‘Pós-parto vai além da recuperação física’: entenda o que muda com a lei que prorroga licença-maternidade

‘Pós-parto vai além da recuperação física’: entenda o que muda com a lei que prorroga licença-maternidade

Nova lei que prorroga licença-maternidade em casos de internação prolongada busca garantir mais tempo de recuperação física e emocional para as famílias. Veja como acessar o direito

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Camila Henrique e a filha Evangeline./Foto: Arquivo Pessoal

Voltar para casa com a filha nos braços após vê-la nascer e poder participar dos desafios e surpresas dessa nova fase era o desejo de Camila Henrique Lopes, 24 anos, moradora do Morro Santa Maria, em Santos, no litoral paulista. Mas quando Evangeline nasceu, em 2024, ela ficou cerca de cinco meses internada por conta de complicações na saúde e quando finalmente recebeu alta, o período de licença maternidade já havia acabado.

“Não fui eu quem deu o primeiro banho. [A falta dessas] experiências iniciais roubam um pouco o sentimento de ‘esse bebê é meu’. A formação de laços teve de acontecer de uma forma não-convencional”, lamenta.

Quando Camila estava grávida, ela já sabia que se tratava de uma gravidez de risco e que a filha teria de ficar internada devido à má-formação identificada na parede abdominal. Uma de suas maiores preocupações era não poder acompanhar o processo e, consequentemente, ter de retornar ao trabalho enquanto Evangeline ainda precisasse de cuidados intensivos e apoio familiar.

“Eu conversei com a empresa, e me disseram para procurar o INSS. Ao ligar para o INSS, fui informada de que a responsabilidade era da empresa. Ninguém conseguia me orientar direito”, conta.

Camila lembra de ter sido orientada por uma assistente social do hospital a respeito de uma lei que permitia o início da licença-maternidade após a alta da criança. “Eu busquei informações sobre essa lei com advogados e com a própria empresa, mas ninguém confirmava a validade. Ficamos em um limbo por muito tempo”, lembra.

Na época, o que havia era uma Portaria Conjunta do INSS e do Ministério da Saúde que regulamentava a prorrogação do salário-maternidade em casos de complicações relacionadas ao parto, que resultassem em internação da mãe e/ou do recém-nascido.

Mais tarde, essa previsão foi incorporada à Lei nº 15.222/2025, sancionada em setembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A legislação amplia o direito à licença e ao salário-maternidade e pode permitir a prorrogação do afastamento por até 120 dias nos casos de complicações relacionadas ao parto.

Além disso, determina que o prazo da licença passe a contar apenas após a alta hospitalar da mãe ou do bebê – uma mudança significativa para muitas famílias. O benefício é válido quando houver internação hospitalar da mãe e/ou do bebê superior a 14 dias após o parto, garantindo a extensão tanto da licença quanto do salário-maternidade.

Para solicitar a prorrogação, é necessário apresentar atestado médico ao empregador, no caso de trabalhadoras com vínculo CLT, ou ao INSS.

O que muda na prática para as famílias?

Foto: Arquivo Pessoal

Com a regulamentação da lei, agora as famílias devem enfrentar menos burocracia para garantir o prolongamento da licença-maternidade, segundo o advogado Luan Guimarães. “O empregador podia não conceder isso porque não estava na CLT. Seria necessário entrar com um processo, que a mãe ganharia, para conseguir o direito”, explica.

No caso de Camila e da filha, o período no hospital foi extenso. Na época, ela trabalhava em uma loja de roupas e conta que permaneceu afastada por quase um ano, somando o tempo de repouso ainda durante a gestação e o período após o parto.

“Houve perícias do INSS e foi considerado justificável o meu afastamento antes dela nascer. Eu estava com uma gravidez de risco: comecei a ter dilatação antes do tempo, o que era perigoso para o desenvolvimento dela, então precisei ficar em repouso”, explica.

Após a alta, por conta da saúde, Evangeline precisava de consultas frequentes na capital paulista, o que interferia na rotina de trabalho de Camila: os atestados cobriam apenas parte do dia e aumentava o desgaste. Com a falta de acolhimento e a dificuldade para acessar o prolongamento da licença na época, ela acabou deixando o emprego.

 

Prorrogação para autônomas, MEI e seguradas facultativas:

  • – A solicitação deve ser feita diretamente ao INSS, pelo site/aplicativo Meu INSS ou pelo telefone 135.
  • – É preciso apresentar documentos pessoais e laudos médicos que comprovem a internação e sua relação com o parto.
  • – O benefício pode ser prorrogado pelo período de internação e por até 120 dias após a alta hospitalar.
  • – Em casos de internação prolongada, o pedido deve ser renovado a cada 30 dias junto ao INSS.
  • – O pagamento é feito pelo INSS, não pelo empregador.

A complexidade do puerpério

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), problemas emocionais no pós-parto são comuns. Estima-se que cerca de 13% das puérperas apresentam algum transtorno mental, principalmente depressão. No Brasil, a depressão pós-parto afeta aproximadamente 25% das mães, ou seja, uma em cada quatro mulheres, de acordo com dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Ministério da Saúde.

Vale destacar que ainda não há dados disponíveis sobre a saúde da população transgênero no período pós-parto. Os serviços de saúde seguem, em geral, um modelo cis-heteronormativo, o que resulta em despreparo para atender adequadamente esse grupo. A falta de acolhimento, somada à discriminação, contribui para problemas de saúde mental, como estresse, ansiedade e depressão.

Para a psicóloga clínica Fernanda Vaz de Carvalho, a legislação é um marco no reconhecimento da complexidade do puerpério.

“Vejo essa lei como um avanço muito importante, porque ela reconhece que o pós-parto vai muito além da recuperação física. Quando a mãe ou o bebê passam por complicações, todo o processo se torna mais delicado, já que a gestação por si só é um período sensível”, explica.

Além disso, ela destaca que a pessoa que passou pela gestação pode desenvolver sentimentos de culpa diante do cenário de fragilidade que enfrenta.

“Quando há uma internação prolongada, o impacto psicológico pode ser bastante significativo. Muitas experienciam ansiedade intensa, preocupação constante com a saúde do bebê e medo de que algo dê errado. […] Elas acabam se sentindo muito limitadas nesse período”, afirma.

Camila Henrique e a família./Foto: Arquivo Pessoal

A obstetriz Nábila Pereira, que atende pelo SUS, afirma que a prorrogação do afastamento por até 120 dias nos casos de complicações relacionadas ao parto é um grande avanço, mas não suficiente para garantir bem-estar para as famílias.

“Para muitas mulheres esse tempo não será suficiente para uma recuperação completa, especialmente em casos de cesárea, prematuridade, intercorrências médicas ou em situações de saúde mental, como a depressão pós-parto”, explica.

Ela também ressalta que a nova lei é um pontapé para uma série de mudanças que ainda são necessárias.

“É necessário ir além da licença-maternidade. Precisamos de políticas integradas de apoio à maternidade. Primeiramente, destaco a ampliação da licença parental, frequentemente chamada de licença-paternidade”, afirma.

Ela destaca que, atualmente, o companheiro ou companheira tem direito a apenas cinco dias corridos de licença garantidos pela CLT, estendidos para 20 dias se a empresa participar do programa Empresa Cidadã.

“A ausência dessa licença faz com que as obrigações do lar recaiam inteiramente sobre a mulher. […] Iniciar a licença logo após o parto reduz drasticamente todo o tempo que essa família teria para conviver em casa”, avalia.

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