Por Marcelo Lino Jr. Edição: Thiago Borges
A doçura na voz é uma característica sublime para quem canta, mas é maior ainda quando quem canta é quem proporciona trazer alegria e cultura para as crianças. E isso compõe a identidade de Geraldo Magela Boaventura, o Mestre Magela, que mantém e partilha a música popular brasileira e a cultura dos foliões na periferia de São Paulo.
Nascido em Barra Longa, Zona da Mata de Minas Gerais, Magela acompanhava seu pai organizar as tradicionais “Folias de Reis”, festa tradicional da cultura brasileira. A festa tem origem católica e relembra a visita dos Reis Magos ao recém-nascido Jesus Cristo. Por isso, é celebrada na época do Natal.
“Minha família era bem musical mesmo. Minha mãe era rezadeira e o meu pai trabalhava na roça, mas todo ano cuidava da Folia de Reis (…) Eu ajudava, montava e construía os instrumentos… Fui criado nesse meio”, termina o Mestre.
Aliás, o título de “Mestre” não é por acaso. Formado pela Ordem de Músicos do Brasil e um dos compositores da Cultura Popular Brasileira, Magela começou sua formação na Universidade Católica Paulista, onde estudou Música Clássica. Também estudou no Conservatório de São Paulo e é professor de música há mais de 20 anos.
“Como nós éramos nove irmãos e era difícil cuidar de todo mundo, meu pai me trouxe pra São Paulo no intuito que eu estudasse música e depois voltasse para assumir a Folia de Reis“, lembra o compositor.
Na cidade grande, surgiu o deslumbre de ver tanta gente correndo atrás dos sonhos, os prédios que tocam o céu e a correria antagônica em relação à vida no interior. Barra Longa, segundo o último Censo do IBGE, de 2022, tem 5.666 habitantes, e esse número devia ser ainda menor em 1979, quando Magela se mudou de lá, então com 19 anos.
Os planos do Mestre mudaram pouco tempo depois de chegar na metrópole.
“Um ano depois de eu vir pra cá meu pai faleceu. Então eu acabei trazendo toda a minha família pra cá: minha mãe, meus irmãos, sobrinhos”, conta.
Influência cultural
Para fazer uma diferença tão grande na vida de quem está a sua volta, primeiro Magela começou a dar aulas de música e, ao mesmo tempo, participava ativamente do crescimento de um lugar até então inexplorado.
“Quando eu cheguei de Minas fui morar na Cidade Ademar, ali perto de Diadema. Mas, depois, meu cunhado comprou um terreno no Parque Marabá (Taboão da Serra). Na época, era tudo mato”, conta o compositor.
“Para me dar uma força, ele me presenteou com metade do terreno. Então, a gente foi dividindo o pagamento e as construções”, conta.
Nessa época, Geraldo conta que era hippie e vivia com o dinheiro de apresentações e das aulas. Até 1997, quando passou a viver só da música como professor e artista, ele também trabalhou como vendedor na feira e como garçom em bares e restaurantes.
“É muito sofrimento sobreviver da música em São Paulo. Como já tenho mais de 23 anos nessa vida, então estou mais tranquilo. Já aprendi a chorar menos”.
Magela diz que “passava uma pendura danada” até conseguir quitar o terreno com seu cunhado e terminar de construir a casa para sua família.
Mas em 2001, Geraldo passou a lecionar em diversas casas de cultura espalhadas por São Paulo – no M’Boi Mirim, em Santo Amaro, Campo Limpo e muitas outras. Em 2004, usando o espaço que tem na garagem de casa, idealizou o Candearte, grupo que realiza o trabalho de trazer a arte para a quebrada – e manter viva a cultura de raiz brasileira.
A organização é uma casa de cultura que, segundo sua própria definição, “segue as memórias e o talento do Mestre Magela”.
“Hoje tem vários grupos aqui na redondeza que foram alunos do Candearte. O pessoal saiu daqui e hoje faz Cacuriá, o pessoal de Samba de Coco, a maioria foram de lá. Tudo começou comigo”, conta, orgulhoso. “Hoje em dia sou feliz porque o pessoal já reconhece o meu trabalho”, termina.
Já o samba de coco “surgiu na época da escravidão. Na época da colheita de cana de açúcar, havia uma mistura dos negros e os índios que trabalhavam ali na colheita do coco, né? Quebrando coco e tal. Na batida do machado quebrando coco, nasceu um ritmo, dentro desse ritmo virou o samba”
Referência no território
No bairro onde foi um dos primeiros habitantes, Geraldo passou a ver e sentir a simplicidade e as necessidades das crianças. Num lugar sem muitas opções de lazer e cultura, usou suas habilidades para apresentar maravilhas às pessoas.
Claro que não podia faltar, em todo final de ano, a Folia de Reis. Com o tradicional Boi de Reis – o Bumba-Meu-Boi -, o artista enfeita o bicho com as crianças da quebrada e canta músicas de raíz da nossa cultura para trazer divertimento e conhecimento aos participantes da festa!
“Eu faço um Boi de Reis como homenagem, pra agradecer esse legado que o meu pai deixou e com esse intuito de alegrar as crianças na noite de Natal mesmo. O pessoal do Parque Marabá tinha vida bem simples. Hoje já é uma cidade grande”, lembra o mestre, cheio de emoção.
“É um lugar que tem muitas pessoas do norte, nordeste, mas sem muitas condições. Eu vi as crianças brincando na rua, os pais sem dinheiro para comprar presente, então pensei: ‘o jeito é eu alegrar essas crianças’”.
Por reconhecimento
Fazendo um papel importantíssimo, o educador sente falta da valorização de seu ensino e seus ideais no dia a dia.
“Eu acho que todas as escolas precisam conhecer a força da cultura popular. Ninguém fala da cultura popular, né? A única cultura popular nacional que o povo conhece aqui no Brasil é o samba”, desabafa. “Mas o pessoal já me reconheceu bastante como Mestre da cultura popular. Lógico que tem vários mestres por aí, mas eu sou um que está no meio dessa turma: Que faz cultura popular nesse Brasil e que influenciou muitas pessoas”, termina.
Com conhecimento e energia, uma pessoa é capaz de influenciar a vida de várias: seja na rua, no bairro ou na cidade. Em plena era da globalização, produz e espalha cultura de raiz com a valorização da nossa história. E essas histórias merecem ser ouvidas.
Colaboração, Thiago Borges