“Meu nome é Correria”: da luta por direitos à geração de renda, articuladores fomentam redes periféricas

“Meu nome é Correria”: da luta por direitos à geração de renda, articuladores fomentam redes periféricas

Trabalhadores, militantes, educadores, artistas, empreendedores… Muitas palavras cabem na definição do que fazem os personagens acima. Mas a mais certeira é a de “articulador”, central para transformar a realidade.

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Aos 11 anos, Alânia Cerqueira já percorria os mercadinhos do bairro pra pedir doações pra fazer a festa junina. Aos 15, Tigone conheceu o graffiti, vários educadores e um universo de possibilidades de existência no mundo. MMoneis também se encontrou no Hip Hop e, por gratidão à linguagem das ruas, busca devolver o conhecimento adquirido pra quebrada. E Renato Rocha constrói um futuro em que as periferias sejam sustentáveis.

Trabalhadores, militantes, educadores, artistas, empreendedores… Muitas palavras cabem na definição do que fazem os personagens acima. Mas a mais certeira é a de “articulador”, central para transformar a realidade.

Dos movimentos populares que brotam da mobilização por melhorias às iniciativas culturais que manifestam identidades até a criação de empreendimentos e novos meios para geração de renda, quem tá nos corres junta pontas e faz a parada acontecer.

“A vida é tratamento: saber chegar, saber sair, criar situações onde a vitória é inevitável”, observa MMoneis, o vulgo de Rafael Gomes. “Cada favelado é um universo em crise”, ele reflete, repetindo o famoso verso dos Racionais MCs na música “Da Ponte Pra Cá”.

Entre as características que ele e os demais entrevistados apontam para desempenhar esse papel, estão o respeito pela trajetória do outro, a empatia, a lealdade e a transparência. “É se reconhecer nessas outras lideranças e nas caminhadas particulares de cada um, e perceber que tudo o que precisamos está no território”, complementa Renato.

MMoneis (Foto: André Bueno)

Tecer a rede

Cria de ONGs, desde os anos 2000 Renato tá por aí, pra cima e pra baixo. Nas aulas de percussão durante a adolescência, entendeu a possibilidade de conectar diversos agentes locais. “Essa percepção veio desse momento em que liderava um grupo de percussão, com responsabilidade e afeto ao mesmo tempo”, recorda-se.

Hoje, Renato percorre organizações sociais, participa de reuniões em fóruns e associações da Zona Sul de São Paulo. Figurinha carimbada, é conhecido pelo trabalho que desenvolve com o Coletivo Dedoverde, uma iniciativa que desenvolve soluções ambientais nas periferias.

Mais do que isso, implementa hortas de ervas, temperos e flores, como a parceria voluntária no CEU Casa Blanca; articula agricultores do Jardim Ângela; e trabalha com outros agentes ambientais para fortalecer o primeiro instituto de meio ambiente artificial sustentável da periferia.

Para Tiago Morais, mais conhecido como Tigone, o processo também foi natural. Por meio da arte, ampliou a circulação pelo Extremo Sul da capital paulista, conheceu mais pessoas e ganhou responsabilidades.

“A partir do momento que a gente se vê gerando resultados, isso nos traz uma autoestima e vontade de ir além dos desafios que aparecem”

Tigone

Atualmente, Tigone e outros parceiros desenvolvem o Studio Salve Selva, um espaço no Grajaú que cria e aplica metodologias de arte-educação em organizações sociais; está criando o selo musical Raízes da Cidade com o produtor Lindemberg Oliveira; e articula a Rede UniGraja – Universidade Livre Grajaú, com outros 08 coletivos locais.

Tigone (Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

Com Alânia, não foi diferente. Desde criança, ela já mobiliza a comunidade. Mas teve que dar um tempo quando começou a trabalhar ainda adolescente. Passou 15 anos no ramo da construção civil e, ao ficar desempregada, voltou novamente os olhares para o território. Retomou algumas ações na Casa Popular de Cultura do M’Boi Mirim e, em 2012, fundou a produtora Macambira Sociocultural.

Alânia faz muitas coisas: é percussionista e dançarina do coletivo Umoja, onde também produz as ações da Noite dos Tambores, articula cortejos, oficinas e palestras em escolas e espaços socioculturais da cidade de São Paulo.

Além disso, ela facilita metodologias em educação empreendedora em diferentes programas do tipo nas periferias de São Paulo; articula rodas de conversa do coletivo Fora de Frequência, constrói o Círculo de Experiências em Educação Popular Paulo Freire Vive com o Centro de Direitos Humanos e Educação Popular – CDHEP Campo Limpo; e ainda compõe o Grupo de Formação e Educação Empreendedora da Rede São Luís, que reúne dezenas de iniciativas locais.

“É preciso ter respeito pelas práticas realizadas, sem isso não se junta as pontas”.

Alânia Cerqueira

MMoneis se reconheceu nessa função ao sentir a necessidade de devolver pra quebrada tudo aquilo que recebeu e formou seu caráter. Hoje, além de trabalhar como produtor de trilhas em uma editora e apresentar o programa web “Guetonomia”, junto à cantora Denise Alves e um professor de economia da Fundação Getulio Vargas, ele movimenta a cena cultural.

No centro da capital, ele organiza uma noite de ritmo e poesia underground. E, com intuito de difundir o rap no Grajaú, faz a festa MMoneis convida, que já chega a duas dezenas de edições. Seu quarto trabalho gravado, o EP AM:PM, reflete sobre a vida na metrópole. Ouça abaixo:

Os nós

Na ausência do Estado e escassez de políticas públicas às quais moradores de periferias têm acesso, a correria é fundamental pra botar comida na mesa, pagar os boletos e mudar a realidade. Sem romantizar, mas entendendo que há um aprendizado na sobrevivência. Por isso, a trajetória nos movimentos também repercute no fazer cultural e na busca pela própria renda.

“O diálogo entre os mais diferentes serviços é uma maneira eficaz de garantir a multiplicidade de atores na propagação da cultura nas periferias e uma certa influência de um para o outro no modo de gestão”, observa MMoneis.

Para Tigone, o importante é não se limitar e sim ampliar o que já é feito nas lutas que temos na quebrada, com auxílio da tecnologia e de outros agentes. “A articulação em rede tem me enriquecido devido às trocas com outros agentes, que trazem as suas experiências e criam metodologias de articulação que vêm gerando resultados significativos na quebrada”, conta.

Renato Rocha, do Dedoverde

Renato entende que cada espaço tem seu ritmo e, quando se fala em empreendedorismo, há uma certa “glamourização” do conceito nas próprias periferias e da apropriação de alguns conhecimentos e práticas dos empreendedores locais – e é preciso olhar para isso com cautela.

Por isso, Alânia aponta a importância de ser observador, presente e colaborativo. “Somos muito criativos. As ideias inovadoras aparecem nos momentos formais e informais, mas é complicado não reconhecer o apoio em suas diferentes maneiras”, explica.

No fim das contas, apesar do repertório de quem tá em cada ambiente ser diverso, são grupos sociais recortados por diferentes aspectos de luta e resistência. “Percebo que todos têm foco nas violências geradas pelas tão conhecidas ausências dos territórios periféricos”, conclui Alânia.

5 Comentários

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  2. […] na quarta-feira (16/10), a Periferia em Movimento e o Salve Selva abordam quem conta nossa história na vivência “Muros e Redes: Construção de narrativas […]

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