Sexta-feira à noite na periferia de São Paulo. Antes de sair para um rolezinho ou ficar de boa em casa, centenas de jovens e adolescentes lotam o auditório do CEU Vila Rubi, no distrito de Cidade Dutra (Extremo Sul da cidade), para debater sobre a proposta de redução da maioridade penal.
Entre a discotecagem do DJ Kiko e o show do rapper Msário, o mediador Eduardo Rodrigues, 34 anos, provoca a plateia: “o filho do rico vai pra cadeia com 16 anos?”. Mãos se levantam, os discursos são divergentes e muitos ainda aguardam sua vez de falar.
Assim acontece o Projeto Possibilidades, que reúne em média 150 pessoas por mês para curtir um som e debater temas polêmicos e de interesse dos moradores das quebradas.
“Adolescente é cheio de verdades. Então, estamos aqui para colocar uma interrogação nesses verdades que ele tem e fazer refletir sobre isso”, explica Eduardo.
O Periferia em Movimento esteve presente no encontro de abril e viu mudar o posicionamento de participantes como Caroline Moreira, de 16 anos. Clique aqui para ler a matéria sobre o que os adolescentes pensam sobre a redução da maioridade penal.
É sobre esse trabalho que vamos falar em mais uma reportagem do “Cultura ao Extremo”, projeto realizado com apoio do programa Agente Comunitário de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo que tem o objetivo de mapear e visibilizar as manifestações culturais no Extremo Sul da cidade.
Para saber mais e participar também, clique na imagem abaixo ou responda ao questionário no final da matéria.
Nascido e criado no Jardim Iporanga, bairro pobre na Cidade Dutra, Eduardo ficou órfão de pai aos 9 anos de idade. Para ajudar a mãe a sustentar o barraco de madeira onde moravam, começou a trabalhar aos 10 anos na feira.
“Passei fome aqui. Minha mãe foi faxineira por 30 anos. O que eu tinha certeza é que não ia passar por isso nem limpar banheiro de ninguém, não por demérito, mas pela merreca que se paga e a dificuldade que significa”, lembra Eduardo, que fez três faculdades: Filosofia, Psicologia e Docência em Ensino Superior.
Além de atender consultas em uma clínica, ele dá aula em uma escola estadual do Parque das Árvores – também na região – e se depara com crianças e adolescentes que continuam nas mesmas condições em que ele viveu. Algo precisava ser feito.
Em novembro de 2012, diante da escalada de violência policial nas periferias de São Paulo, Eduardo e parceiros resolveram discutir a situação como sempre faziam – mas, dessa vez, com a participação de mais pessoas.
Como seu amigo Zero dava oficinas de break e beatbox no CEU Vila Rubi, eles aproveitaram o espaço para construir novos diálogos com atrações culturais. Assim surgiu o Projeto Possibilidades.
Além de Zero, Msário e DJ Kiko, que integravam o grupo de rap Pentágono, ficaram responsáveis pela música, dança e outros atrativos, enquanto Eduardo media os debates. Hoje, ele conta com o apoio do DJ Kiko e do produtor de eventos Sergio Castro, seu irmão mais novo.
O primeiro encontro discutiu a segurança pública nas favelas. Mais de 180 pessoas colaram. Desde então, quase 30 debates já aconteceram.
Geralmente são escolhidos temas em voga no momento, como o Dia da Consciência Negra, a homofobia ou a Copa do Mundo, por exemplo. Entre os convidados, já participaram dos debates os rappers Rael, Dexter, Rashid e Kamau. E todos têm espaço para dizer o que pensam.
“Adolescente tem dificuldade em falar porque é inseguro, sente vergonha. Então, é importante que ele se sinta à vontade”, conta Eduardo, que aplica no palco o método que utiliza em suas aulas. “E falar e ouvir é uma forma de fazer as pessoas refletirem sobre as coisas, saírem daqui modificadas”.
No encontro sobre o universo do funk, com mais de 400 pessoas no auditório, o MC convidado confessou no final de sua apresentação que era analfabeto e o quanto isso dificultava seu acesso a outras oportunidades.
“O que vemos é que, depois de tanto tempo fazendo a parada, as pessoas começaram a enxergar no estudo uma alternativa”, aponta Eduardo. “E nossa maior conquista é alcançar o público adolescente, que é difícil demais pra chegar e tem várias outras opções de coisas pra fazer”.
A maior dificuldade é a falta de recursos financeiros, mas isso não impede o projeto de acontecer. Até o final de maio, por exemplo, o Projeto Possibilidades pretende inaugurar uma biblioteca atrás do campo de futebol do Jardim Iporanga.
“O que faltou pra mim, pro meu irmão, pro Kiko ou pro Msário continua faltando para essa galera hoje. Nós buscamos formas mais dignas deles garantirem seu pão de cada dia”, completa Eduardo. “A gente só tá preocupado em revolucionar”.
Tudo sobre…
Projeto Possibilidades
Região de atuação: Vila Rubi, Extremo Sul de São Paulo
Desde quando atua: Dezembro de 2012
Linguagens: Teatro, Dança, Graffiti, Rap, Funk, Samba, Literatura
Temas abordados: Arte e cultura, Educação, Saúde e bem estar, Juventude, Direitos humanos, Meio ambiente, Empreendedorismo, Culturas populares, Culturas afrobrasileiras, Culturas indígenas
Público principal: Majoritariamente formado por adolescentes
Critérios para participação: Nenhum
Com quem se articula: Artistas locais e de outras localidades, Escolas pública e particulares, Entidades do terceiro setor locais, Famílias, Líderes comunitários, Líderes religiosos e Movimentos sociais
Como se mantém: Recursos próprios, Venda de produtos e serviços, Editais públicos, Doações
Maiores dificuldades enfrentadas no dia a dia: Recursos financeiros, Recursos materiais, Divulgação, Apoio da comunidade, Apoio do poder público, Apoio de empresas ou entidades privadas, Infraestrutura no entorno
Contatos: pelo Facebook
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Thiago Borges