gente fica sem nada. Não tem aquela ‘coisa’ que nos motiva, o bagulho não chega aqui. Você tem que preencher um monte de coisa, fazer cadastro. Já quando tem filme, todo mundo cola para assistir’’, desabafaram.

Magno Duarte, novo gestor do equipamento público e morador da região, diz que a Casa de Cultura  está buscando se aproximar da juventude do Calçadão. “A proximidade com o coletivo O Formigueiro (que foi fundado por um grupo de jovens a fim de promover eventos culturais e preservar o espaço) ajuda no sentido de unir o pessoal de fora conosco e melhorar a comunicação”, diz ele, que promete eliminar a burocracia.

Tanto a administração interna quanto o pessoal que ocupa o espaço comentam sobre a visão negativa que recai sobre o ambiente. Alguns moradores e comerciantes reclamam do uso de drogas e chegam a falar que se sentem ameaçados. Porém os jovens enxergam diferente, dizem que o pessoal generaliza e que estão apenas em busca de fazer um som, divertir-se, conhecer pessoas. “Tem cultura pra caralho perdida aqui”, diz Paulo Cezar, para quem o povo deve quebrar preconceito, ocupar o espaço público de forma ampla e valorizar a cultura própria da periferia.

É necessário que esses espaços da periferia sejam ocupados e valorizados, seja a Casa Cultura Palhaço Carequinha que é administrada pela Prefeitura, sejam muitos outros como por exemplo a Casa Ecoativa, um espaço eco-sócio-cultural localizado na Ilha do Bororé que realiza várias atividades, com destaque para os saraus, as oficinas aos sábados e atividades de permacultura. E são muitos os artistas e coletivos atuantes na região.

Segundo a pesquisa  “Cultura ao Extremo”, realizada pelos coletivos Periferia em Movimento e Expressão Cultural Periférica, existe ao menos 168 agentes culturais no Extremo Sul em diversas linguagens e com abordagem de temáticas como arte e cultura, direitos humanos, juventude, culturas populares, entre outros. A cultura ajuda a construir mecanismos de mudança para problemas sociais que as periferias enfrentam e pode se configurar como uma forma de resistência.

Um povo sem conhecimento, saliência de seu passado histórico, origem e cultura. É como uma árvore sem raízes (Bob Marley)

 

[box type=”note”]”Repórter da Quebrada” é um projeto do coletivo de comunicação Periferia em Movimento com fomento do Edital Redes e Ruas da Prefeitura de São Paulo. Foi realizado em 2015 no Extremo Sul da cidade.

Repórteres: Bruno Henrique dos Reis, Daniela Correia, Danielle Vieira, Ester de Souza, Evelyn Arruda, Igor Silva, Ingrid Fialho, Ítalo Augusto Silva, Kristine Gonçalves, Layane Bemfica, Maria Eduarda Silva, Matheus Oliveira, Pablo Sobral, Patricia Carmo Pereira, Rafhaela Bastos, Stefani Camurça, Suzana Sampaio Sobrinho, Tathyane Barros, Vitoria Gama e Wilson Oliveira.

Coordenação: Aline Rodrigues e Thiago Borges.

Orientação: Ana Paula Fonseca, Anderson Resende, Mariana Caires e Thiago Borges.

Supervisão de Texto: Mariana Caires.

Supervisão Audiovisual: Ana Paula Fonseca e Thiago Borges.

Edição final: Thiago Borges.

Convidados especiais: Alan Zas, André Bueno, Bruno César, Luíze Tavares, Maria Vilani, Pedro Gomes, Rogério Godinho, Tatiana Rodrigues e Vinicius Faustino.

Parceiros: Adágio Produções, Casa de Cultura Palhaço Carequinha, CEDECA Interlagos e Circo Escola Grajaú.[/box]

2 Comentários

  1. […] Em 2017, o Periferia em Movimento inicia uma nova edição do projeto “Repórter da Quebrada – Jornalismo e Direitos Humanos conectando o Extremo Sul” (confira aqui como foi a primeira edição). […]

  2. […] do projeto “Repórter da Quebrada – Jornalismo e Direitos Humanos conectando o Extremo Sul” (confira aqui como foi a primeira edição). Além de publicar conteúdos e dar visibilidade a quem está na luta pela garantia de direitos na […]

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