Por Anderson Henrique Resende*
O Parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal diz que Todo Poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos…
As leis são a expressão da vontade popular, ou pelo menos deveria ser. A Constituição permite que qualquer pessoa possa fazer um projeto de lei e esse sendo aprovado se transforma em lei. Porém, o modo mais prático para que uma lei seja feita é por meio dos nossos representantes, os políticos.
Uma vez que qualquer parlamentar é escolhido através de voto popular, este tem a obrigação de representar o povo e ele nunca deveria atender aos interesses individuais ou de parcela da população em detrimento de outros.
Uma lei representa um período histórico (econômico, geográfico e finito). Vivemos em uma sociedade de constantes mudanças, portanto as leis devem acompanhá-la. Somos incapazes de prever as necessidades de nossa sociedade daqui a poucos meses, quiçá em anos.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) é uma das formas que permite a alteração de nossa Constituição. Hoje contamos com 88 Emendas Constitucionais.
Para que uma PEC seja aprovada, é necessário todo um processo legislativo, uma vez que se pretende alterar a Lei Maior do País.
Esse projeto é apresentado por meio de um parlamentar ou um grupo de parlamentares, sendo discutida e votada nas duas casas, Câmara dos Deputados e Senado.
Só após a aprovação em dois turnos em cada uma das casas é que ela será aprovada e nem o Presidente/Presidenta da República poderá vetar (impedir) que ela seja promulgada (tenha validade).
A PEC da Maioridade Penal
Desde 1993, a PEC nº 171, conhecida como a PEC da maioridade penal, Projeto do Deputado Benedito Domingos do Partido Progressista do Distrito Federal, aguarda para ser votada, despertando grande interesse da população e da mídia, sendo um tema atual e polêmico.
Muitos acreditam que sua aprovação será a verdadeira panaceia para redução da criminalidade no país.
A proposta tem como objetivo a alteração a redação do artigo 228 da Constituição Federal, permitindo que maiores de 16 anos sejam penalmente responsabilizados por seus atos.
O artigo 228 determina que um jovem menor de 18 anos não poderá responder pela prática de crimes.
Mas por que estabeleceram essa idade? Vejamos algumas outras leis em vigor no país.
O Código Civil vigente determina em seu artigo 5º que: A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil, ou seja, a partir dos 18 anos qualquer pessoa é responsável pelos seus atos na vida civil, seguindo o entendimento da Constituição e Código Penal.
O Código Civil anterior, de 1916, previa que a maioridade se iniciava aos 21 anos, e o Código Civil de 2002 veio para atender às mudanças da sociedade, porém respeitou parâmetros internacionais.
Todos os parâmetros internacionais seguem o que foi determinado na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1989, que criou a Convenção sobre os Direitos da Criança, sendo esta Convenção inserida como lei pelo Brasil em 1991.
Por meio do Decreto nº 99.710/1990, essa convenção determina em seu artigo primeiro que:
Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.
A ONU determinou que a maioridade só começa aos 18 anos. Essa foi uma idade que poderia ser determinada a vários países, pois se compreendeu que a puberdade, primeira formação do caráter, da moral e do corpo físico se completariam nessa idade.
Nosso Código Civil prevê em casos específicos a redução da maioridade civil aos 16 anos, no caso da emancipação, porém essa só é possível para realizar atos na vida civil, ou seja, para organização e responsabilização, podendo celebrar contratos (compra e venda, locação, casamento).
Maioridade segundo o ECA
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069/1990, em seu artigo 1º diz que criança é todo ser humano com 12 anos incompletos, entre os 12 anos e 18 anos será considerado adolescente.
A PEC induz a uma falsa impressão que um jovem poderá cometer crimes sem receber punições. Ocorre que o Brasil adotou o modelo de ressocialização do menor.
A partir dos 12 anos, o adolescente que cometer alguma infração legal deverá ser ressocializado, o jovem que aos 18 anos cometer o mesmo ato infracional, responderá pelo crime e não mais pela infração.
Em São Paulo, a Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (FUNDAÇÃO CASA/SP) deveria cumprir esse papel de ressocialização, porém a realidade é outra.
O Brasil não é o único que adota a idade de 18 anos para a maioridade penal, muitos países adotam essa idade como Argentina, Alemanha, Espanha, Holanda, França, Irlanda, Venezuela, Inglaterra, Croácia, Itália, Japão e México.
A intensão da PEC 171/93
A redução da maioridade penal não diminuirá a criminalidade, que sempre está associada ao tráfico, furto e roubo. Nenhum dos países em que ela foi implantada a criminalidade foi resolvida, pois nos países em que um menor de idade comete atos infracionais (crime só para maiores de 18 anos) a culpa na grande maioria dos casos é do Estado.
Mas você deve estar pensando: É fácil colocar a culpa no Estado.
Voltamos ao início do texto em que dizia que o poder emana do povo e é exercido por meio de nossos representantes. Na ausência de uma alimentação, saúde, escola, habitação de qualidade, como uma criança irá se desenvolver? Quem deve garantir que se alcance o bem estar? A Constituição responde em seu artigo 3º:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Existe a questão do status e vontade do jovem ser inserido em determinado grupo, de poder usar a roupa da marca do momento, ou simplesmente afrontar as leis em ato de rebeldia ou libertação, porém a maioria dos jovens infratores vão para a criminalidade por falta de opção, verdadeira falência do Estado.
A PEC 171/93 atende aos interesses que vão desde empresários que querem o modelo privado das penitenciárias, que por sinal patrocinam as campanhas de muitos dos parlamentares que se mostram favoráveis à redução da maioridade penal, até aqueles que querem o extermínio da juventude periférica, duvidam?
O Estado garante o acesso irrestrito ao sistema judiciário, porém quem possui maior acesso à informação e distribuição de renda poderá usufruir dos melhores meios de proteção legal, ou seja, terá os melhores advogados, e quem são esses jovens?
Saiba você que é a favor da redução da menoridade penal que ela atingirá um rosto determinado, uma região determinada e, principalmente, uma história de vida de privações (alimentação, saúde, ensino e moradia de qualidade) determinada, caso esse rosto não esteja refletido no espelho vire seu pescoço de lado e verá que aquele jovem que não recebe atenção, compaixão, saúde, alimentação, educação, habitação, transporte… poderá ser a próxima vítima.
Essa Lei visa um extermínio: o da juventude periférica.
*Anderson Henrique Resende é advogado.
Redação PEM