Parto tradicional: Parteiras indicam cuidados e benefícios de prática, que tem sido resgatada em periferias

Parto tradicional: Parteiras indicam cuidados e benefícios de prática, que tem sido resgatada em periferias

Brasil tem 60 mil parteiras tradicionais que assistem a 450 mil partos por ano. Saber ancestral, que amplia vínculos familiares e comunitários, requer atenção própria

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Por Paula Sant’Ana. Edição: Thiago Borges. Revisão: Cristiane Rosa

O parto é um momento marcante, considerado um rito de passagem. Existem diversas formas de trazer uma nova vida ao mundo, mas uma das coisas mais importantes é o cuidado, tanto com a pessoa que está gestando quanto com o bebê.

Um dos mais comuns é o parto “tradicional”, feito geralmente no ambiente domiciliar e com o auxílio de mulheres experientes e de confiança da comunidade em que vive, seja em periferias ou áreas rurais.

O Ministério da Saúde estima que existam 60 mil parteiras tradicionais no Brasil, assistindo aproximadamente a 450 mil partos por ano. Elas são responsáveis por 20% dos nascimentos na área rural, incluindo aldeias e comunidades ribeirinhas. Esse percentual chega ao dobro nas regiões Norte e Nordeste.

Marinã, parteira tradicional (foto: arquivo pessoal)

Marinã, parteira tradicional (foto: arquivo pessoal)

“É um dos ofícios mais antigos da humanidade. Desde que existe humanidade, sempre existiu uma pessoa ali que tinha mais experiência para ajudar as pessoas a passar por esse momento tão único”, aponta Marinã, de 32 anos, parteira tradicional e moradora da Serra do Caparaó (divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo).

Anteriormente, usava-se apenas a palavra “parteira”, mas com o tempo profissionais como médicas e enfermeiras obstetras passaram a adotar o termo. Assim, as pessoas atuantes com o saber de povos originários e de África usam o complemento “tradicional”.

É uma prática que vai passando de uma a outra geração, como aconteceu com Marinã.

Indígena do povo puri, grupo pertencente ao tronco linguístico macro-jê de habitação originária no Sudeste do Brasil, ela nasceu em Espera Feliz, na zona da mata mineira, e atuava na área da pedagogia.

Como era concursada, teve o primeiro filho na cidade e não conseguiu gestar e parir como sonhava, inclusive com uso de fraldas de pano. Mas na segunda gestação voltou ao lugar de origem e fez seu parto sozinha. Logo, as pessoas da região começaram a pedir ajuda. Lá pelo quarto ou quinto parto que acompanhou, começou a ser chamada de “parteira da comunidade” e decidiu estudar mais e tornar isso um ofício em sua vida. Há cerca de 4 anos, Marinã é regulamentada pelo SUS.

Ancestral

Desde 2015, em 20 de janeiro comemora-se em todo o País o Dia da Parteira Tradicional. Atualmente, o Ministério da Saúde define como parteira tradicional a profissional que presta assistência ao parto domiciliar baseada em práticas tradicionais e é reconhecida pela comunidade como parteira. Esse acompanhamento deve acontecer antes, durante e após o parto.

O Programa Trabalhando com Parteiras Tradicionais recolocou a melhoria do parto e nascimento domiciliar assistidos por parteiras tradicionais em discussão com estados e municípios, como uma responsabilidade do SUS e atribuição da Atenção Primária à Saúde.

“O saber tradicional é baseado na oralidade. Então, como a gente coloca isso em palavras escritas e não mais em palavras ditas? Para encaixar em uma caixinha”, destaca Jackeline Custódio, 29. Ela é mestre em Políticas Públicas, aprendiz de Marinã e moradora do Sertão de Ubatumirim, em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo.

Jackeline destaca a problemática da regulamentação do ofício da parteira, por conta das particularidades de saberes em cada região. Mas reconhece a importância da medida considerando o cuidado e a proteção.

Jackeline Custódio, aprendiz de parto tradicional (foto: arquivo pessoal)

Jackeline Custódio, aprendiz de parto tradicional (foto: arquivo pessoal)

“Há a necessidade, de fato, de uma regulamentação para proteger tanto a atuação das parteiras e não mais criminalizar, mas também para proteger as mulheres que procuram essas pessoas e saberes. E que possam levantar o histórico dessas parteiras”, completa.

Em geral, o que diferencia o parto na tradição dos demais são as práticas e manejos, baseados nos conhecimentos ancestrais e na medicina natural e conectada com a terra.

Não é uma prática regida em protocolos de instituições hospitalares ou de associações da área da saúde. O proceder vai, então, ser individualizado de acordo com cada família, se atentando às questões físicas, emocionais, energéticas e espirituais.

