Maioria diz que Brasil é racista, mas percepção é maior nas relações pessoais do que em ações do Estado ou empresas

Maioria diz que Brasil é racista, mas percepção é maior nas relações pessoais do que em ações do Estado ou empresas

Pesquisa encomendada por organizações antirracistas aponta caminhos para aprofundar debate e combater o racismo

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Sim, o Brasil é um país racista. É o que dizem 8 em cada 10 pessoas (81% da população). Entre pessoas que se declaram pretas, o percentual chega a 86%. A concordância se mantém expressivamente alta independentemente de gênero, faixa etária, escolaridade, região, porte da cidade, renda familiar, religião, orientação sexual e orientação política. Apenas 16% dizem que não há racismo por aqui – entre quem se identifica à direita do campo político, essa tese alcança 23%.

Há um paradoxo: ainda que a maioria da população brasileira reconheça o problema, a manifestação do racismo é compreendida principalmente a partir da dimensão interpessoal do que da dimensão estrutural.

É o que revela a pesquisa inédita “Percepções do racismo no Brasil”, apresentada nesta quinta-feira (27/7). O estudo foi encomendado pelo Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto SETA ao Ipec, que ouviu 2 mil pessoas de 16 anos ou mais em 127 municípios como amostra da população brasileira no mês de abril de 2023.

Luta contra racismo religioso: Iya Helena de Oxalá, 74, Iyalorisa do Terreiro de Candomblé Nação Ketu- Ilê Forikan Axé Oxofufãn, no Grajaú, Extremo Sul de São Paulo

Para 66% das pessoas entrevistadas, o racismo se manifesta principalmente na violência verbal, como xingamentos e ofensas (o índice chega a 77% entre pessoas de 16 a 24 anos). Para 52% da população, o racismo acontece quando há tratamento desigual. Violência física (39%), negação de oportunidades (28%), intolerância religiosa (23%) e exclusão, isolamento ou desprezo de um grupo (22%) também aparecem entre as principais formas de percepção do crime.

Chama atenção que apenas 5% das pessoas entrevistadas veem ações do Estado ou de organizações privadas como formas de manifestações racistas – o número cresce para 10% entre pessoas pretas. Entre essas ações, podem estar desde a divisão desigual das verbas públicas para garantir saúde e educação para determinadas parcelas da população ou assegurar o acesso à alimentação e à moradia, por exemplo.

“Por um lado existe uma dificuldade de identificar o racismo estrutural e, por outro lado, a dificuldade de identificar o racismo no universo privado pela pessoa respondente, ou seja, no cotidiano das escolas, do trabalho, das famílias e outros espaços de convivência. É possível relacionar o cenário com o baixo percentual de pessoas que aprenderam sobre o racismo nas escolas de forma adequada”, observa a antropóloga e relatora da pesquisa Jaqueline Santos, consultora de monitoramento e avaliação do Projeto SETA.

Ainda que 81% das pessoas concordem que o Brasil é racista, apenas 11% reconhecem que têm atitudes ou práticas racistas, 10% que trabalham em instituições racistas, 13% que estudam em instituições educacionais racistas, 12% que sua família é racista, 36% que convivem com pessoas que têm atitudes racistas e 46% que convivem com pessoas que sofrem racismo. Isso significa que a população brasileira identifica que o país é racista, mas tem dificuldade de nomear o racismo em suas experiências pessoais.

Mais um dado que se destaca na pesquisa é que, se maioria concorda que o Brasil é um país racista, apenas 65% concorda totalmente (57%) ou em parte (8%) com a criminalização do racismo no País.

O que é racismo, no entendimento das pessoas?

Quando a pesquisa pergunta o que é racismo, 62% das pessoas dizem que se trata de uma ação ou prática motivada contra um grupo de determinada raça, cor ou etnia. A percepção é similar em todos os perfis, mas se destaca entre jovens de 16 a 24 anos: 72% do público dessa faixa etária tem essa noção.

Katiara Oliveira, da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio (Foto Kessias Oliveira de Sena)

Além disso, 30% entendem que o racismo é uma ação motivada em função de uma característica da pessoa. Segundo a pesquisa, quanto maior a escolaridade, maior é a tendência para reconhecer o racismo dessas formas, assim como identificar práticas racistas relacionadas à origem social, territorial ou cultural.

Há um consenso de que pessoas pretas são as que mais sofrem racismo (96%). Indígenas (57%) e imigrantes do continente africano (38%) aparecem como segundo e terceiro grupos-alvo de práticas racistas, seguidos de quilombolas e pessoas pardas. E 88%  concordam que o grupo de pessoas pretas é mais criminalizado do que pessoas brancas.

No que diz respeito à abordagem policial, 79% concordam que ela é baseada na cor da pele, tipo de cabelo e tipo de vestimenta. E 84% concordam que pessoas brancas e negras são tratadas de forma diferente pela polícia.

“Esses dados escancaram o racismo no Brasil, e demonstram que a população em geral reconhece o racismo em uma das suas faces mais cruéis: a violência institucional, no caso específico, a policial. De forma prática, ela é reflexo do racismo que estrutura nossas instituições, da maneira como naturalizamos a violência contra as pessoas negras e as pessoas moradoras das periferias – cuja maioria é negra”, analisa Ana Paula Brandão, gestora do Projeto SETA e diretora programática na ActionAid.

As instituições de ensino são idealizadas como espaços onde não há lugar para atos discriminatórios, no entanto 38% das pessoas que afirmam já ter sofrido racismo apontam a escola/faculdade/universidade como locais onde essa violência ocorreu. Mulheres pretas são as que mais percebem que raça/cor é o principal motivador de violência nas escolas (63%). Nos espaços da educação básica, as pessoas pretas foram as que mais vivenciaram agressão física, 29%. Para 64% das pessoas jovens entre 16 e 24 anos, o ambiente educacional é onde mais sofrem racismo.

Considerando outro ponto sensível no campo da educação, a pesquisa aponta a necessidade de políticas públicas de combate ao racismo. Nesse sentido, 49% da população brasileira discorda que o Brasil possui políticas públicas suficientes.

Como combater o racismo?

Apesar de 7 entre cada 10 pessoas de todos os perfis raciais se verem representadas na política, na mídia e no entretenimento, para 67% as leis atuais não são suficientes para evitar práticas racistas; e três quartos (75%) concordam que ter pessoas negras em cargos políticos contribui para diminuir o racismo.

Roda de debate sobre identidade da mulher negra no Grajaú. (Foto: Edu Graja)

Para 44%, a raça ou cor de pessoas ou grupo determinados é o principal fator para gerar desigualdades. Dessa forma, para 54% o poder público deveria enfrentar as desigualdades sociais como forma de combater o racismo. Promover uma educação antirracista (34%), valorizar a diversidade (33%), ampliar a acessibilidade para pessoas com deficiência (32%) e promover equidade racial (26%) também aparecem como soluções propostas.

Em relação às políticas de cotas, 69% são favoráveis à reserva de vagas em geral, sendo que 88% são a favor de ações afirmativas para pessoas com deficiência, 83% com base na renda das pessoas, 74% considerando raça ou cor, 72% para mulheres e apenas 56% para pessoas LGBTQIA+. E apesar da aprovação e da ampliação dessa medida ao longo do tempo, 89% dizem nunca ter se beneficiado de políticas de cotas.

Para Vanessa Nascimento, diretora do Instituto Peregum, a pesquisa traz dados que vão apoiar ações de incidência política no País, com articulação da sociedade e com o poder público para enfrentamento do racismo.

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