Reportagem de Camila Lima, com colaboração de Thiago Borges (fotos e edição de texto). Matéria originalmente publicada no UOL Ecoa, por meio do Selo Plural
Shows, discotecagens e campeonatos de poesia acompanhados de petiscos, lanches e pratos sob encomenda. No intervalo dos eventos, dá para conferir livros, acessórios e roupas de marcas locais em uma loja colaborativa. Essa é a proposta da casa Sankofa Hub para movimentar a economia criativa no distrito do Grajaú, periferia da zona Sul de São Paulo (SP), com a flexibilização da pandemia da covid-19.
O espaço físico é a sede da rede Nois por Nois, criada para articular e capacitar pequenos negócios na região com feiras e formações. Desde que foi criada em 2016, mais de 3 mil empreendimentos foram impactados. A casa foi aberta em 2021 para concentrar as ações da rede, ainda que na fase crítica da pandemia e com público limitado. Com a vacinação e menos restrições, o local mudou de ponto e foi reaberto em novembro. Nesses últimos 6 meses de operação, mais de 2 mil pessoas passaram pelo local.
“É um lugar de completo acolhimento na quebrada, sendo uma opção para passar um tempo, visitar, socializar, viver as experiências das lojas colaborativas e das comidas afetivas”, analisa a advogada Nathalia Santos, 30, que mora na região e conheceu a casa no final de 2021.
Apoio aos pequenos
Segundo uma pesquisa do Sebrae de junho de 2021, 29% dos microempreendedores individuais (MEIs) fecham as portas antes de completarem 5 anos de operação. É a maior taxa de mortalidade dos negócios, que chega a 21,6% entre microempresas e 17% entre as de pequeno porte. O estudo diz ainda que 43% empreenderam por necessidade.
Para auxiliar na manutenção e ampliação dos negócios locais, o Sankofa Hub tem fomentado a venda de produtos e serviços de alimentação orgânica, gastronomia, moda, autocuidado e literatura, entre outros. Além de eventos, a casa também oferece roteiros turísticos e cursos de empreendedorismo.
Segundo Barbara Terra, fundadora e gestora da rede Nois por Nois, uma das maiores dificuldades dos microempreendedores tem relação com a educação financeira. “Falta separar contas bancárias pessoal e jurídica, pensar investimento a longo prazo, sustentar de fato a ideia do negócio”, explica.
Outra pesquisa do Sebrae também aponta que 48% dos MEIs no Brasil são mulheres. Porém, entre elas, o índice de brancas que empreendem por necessidade é de 35%, enquanto entre as negras isso sobe para 51%. Com foco no território periférico, a Nóis por Nóis mapeou 65 mulheres empreendedoras da região durante a pandemia e traçou estratégias de atuação e educação para elas.
As participantes passaram por oficinas e imersões em temas que vão desde o entendimento do fluxo de caixa até formalização e gestão de equipe, passando por construção da marca, fotografia de produtos e divulgação nas redes sociais.
Segundo Bárbara, a experiência da pandemia reflete uma característica da “matrigestão”, um saber inspirado em filosofias africanas que visa a potencialidade feminina para gerir e garantir a prosperidade nos negócios, ao mesmo tempo em que se atenta aos cuidados de quem participa de todo o processo.
Por isso, ela explica que a saúde mental de quem participa da Rede também foi uma preocupação, e a Nois por Nois promoveu encontros on-line para falar do assunto e manter a interação entre o grupo.
Uso compartilhado
Na Sankofa Hub, cada cômodo da casa tem uma função e é de uso compartilhado, com valores que vão de R$ 45 para fazer uma reunião de 2 horas a R$ 600 pela utilização da cozinha ao longo de um mês.
Na garagem funciona o Brechó do Monkey, tocado por Ivan Tadeu, 31. As araras exibem camisetas, bermudas, calças e paletós que passam por uma curadoria. Depois de selecionar e fazer possíveis ajustes, Tadeu coloca os itens para venda a partir de R$ 20. Nas formações da rede, ele aprendeu a precificar os produtos, quanto investir nas peças e como manter o negócio funcionando.
Semanalmente, Tadeu também organiza um evento de música com participação de DJs e MCs locais. As atividades atraem o público e alavancam as vendas não só do seu brechó, mas também de outros empreendedores que participam da loja colaborativa que funciona na sala de estar. As prateleiras exibem roupas, livros, quadros e outros produtos de marcas do Grajaú, de outros estados, como Bahia, e até de outros países, como Senegal.
Ao lado, a cozinha colaborativa recebe projetos pontuais e é ocupada na maior parte do tempo pela Sabores Divinos. O negócio foi criado pela ex-funcionária pública Mara Luiza Oliveira, 57, que resgata receitas caseiras. “No começo [do negócio], era tudo misturado. O dinheiro saía do meu bolso para fazer os alimentos. Mas aprendi na prática o que deve ser da Sabores para reinvestir nesse negócio”, diz.
No andar superior, uma sala é utilizada por Diogo Emanuel, da Boom Box, salão de beleza que trabalha cortes e penteados de estética afro e periférica. Coletivos, organizações e empreendedores locais também alugam o espaço.
“Só fui entender o modelo de negócio através do estreitamento da relação com a rede Nois por Nois”, explica Diogo. Com o fechamento do estabelecimento no início da pandemia, estar na Rede foi uma forma de manter a articulação e fortalecer a marca, explica.
Durante a produção desta reportagem, a Periferia em Movimento acompanhou um workshop sobre a importância da formação de redes para empreender. Entre as participantes estava Adriana Menezes Fernandes, de 29 anos. Com formação em Pedagogia e experiência no mercado financeiro, ela deixou o trabalho fora de casa em 2014 para se dedicar à maternidade. O marido segurou a onda nesse período.
Depois de 8 anos e com dois filhos menos dependentes, Adriana optou por empreender para ter mais flexibilidade na rotina. “Eu tenho algumas ideias, mas vim para o curso hoje para entender como colocar em prática, por onde começar, o que fazer”, diz.
Um trajeto com idas e vindas
Apesar de toda a movimentação da Sankofa Hub, a conta para manter a iniciativa ainda não fecha. “A ideia é que o espaço se pague sozinho e estamos correndo atrás para fortalecer a loja e promover eventos. Por isso, temos desenhado estratégias de comunicação para engajar a comunidade”, destaca Bárbara Terra.
Atualmente, as ações do grupo são financiadas pelo Fomento à Cultura da Periferia, política pública de origem popular executada pela Prefeitura de São Paulo para bancar iniciativas fora do mercado nas bordas da cidade. Com o programa, Bárbara paga a estrutura do espaço.
Os custos mensais variam de R$ 3 mil a R$ 3,5 mil, com aluguel, contas de água, luz e internet, manutenção e compra de itens de uso geral da casa. Além disso, é preciso remunerar a equipe, contratar oficineiros e consultores.
“O caminho da prosperidade deste lado da ponte não segue necessariamente em linha reta nem para cima. É um trajeto com idas e vindas, avaliações e adaptações para seguir o rumo”, reflete Bárbara.
Camila Lima, Thiago Borges