“Se você entregar esse momento nas mãos de quem não tem essa visão, vai ser tratada como mais uma. Te chamam de ‘mãezinha’ ou pelo número do seu leito. Alguns, que têm um pouco mais de humanidade, tentam olhar a ficha para olhar o nome da mãe e, às vezes, do bebê”, destaca Marinã.

Jackeline, aprendiz de Marinã, viveu um drama pessoal nesse sentido.

Ela já era estudante da parteria tradicional, estava em sua sua segunda gravidez e a ideia era ganhar a filha em casa. Porém, a pessoa que a acompanhava foi negligente e, devido a uma intercorrência, a parturiente precisou ser transferida para uma Santa Casa no litoral norte. Na unidade médica, ela passou por uma cesárea, em um contexto de diversas violências. As situações resultaram na morte da bebê.

Por isso, quando o assunto é parteria tradicional, existe uma tendência de buscar a melhor opção para um parto seguro e tranquilo, que inclui conhecer o histórico e reputação da parteira, o que falam de sua atuação e conversas com a profissional.

Jackeline ressalta que essa busca é importante, mas que não podemos cair em um discurso de responsabilização de quem é vítima – o que em muitos casos acontece com gestantes que têm algum problema nesse processo, precisam recorrer ao hospital convencional e são maltratadas.

“A gente sabe o tanto de violência que as pessoas passam nesse momento de fragilidade. Mas, muitas vezes, isso baliza um discurso de responsabilização a partir do momento em que a gente sofre alguma violência no parto”, observa ela.

Parteiras urbanas

Nábila Pereira, obstetríz

Nábila Pereira, obstetríz

Nábila Pereira, 34, é uma “parteira urbana”, como ela própria se denomina.

Originária do Capão Redondo (zona Sul de São Paulo), no momento ela atua em Araraquara, no interior. Formada em Obstetrícia pela Universidade de São Paulo (USP), única instituição de ensino superior que oferece a graduação no Brasil, a obstetriz destaca o trabalho de profissionais da área.

“A nossa atuação se equipara à da enfermeira obstetra. Então, a partir do momento em que nós estamos formadas, temos aptidão para prestar assistência tanto na contracepção, da gestação e na orientação para quem quer gestar. Acompanhamento de pré-natal, do próprio trabalho de parto e do pós-parto também”, explica Nábila.

As “parteiras acadêmicas” ou “parteiras urbanas” fazem parte do Conselho de Enfermagem, mas é difícil entrar na área.

“Me formei em 2018 e comecei a atuar como parteira domiciliar. Foi a forma que consegui me inserir no mercado de trabalho e começar a atuar na minha área, né? Então, eu atuava enquanto autônoma”, diz Nábila.

Em dezembro de 2022, Nábila foi convocada após passar em um concurso que prestou em 2019. Desde o início de 2023, ela atua como obstetriz na maternidade Gota de Leite.

Pré-natal

Uma das questões divergentes na assistência durante a gestação é que, em geral, as pessoas atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) ou nos convênios particulares fazem o pré-natal em um determinado local e profissional como enfermeira ou obstetriz, com quem desenvolve vínculos. E quando a pessoa vai parir, segue para a maternidade, onde em geral é desconhecida.

O plano de parto é o meio mais próximo de unir as 2 pontas. Trata-se de uma ficha que contém as informações do que a pessoa gestante quer ou não durante o procedimento. Assim, mesmo sem ter acompanhado todo o processo, é possível haver esse cuidado com quem gestou – e com o bebê também.

No SUS, essa assistência é oferecida em hospitais ou em casa de parto. Na capital paulista, por exemplo, existem duas casas de parto. Uma no bairro  de Sapopemba, na zona Leste, e a outra é a Casa Ângela, no Jardim São Luís, na zona Sul.

Geralmente, nas casas de parto são enfermeiras obstetras e obstetrizes que atuam e só realizam partos classificados como de baixo risco. Quando o risco é alto, como pressão alta na gravidez ou se há complicações no parto, a pessoa gestante pode não ser aceita no espaço ou ser transferida para o hospital mais próximo.

Já quem deseja ter um parto domiciliar precisa contratar uma equipe particular. A parteira tradicional geralmente é alguém da comunidade. No caso de equipe com formação acadêmica, em geral a equipe é composta por uma obstetriz, uma enfermeira obstetra e às vezes por uma doula.

“Sempre recomendamos, para parto domiciliar, que essa pessoa tenha um hospital de referência que seja próximo da casa dela. No máximo 30 minutos de distância, pensando nas urgências e emergências”, diz Nábila.

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