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Com orçamento de R$ 3 mil, cineasta do Grajaú produz filme que já foi exibido em mais de 30 festivais

Com orçamento de R$ 3 mil, cineasta do Grajaú produz filme que já foi exibido em mais de 30 festivais

Enquanto “Ainda Estou Aqui” recebe três indicações ao Oscar, ficção de jovem periférico mostra que a quebrada também faz cinema: “Além das Pipas”, de Thiago Oliveira e do coletivo Várias Fita Filmes, foi financiado com edital da Prefeitura e chegou a evento no Egito

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Tempo de leitura: 7 minutos

Por Marcelo Lino Jr. Edição: Thiago Borges. Fotos: Lucas Souza / Divulgação Várias Fita

Thiago Oliveira, de 25 anos, escreve a própria história ao contar as histórias que vê na quebrada.

Por meio da paixão pelo audiovisual e pelo cinema, o produtor, roteirista e diretor leva suas ideias criativas para o mundo.

“A parte criativa, o roteiro, a criação, é o que mais gosto. Tem diferentes formas de contar uma história e eu busco a melhor forma”, conta.

Ele é integrante do coletivo Várias Fita Filmes, criado com objetivo de produzir conteúdo audiovisual da quebrada para a quebrada. Com o coletivo, Thiago fez seu trabalho mais visualizado até aqui: “Além das Pipas”.

Assista abaixo:

O curta-metragem de ficção foi gravado na Brasilândia, zona Norte de São Paulo, e fala de um garoto solitário que entra num mundo de fantasia e criatividade depois de uma conversa com sua mãe.

No final de 2024, o trabalho foi selecionado para a 12ª Edição do Fórum Urbano Mundial (WUF12), participando da sessão ‘Cinema Urbano’ da ONU Habitat no Cairo, capital do Egito. O evento é um Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, focado em discutir a falta de moradia.

“Eu percebi que a maioria dos filmes, ou muitos filmes nacionais, focam nessa parte da violência na periferia, na favela. Eu acho que é uma realidade que existe em vários lugares. Mas também existem outras coisas além disso, então por que não contar essas outras histórias?”, questiona Thiago Oliveira.

Recém-chegado do Cairo, onde “Além das Pipas” foi transmitido no evento da ONU, o jovem conta sobre as dificuldades de fazer cinema sem o orçamento milionário que os filmes de Hollywood ou as novelas da Globo têm.

O filme de Thiago e seu coletivo foi produzido com R$ 3 mil recebidos por meio do edital Meu Olhar, da SPCine, empresa de fomento ao cinema da Prefeitura de São Paulo, que apoiou 120 curtas.

É o milagre da multiplicação de recursos. Além de produzir, Thiago enfrentou a dificuldade de distribuição da obra. A ideia era expor o filme com o máximo de ferramentas que ele tinha à disposição, por isso inscreveu a obra em festivais infanto-juvenis, de cinema, da cultura negra ou com inscrições até R$ 20.

“Quando terminamos, a gente pensou na melhor forma de distribuir o filme para não deixar ele parado no YouTube. Por isso, a gente foi inscrevendo o curta em festivais de cinema”, conta.

Até o momento, “Além das Pipas” já circulou por mais de 30 festivais. O filme se tornou um sucesso e hoje passa no Canal Futura e está também disponível no aplicativo de streaming GloboPlay. A distribuição do filme foi feita em parceria com Gabriel Gomes, distribuidor independente que ajuda o coletivo.

Vocação

Nascido e criado no Grajaú, Thiago é formado em Administração. No preconceito popular, é um curso de ensino superior destinado a quem não sabe muito bem o que quer fazer de verdade. Mas, no segundo ano desse curso, Thiago já havia descoberto.

“Da minha família, eu fui a primeira pessoa a entrar na faculdade, consegui uma bolsa pelo Prouni. No segundo ano, eu descobri que eu queria trabalhar com comunicação, especificamente com cinema. Eu não desisti da faculdade, porque foi difícil conseguir entrar, e disse: ‘depois, eu me viro’”, conta.

Para entrar na área desejada, o hoje diretor, que se virou muito bem, buscou cursos gratuitos, que era o que conseguia fazer na época. Ele conheceu o curso audiovisual “É Nóis na Fita”, comandado pela atriz e diretora Eliana Fonseca, focado em ensinar sobre as áreas do cinemaa pessoas de todas as regiões de São Paulo, sem custo.

A partir desse curso, Thiago passou a se dedicar verdadeiramente ao que queria.

“Foi nesse curso que eu conheci várias outras pessoas, como a Vitória Teixeira, que foi a fundadora do coletivo [Várias Fita]. Ela me chamou pra fazer parte. Eu falei que tinha vontade de fazer curta-metragem de ficção, de fantasia, e ela me apoiou”, lembra.

É importante ter as pessoas certas ao redor, principalmente num mercado tão difícil como o audiovisual. Quem quer produzir trabalhos de forma independente tem nessas parcerias um ponto de segurança que ajuda a seguir com os trampos.

Mas, além da falta de apoio e patrocínios – e, consequentemente, uma possível falta de grana -, o maior obstáculo de Thiago pode ser ele mesmo.

“Uma das dificuldades é acreditar no próprio potencial. Muitas vezes eu me saboto e falo: ‘não estou tão preparado ainda, não estudei o suficiente’. Só que no meio audiovisual você só aprende fazendo, então, obviamente, daqui cinco anos eu vou estar melhor do que eu estou hoje em dia”, desabafa.

Apoio necessário

Cena do curta "Além das Pipas"

Cena do curta “Além das Pipas”

Sobre a parte financeira, sabemos que os apoios são primordiais, apesar de não serem os valores estrondosos que o grande cinema impõe.

“É um mercado bem caro, então pode ser que em um mês você tenha 3 projetos e no outro você não tenha nenhum. É aquela máxima de se manter, de gerenciar a sua própria carreira, o seu dinheiro”, conta o produtor.

Conseguir custear as câmeras, os atores, a equipe de filmagens e os produtores, além das passagens, hospedagens e alimentação… Tudo isso é bem difícil. Então, o apoio da SPCine foi, sem dúvida, bem importante. Ele mostra que temos muitas potências na periferia e elas precisam de incentivo. No caso de Thiago, para poder contar essas histórias.

“Se o curta-metragem veio através deste edital e está passando em vários festivais – indo pra outro país ao contar uma história – imagina o que faríamos com um valor maior, sabe? Imagina com uma verba de um longa-metragem (risos)…”.

Seria importantíssimo do ponto de vista artístico. E também para conseguir, com a ficção, alcançar mais pessoas e discutir um pouquinho das questões sociais – a solidão de quem é da periferia, suas histórias e seus problemas. Tudo isso com muita criatividade e paixão.

 

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