Texto por Thiago Borges. Idealização: Lucimeire Juventino. Reportagem: Lucimeire Juventino e Wilson Oliveira. Roteiro e edição: Evelyn Arruda, Pedro Ariel Salvador e Thiago Borges.
Bem, amigos da Periferia em Movimento: vamos contar a história de uma mulher que calçou as chuteiras, vestiu a camisa e entrou literalmente em campo por um futuro melhor para jovens da periferia de São Paulo.
Enquanto as meninas da seleção brasileira de futebol feminino se preparam para disputar a Copa do Mundo, que começa nesta sexta-feira (07/06), na França, por aqui a gente fala de Isildinha Alves dos Santos – mais conhecida como Dona Zilda pelos campos de várzea do Extremo Sul de São Paulo. No final dos anos 1980, ela fundou o “Força Jovens”, juntou a molecada (só do gênero masculino) no Jardim Mirna e enfrentou os olhares tortos da macharada do bairro que dizia que treinar time de futebol não era coisa pra mulher.
Dona Zilda é a personagem do quarto episódio de “Matriarcas”. Idealizada pela escritora e professora Lucimeire Juventino e realizada pela Periferia em Movimento, nesta série de reportagens contamos histórias de mulheres que cavaram os alicerces de lutas por direitos que continuam fortes até os dias de hoje.
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Saiba mais sobre a história de Dona Zilda
Nascida em 1959 no bairro de Indianópolis, perto do Aeroporto de Congonhas, Zilda viveu de favor na casa de outras famílias até os 15 anos de idade. Aos 15 anos, ela começou a trabalhar e logo conheceu um rapaz, com quem namorou e se casou. Os dois pagavam aluguel e tinham acabado de ter uma bebê. “Aí, tinha um senhor que ofereceu um terreno pra gente”, lembra ela.
O pedaço de terra ficava no Jardim Mirna, um loteamento novo que estava sendo ocupado no Grajaú, Extremo Sul de São Paulo.
“Era muito mato aqui em 1976, tinha uma dificuldade muito grande, mas a gente topou. A gente veio pra cá, fez um barraquinho”
Dona Zilda
Naquela época, faltava tudo: de escola a posto de saúde, de asfalto a energia elétrica. Mas neste pedaço de chão, Zilda ampliou a prole para 05 filhos. Destemida, enfrentou o marido quando ele começou a agredi-la fisicamente. Ele foi embora e ela ficou com fama de “mulher da vida”, em uma época em que o divórcio era tabu e a violência doméstica era tolerada.
Para sustentar a família sozinha, a filha mais velha cuidava dos mais novos enquanto Zilda trabalhava com faxina. Mesmo assim, teve tempo e sensibilidade para perceber que era preciso ir à luta pelas melhorias do bairro – e o que faltava ali era uma área de lazer pra molecada.
A própria Zilda reuniu outros moradores para capinar um terreno abandonado, que servia de depósito de lixo e era utilizado como desova de cadáveres. O espaço foi transformado em um campinho de futebol e, em 1989, Zilda criou o Força Jovens – seu próprio time de futebol, com três modalidades para crianças, adolescentes e jovens.
Conhecida na várzea local, todo domingo de manhã Zilda lotava uma perua para disputar campeonatos com a molecada em diferentes campos do Extremo Sul. Não era simples: visto como “coisa pra homem”, os técnicos dos times rivais não aceitavam perder para uma equipe treinada por uma mulher. “Eu era muito feliz, mas os homens não aceitavam, não”, recorda-se ela, que treinou o time até 2008.
Mais do que técnica, Zilda era amiga, conselheira, terapeuta… Hoje, seus ex-jogadores já são adultos e reconhecem seu papel na sua formação enquanto cidadãos.
As lutas não pararam por aí. Zilda se engajou com outros moradores, por exemplo, na conquista da Unidade Básica de Saúde (UBS) local), batendo na porte de gabinetes de vereadores na Câmara Municipal e em reuniões na Prefeitura de São Paulo. Em mais de quatro décadas, as melhorias foram muitas e visíveis, apesar de faltar bastante coisa no Jardim Mirna.
Entretanto, o que mais preocupa Zilda são as perspectivas para a juventude de quem ela tanto cuidou. Cortes na educação e as altas taxas de desemprego e violência fazem com que ela desacredite num cenário que já apresenta poucas oportunidades – e a gente concorda:
“Que futuro nossos jovens vão ter?”.
Redação PEM