Por Julia Vitória. Edição de Thiago Borges. Foto em destaque: Douglas Fontes
“A pandemia voltou”.
Voltou? A mensagem acima soou no grupo de whatsapp como se uma ameaça que estava superada voltasse à tona. Afinal, muita gente já estava na rotina pré-covid, enfrentando transporte público lotado para o trabalho ou aglomerando em praias e festas. Mas a nova variante do coronavírus atacou a sensação de “vida normal” ao colocar muita gente dentro de casa novamente.
No Brasil inteiro, foram 1.972 óbitos registrados apenas na terça-feira (9/3), totalizando 268.370 mortes. Com mais de 500 mortes em um único dia,o Estado de São Paulo já contabiliza 62.101 óbitos e mais de 2,1 milhões de casos de covid-19. Somente na Capital, mais de 80% dos leitos em UTIs estão ocupados. Por isso, desde o último sábado (3/3), São Paulo está na fase vermelha e somente atividades essenciais estão autorizadas a receber pessoas. Ainda esta semana, o Estado deve entrar na fase roxa, ainda mais restritiva.
“As pessoas que não seguem as restrições, eu vejo que estão divididas em 2 grupos com diversas motivações: uns com intenções mais plausíveis, e outras desprezíveis, o que não muda a consequência, que é a proliferação do vírus”, observa Dayse Rafaelle Rodrigues, psicóloga de 36 anos que até dezembro do ano passado morava em Interlagos, zona Sul de São Paulo. Atualmente, reside em Ibiúna (SP) com a família.
Ela, que passou boa parte dos últimos meses em casa, agora sai para atender presencialmente os pacientes que buscam apoio à saúde mental. Não tá suave.
Novos cuidados, velhas desigualdades
Nesta quinta-feira (11/3), faz 1 ano que a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou sobre o risco global ocasionado pelo coronavírus. A pandemia estava declarada.
E, recentemente, várias localidades brasileiras viram seus sistemas de saúde pressionados ou em colapso. Sem perspectiva de vacinação em massa nem articulação do Ministério da Saúde, recorrer ao fechamento do comércio e serviços é a medida mais próxima para tentar frear o contágio.
Para quem já seguia os protocolos sanitários, os cuidados foram redobrados. “Eu procuro sempre me adaptar às mais diversas situações, rever a rotina de trabalho, de estudos e a vida social, porque é uma exceção que estamos fazendo para futuramente conseguir voltar à normalidade”, conta Juliana Cordeiro, de 22 anos, que mora com a mãe no Sacomã (zona Sul de São Paulo).
Mesmo com as restrições da fase vermelha, Juliana continua saindo de casa. Ela é assistente administrativa em uma empresa da área da saúde, que segue funcionando. Juliana segue rigorosamente o distanciamento social, mantém o uso de máscaras e vê com preocupação quem descumpre as orientações.
“As pessoas precisam ter essa responsabilidade, pensar no próximo e ter empatia, é uma forma de você contribuir”, acredita.
O que revolta Andrea Arruda, que é psicóloga como Dayse, é o descumprimento da quarentena por pessoas “endinheiradas”, que podem manter a quarentena mas escolhem furar as medidas de restrição para fazer festas e viagens.
Moradora do Campo Limpo (zona Sul), Andrea permanece em casa desde então com as 2 filhas. Nesse tempo, ela sentiu o peso dos afazeres e a dificuldade de todas conseguirem trabalhar de casa. Com só um computador, ela e as filhas se revezam entre consultas, aulas da faculdade e reuniões de trabalho.
“Meus desafios são muitos parecidos com o das mulheres que atendi”, conta Andrea, que tem 52 anos e prestou suporte psicológico a mulheres periféricas apoiadas nesta pandemia pela Escola Feminista Abya Yala.
Embora não consiga mensurar todas as sequelas emocionais que a pandemia está deixando nas pessoas, a psicóloga lida com um impactos muito palpáveis na vida de muitas mulheres que ela tem acompanhado por meio das consultas.
“A maioria dos relatos é pautada na violência doméstica, no processo de lutas reais ou simbólicas, como desemprego, relacionamentos e na maneira em que vivemos”, completa Andrea.
As mudanças que aconteceram
Como boa parte da população, Dayse teve a rotina revirada do avesso por conta da pandemia. Em março do ano passado, ela correu contra o tempo para reorganizar sua vida e a de sua família, que não ia mais à igreja. Dayse deixou de vender suas trufas, o que ajudava a completar a renda doméstica.
“Separava até quatro horas por dia para me dedicar à educação e entretenimento para as crianças”, conta ela, que tem um filho de 7 e outro de 5 anos, que deixaram de ir à escola.
No dia a dia, Dayse precisou fazer um malabarismo com o relógio para auxiliar nas tarefas escolares das crianças, preparar as refeições, cuidar da higiene e ainda finalizar o último semestre da faculdade de Psicologia, financiado pelo FIES.
O marido dela, que tem uma barbearia, ficou os primeiros meses sem trabalhar. Além de um empréstimo no banco para manter os aluguéis, a família contou muito com a ajuda do auxílio emergencial.
Com o passar do tempo, a rotina relaxou um pouco para manter os boletos pagos.
“Após 2 meses, os atendimentos da barbearia retornaram timidamente com agendamentos prévios e afastamento total da família, já que um membro precisou arriscar a trabalhar,” lembra ela, que trabalhava meio período na administração e nas redes sociais do negócio familiar. “Arriscamos todas as fichas para garantir o sustento da casa durante esse período”.
Mais exposto ao contágio, o marido de Dayse testou positivo para covid-19. Ela teve todos os sintomas, mas não chegou a fazer o exame.
Nesse meio tempo, ela terminou o curso superior e conseguiu um trabalho de meio período como psicóloga em uma clínica terapêutica da região. Muitos pacientes desenvolveram crises de ansiedade e depressão.
A situação se repetiu na própria família dela, quando os pais dela começaram a apresentar possíveis sintomas de depressão. “Tive receio que, pela fragilidade emocional, isso pudesse ser uma janela para baixar a imunidade e eles ficarem mais expostos ao vírus”, explica.
Agora, com o novo lockdown, a barbearia não funciona, mas Dayse continua saindo para trabalhar.
Julia Vitoria, Thiago Borges