Por Aline Rodrigues. Edição: Thiago Borges. Infográfico: Rafael Cristiano
Em 18 de maio de 1973, a menina Araceli foi sequestrada, violentada e assassinada em Vitória (ES). O corpo da menina de 8 anos apareceu depois de 6 dias, carbonizado. Os agressores nunca foram responsabilizados e crianças e adolescentes continuam vitimadas. Anualmente, são mais de 20 mil casos de violência sexual infantojuvenil são registrados no País, segundo a Fundação Abrinq. Por isso, para mobilizar a sociedade brasileira contra isso, 18 de maio foi estabelecido como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
No atual contexto de pandemia, é relevante pautar o que a data propõe e discutir o que podemos fazer enquanto sociedade civil. Afinal, a vulnerabilidade de crianças e adolescentes aumentou, como aponta um estudo de dezembro de 2020 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Instituto Sou da Paz e o Ministério Público do Estado de São Paulo.
Isso se deve principalmente por conta do fechamento das escolas e de outros lugares que apoiam na construção de vínculos de confiança com adultos fora de casa. O estudo analisou dados de registros de ocorrência de estupro de vulneráveis feitos pela Polícia Civil do Estado de São Paulo entre janeiro de 2016 e junho de 2020. E o início do isolamento social é evidenciado como fator importante para a queda brusca de denúncias. O total de registros caiu 15,7% no primeiro semestre do ano passado. Em maio de 2020, caiu em 39,3% comparado ao mesmo período de 2019.
Infelizmente, a queda nas denúncias não indica mais proteção de crianças e adolescentes, já que no mesmo período o registro de situações desse tipo ocorridas em residências do Estado de São Paulo correspondia a 84% do total de casos notificados (superando o maior dado registrado em anos anteriores que foi de 79%).
Em meio a pandemia, é possível observar 2 contextos vividos por vítimas de violência sexual, sendo abuso ou exploração (quando há troca comercial envolvida). O primeiro é que a casa não é segura para muitas crianças e adolescentes e “estar em casa é muitas vezes estar na companhia do agressor ou da agressora sexual”, observa e psicóloga e educadora Elânia Francisca, que também é pesquisadora nas temáticas de sexualidade infanto-juvenil e pedagogias marginais em sexualidade.
O outro contexto é que, estando mais tempo em casa, “se tem a possibilidade de contar para o pai, para a mãe ou para qualquer outro familiar que ela sofreu algum tipo de violência seja dentro ou fora de casa”.
Olhar atento para identificar casos e prevenir
Como adultos responsáveis, é preciso observar a frequência e a junção de características que podem significar que algo de errado está acontecendo com crianças e adolescentes.
A mudança brusca de humor é um exemplo importante. Se a criança sempre foi mais quieta e reservada e, de repente, passa a falar com todo mundo, isso é um sinal de alerta. O contrário também pode ser um sinal: alguém que era bastante expansiva, agitada e de repente se retrai. Deixar de gostar de lugares que adorava ir ou de pessoas que antes gostava e agora evita sempre podem ser pontos de atenção que valem uma conversa e até perguntar se há o interesse da criança ou adolescente falar com alguém fora do ciclo familiar, uma psicóloga por exemplo.
No caso de adolescentes, Elânia chama a atenção que “as mudanças bruscas podem ser sinais da puberdade e não necessariamente um sinal de violência”. Por isso, observar e conhecer a rede de afetos pode apoiar na prevenção ou na constatação de algo que possa estar errado.
Marcadores sociais podem colaborar para expor ainda mais uma pessoa a violências diversas e “toda vez que a gente olha para um ser humano enquanto objeto, enquanto coisa, enquanto não gente, a gente não pensa a proteção dessa pessoa”, lamenta a psicóloga e educadora da Sexualidade Aflorada – iniciativa que promove o direito ao desenvolvimento sexual saudável de crianças e adolescentes em periferias de São Paulo.
“Da mesma forma que mulheres cisgênero adultas, mulheres e homens trans, pessoas não bináries, a violência contra esse público tem aumentado durante a pandemia, isso é uma expressão de uma violência que já existia – e as crianças e os adolescentes também estão vivendo situações de muita violência e vulnerabilidade”, observa Elânia.
“Imagina só se você é uma criança trans, com deficiência, negra e periférica! A quantas violências esse corpo está exposto nessa pandemia?.
Por uma sociedade para crianças e adolescentes
Profissionais da saúde, da educação, da assistência social, mas também amigos, familiares, amigos e vizinhos: todos são responsáveis por garantir o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, conforme prevê o Estatuto. O problema é que, se nós adultos não enxergamos esses indivíduos como dignos de direitos e como pessoas que têm desejos, pensamentos, vontades que precisam ser respeitados, a gente tende a impor nossas vontades à vida infanto-juvenil.
“Se fôssemos uma sociedade protetiva, nós enxergaríamos a criança e o adolescente como pessoas que merecem proteção e não como objetos que têm donos, os adultos no caso”, alerta Elânia.
Para Elânia, é importante admitir que vivemos uma sociedade “adultocêntrica”, e que portanto tem o adulto como centro das decisões de tudo. “É em nome do desejo do adulto que a gente constrói prédios e ruas na estrutura que construímos. A, a gente constrói uma cidade que não contempla criança e adolescente”, destaca.
Para ela o caminho é criar uma cultura anti-adultocêntrica. É preciso pensar em todos os espaços como possíveis de receber e acolher uma criança. É olhar para criança e adolescente enquanto sujeito de direito e como uma pessoa que tem desejos, pensamentos, vontades, e que está em uma fase peculiar de desenvolvimento e seu corpo não deve ser usado como objeto.
Aline Rodrigues, Rafael Cristiano
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