No Extremo Sul, artistas criam espetáculo a partir da “falta”

Grupo 011 une dança e teatro para abordar a relação do tempo em nossas vidas e a distância entre centro e periferias

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“O Borba Gato espia o Centro. Meu Rio Bonito segue cinzento. Vai navegando pra Parelheiros, Jardim Noronha, pra Zona Sul, a lotação-navio negreiro. Novas senzalas do Grajaú”.

Os versos acima descrevem percursos diários de quem atravessa a cidade de São Paulo e compõem uma das cenas de “Todos são Paulo”, espetáculo de teatro e dança do Grupo 011, do Extremo Sul paulistano.

A partir de uma discussão sobre a relação do tempo em nossas vidas e a distância entre centro e periferias, os artistas trabalham com as “faltas” vivenciadas por eles próprios e nós, os demais moradores: falta de tempo, de estrutura, de direitos.

E é sobre essas faltas que vamos falar em mais uma reportagem do “Cultura ao Extremo”, projeto realizado com apoio do programa Agente Comunitário de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo que tem o objetivo de mapear e visibilizar as manifestações culturais no Extremo Sul.

Para saber mais e participar também do projeto, clique na imagem abaixo ou responda ao questionário no final da matéria.

banner_ Cultura ao Extremo

A “falta” está no gene do grupo, formado no final de 2011 no CEU Vila Rubi, região do Grajaú. Todos os integrantes participavam do Vocacional, um programa de expressão artística mantido pela Secretaria Municipal de Cultura.

Como acontece anualmente, o Vocacional entra em recesso de quatro meses em janeiro. Diante dessa “falta” de atividades, artistas vocacionados de dança e teatro iniciaram uma pesquisa sobre a cidade de São Paulo que resultou no Grupo 011 – uma analogia ao prefixo telefônica da cidade.

Formado por Carlos Lourenço (60 anos), Carlos Resende (57), Bruno Buda (24), Felippe Peneluc (22) e Alice dos Santos (18), o grupo se aproveita da própria formação heterogênea para apresentar a diversidade de olhares e realidades e as contradições urbanas da metrópole paulistana. O resultado é a peça “Todos são Paulo”, com músicas, movimentos e personagens inspirados na interferência de determinados espaços da cidade na vida das pessoas.

O trem, o ônibus, a violência cega… Cercada por marginais, as periferias não alcançam o centro de São Paulo senão para trabalhar. O bandeirante Borba Gato é o vigilante da ordem, hoje muito vivo nas ações policiais.

Em 2013 e 2014, com apoio do Programa VAI, o Grupo 011 circulou com essa narrativa por outros CEUs. E, mais uma vez, a “falta” embarreirava a passagem dos artistas.

Sem datas disponíveis para utilização do teatro nos centros educacionais, encenaram onde dava: nos corredores, nas quadras, à beira da piscina.

“Ao ar livre, temos outras possibilidades: há desde o público que segue todo o percurso até aquela pessoa que tá de passagem, assiste uma cena e vai embora”, observa Felippe Peneluc.

Como outras companhias de artes cênicas das periferias, libertar o espetáculo das quatro paredes do auditório é também uma forma de encontrar o público.

“O que atravessa a gente são as discussões sobre preconceito, violência policial, cidadania. E acreditamos que a democracia fundamental é a distribuição de renda”, nota Carlos Lourenço, 60. “A gente quer discutir o que nos atravessa, as nossas angústias, e com os nossos iguais”.

Não por acaso, o próximo espetáculo do grupo também pretende explorar novos espaços do CEUs. Previsto para estrear em novembro, “Em busca da revolução romântica” aborda o período sombrio da ditadura militar e o desejo estranho de parte da sociedade brasileira pela volta das Forças Armadas ao poder a partir do romance entre Carlos Lamarca e Iara, embalados pelas poesias do guerrilheiro urbano Carlos Marighella.

Novamente, a “falta” – dessa vez, de recursos – surge diante dos artistas, mas não deve impedir a estreia em novembro. “A gente vai buscar meios onde for preciso, porque a gente faz porque gosta e precisa”, completa Lourenço.


Tudo sobre…

Grupo 011

Região de atuação: Grajaú

Desde quando atua: 2012

Linguagens: Teatro e dança

Temas abordados: Arte e cultura, Direitos humanos, História e memória local

Público principal: Jovens e adultos

Critérios para participação: Nenhum

Com quem se articula: Artistas locais

Como se mantém: Recursos próprios, Editais públicos

Maiores dificuldades enfrentadas no dia a dia: Recursos financeiros, Espaço físico para atuação, Divulgação, Apoio do poder público, Tempo para dedicação ao trabalho

Contatos: [email protected]


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