Por: Adriana Novaes. Edição: Hysa Conrado. Fotos: Vitori Jumapili.
Dona Silvia é aposentada, tem 63 anos, e hoje é uma liderança comunitária no Jardim Capela, Zona Sul de São Paulo. Sua atuação nasceu de forma espontânea: em 2020, durante a pandemia, ela começou a organizar ações sociais, como distribuição de marmitas, roupas e cestas básicas. Inspirada pelo exemplo da mãe, ela se tornou referência para moradores da região, mesmo sem apoio governamental ou relações políticas.
Silvia Cristina de Oliveira, como se chama, nasceu na Cidade Ademar, também na Zona Sul. Filha de uma cozinheira e de um soldador, teve a infância marcada por mudanças frequentes de casa, o que dificultou sua adaptação escolar.
Quando tinha cerca de 3 anos, a família foi morar em uma casa no Brooklin, cedida pelo avô materno. Com o tempo, a região passou por grandes transformações urbanas e o imóvel foi vendido. A mãe de Silvia, determinada a conquistar independência, comprou um terreno no Jardim Capela e construiu a casa da família.

A força de Dona Silvia nasceu da prática da solidariedade./Crédito: Vitori Jumapili.
A mudança trouxe novos desafios: o bairro ainda era marcado por terrenos baldios e poucas moradias. Silvia trocou novamente de escola, o que afetou ainda mais seu desempenho. Em 1973, na 6ª série, ela largou os estudos.
“Eu lembro que quando faltava mistura na nossa casa, meus pais sempre improvisavam com legumes, verduras ou saladas para que não comêssemos comida seca. Eu acho engraçado que meus filhos e meus netos, hoje, se não tiver uma carne, eles não querem comer, não”, brinca.
Apesar das dificuldades, uma referência permaneceu firme: o exemplo da mãe, que ajudava vizinhos com roupas e alimentos, sempre em silêncio. A solidariedade, que parecia coisa natural em sua família, floresceu de vez anos depois.
“Quando me aposentei em 2002, que eu ficava mais em casa, eu analisava pessoas pela rua pedindo as coisas enquanto muitas outras ignoravam. Eu já ajudava, mas foi aí que despertou o real desejo”, lembra.
A missão de ajudar
Durante a pandemia, Dona Silva sentiu um chamado enquanto limpava o armário. Separou alguns alimentos e roupas e levou até um vizinho. Ao chegar lá, percebeu que ele e o filho estavam sem nada para comer. “Alegrou meu coração poder ajudar”, ela diz.
“Depois desse dia, eu pensei: não posso parar. Sempre tem alguém precisando e, se eu posso fazer alguma coisa, não vou ficar de braços cruzados”, afirma.

Dona Silvia ela se tornou referência mesmo sem apoio governamental ou relações políticas./Crédito: Vitori Jumapili.
Depois disso, passou a organizar campanhas de arrecadação, mutirões de saúde para idosos sem acesso a atendimento e mobilizou vizinhos e voluntários para montar kits de higiene e roupas. Além disso, criou redes de apoio no bairro, articulou doações com pequenos comércios e manteve presença constante nas ações.
Sua força nasceu da prática: ela se colocou em ação, chamou os outros para fazer junto e não abandonou os que precisavam da sua ajuda. Foi assim que a comunidade passou a reconhecê-la, naturalmente, como uma liderança.
“Eu comecei sozinha, mas percebi que, quando a gente chama, sempre tem alguém disposto a ajudar. Só precisa começar”, destaca Dona Silvia.
ONG Pequeno Mestre
A partir de então, iniciou o trabalho como voluntária na ONG Pequeno Mestre, no Jardim Amália, e começou a distribuir marmitas, acolher idosos, ajudar pessoas em situação de rua e montar cestas básicas com doações que os mercados locais fazem.
A ONG Pequeno Mestre, fundada em 2015, atende crianças, jovens, adultos e idosos, oferecendo atividades gratuitas como reforço escolar, escolinha de futebol, aulas de artes marciais, dança e cursos profissionalizantes. A organização se tornou aliada importante no fortalecimento das ações comunitárias de Dona Silvia.

Sua garagem virou centro de triagem das doações./Crédito: Vitori Jumapili.
Desde 2022, ela assumiu a liderança social de um dos projetos da ONG mesmo sem qualquer ajuda governamental, contando apenas com doações e apoio do comércio local. Sua garagem virou centro de triagem: ali separa roupas, fraldas, carrinhos, cadeiras de rodas, tudo o que chega ou o que compra com o próprio dinheiro.
Atualmente, por falta de apoio suficiente, a ONG diminuiu a quantidade de doações e de atividades. “Já comprei arroz, macarrão e açúcar no atacadão quando não vinha ajuda”, conta Dona Silvia.
Mesmo com as dificuldades, ela continua agindo com fé e determinação. Certa vez, em uma campanha contra a dengue, chegou a se vestir de mosquito para orientar motoristas no farol. “As pessoas riam, mas ouviam”, lembra.
Em comunidade
Em 2020, uma líder comunitária anunciou que deixaria o cargo e sugeriu o nome de Dona Silvia para o lugar de conselheira.
No cargo, suas cobranças por melhorias tiveram êxito: limpeza, canalização de córregos no bairro do Jardim Capela, acesso à saúde e inclusão de famílias esquecidas por conta do limite municipal entre São Paulo e Itapecerica da Serra. Apesar do que já construiu, Dona Silvia não quer cargos políticos.
“Tem partido que só aparece quando quer voto. Meu trabalho é com a comunidade. É para servir, não para se eleger”, afirma a líder comunitária.
A fé é sua base. Evangélica, Dona Silvia menciona que é no louvor que encontra forças. Ela é viúva há 3 anos, mãe de 2 filhas, avó de 4 netos e bisavó de 1.
Incentivada pela filha, decidiu retomar os estudos por meio da EJA (Educação de Jovens e Adultos), algo que a enche de orgulho. “Agora é por mim. É para sentir a satisfação que ficou faltando lá atrás”, comemora.
E para outras mulheres negras que se sentem invisíveis, ela deixa um recado: “Se abaixar a cabeça, a gente é esmagado. Temos os mesmos direitos. A cor da pele não define nossa capacidade. O cabelo não diz quem você é. Somos todos filhos de Deus.”