Silvani Chagas mora em um lugar com energia elétrica, transporte coletivo, escola e posto de saúde mantidos pelo poder público. Curiosamente, a maior porte da população não espera as autoridades para obter o item primordial para a vida humana: a água.
“Desde sempre, usamos água de poço aqui”, diz Silvani, 20 anos. Há 11 anos, ela mora com a mãe, três irmãos e três sobrinhos no Barragem, bairro a cerca de 40 quilômetros do centro de São Paulo, no distrito de Parelheiros, Extremo Sul da cidade. “As famílias usam poço mesmo. Algumas pegam água na bica”, continua.
Apesar de abrigar uma área de proteção ambiental, às margens da represa Billings e com rios e nascentes próximos, a região também sofre com a seca.
“Por causa da grande falta de chuva muitas casas ficaram sem água, pois como sabemos a chuva abastece os lençóis freáticos”, observa Bruno Souza, 20, amigo de Silvani e que também depende da água de poço.
Mesmo bairros com abastecimento estabelecido pela Sabesp sofrem com a falta de água bem antes da palavra “racionamento” cair na boca do povo. É o caso do Recanto Campo Belo, localizado em Parelheiros, onde estima-se que moram cerca de 30 mil pessoas.
“Essa crise torna o discurso de toda a população mais homogêneo, mas a gente já conhece essa situação há muito tempo. Por isso, muitas pessoas até hoje não aterraram seus poços porque sabem que vai faltar água. É quase cultural”, diz a mestranda em geografia Leia Chrif de Almeida, 29.
Na seca, cercados de água por todos os lados
Na Ilha do Bororé, que na verdade é uma península às margens da represa Billings localizada no distrito do Grajaú, água encanada é lenda.
Moradora do bairro há 18 anos, a dona de casa Sonia Conceição Amorim, 50, sempre usou água de poço. O líquido que brota a 18 metros de profundidade já sobrou e a dona de casa bombeava água até quatro vezes por dia.
Mas as coisas mudaram e, hoje, Sonia faz seu próprio racionamento: só tira água do poço dia sim, dia não. Mesmo assim, a água sai barrenta na torneira.
Como tem chovido pouco, o nível da represa Billings caiu. Consequentemente, os poços também estão secando. Se o governo estadual utilizar o reservatório para abastecer outras regiões como prometera, a situação deve se agravar ainda mais.
Segundo o comerciante José Vieira, 49 anos, quase metade dos moradores da península já sofrem com a falta de água nos poços – e nem todos têm dinheiro para cavar buracos maiores.
“No mês passado, o poço do bar secou e a bomba queimou porque só puxava lama”, diz ele, que mora há 12 anos na Ilha do Bororé.
Moradora há cinco anos do local, a comerciante Tatiana Tomé, 32, viveu um ano com água emprestada do vizinho enquanto construía um poço semi-artesiano com 90 metros de profundidade. O investimento de quase R$ 10 mil valeu a pena. Atualmente, é Tatiana quem empresta água.
“Aqui somos nós fazendo por nós mesmos, porque a Sabesp nunca deu assistência: não temos água encanada, nem saneamento básico nem teste de qualidade”, ressalta Tatiana.
Sem acompanhamento, boa parte dos poços da Ilha estão contaminados com sulfato de alumínio e coliformes fecais. Para amenizar a situação, os moradores adcionam cloro, fervem e filtram a água antes de consumir. O nível de pureza chega a 60%.
Outro problema enfrentado na Ilha do Bororé é a recorrente falta de energia elétrica, que prejudica o abastecimento de água. Como as bombas dependem de eletricidade para mandar água dos poços para as caixas, quando não tem energia a população também fica sem água. Recentemente, o bairro ficou cinco dias sem energia elétrica.
Outros meios
Apesar de ter uma nascente no fundo do terreno onde cultiva frutas e verduras, o agricultor Jaison Pongiluppi Lara, 23, mantém a fonte natural intocada. Nascido na Ilha, ele atua como sempre fez a população local diante do vazio de atuação do poder público: cria as próprias alternativas.
Jaison pretende construir uma cisterna para acumular o pouco que chove para irrigir sua plantação. Outra preocupação é construir uma fossa de evapotranspiração impermeabilizada. Atualmente, a maior parte das fossas usadas na Ilha do Bororé têm 10 metros de profundidade e sem impermeabiliação – o que representa risco de contaminação do lençol freático.
“Temos que fazer isso porque a gente não sabe se a Sabesp tem planos de ligar sua rede na região. Pelo menos, poderiam trazer técnicos para auxiliar na construção de poços ou meios alternativos de saneamento”, observa Jaison, que resigna-se. “Mas a gente sabe que a Sabesp não atende o interesse público, só o lucro. Se não tiver lucro, não interessa pra eles”.
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Thiago Borges