Com crescimento de presença feminina sobre duas rodas, motociclistas compartilham dicas de segurança no trânsito

Com crescimento de presença feminina sobre duas rodas, motociclistas compartilham dicas de segurança no trânsito

Número de mulheres que possuem CNH categoria A praticamente dobrou entre 2012 e 2022 e já correspondem a cerca de 30% do total de pessoas habilitadas a pilotarem motos. Exposição à vulnerabilidade aumenta e é alvo de campanha por segurança no trânsito

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Por André Santos. Edição: Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano

“Já passei por alguns acidentes, nenhum grave graças a minha velocidade e uso dos equipamentos de segurança. No último acidente, eu estava parada no farol e um carro me derrubou, foi um baita susto. Ele estava usando celular enquanto dirigia e não viu o farol fechado e nem a moto parada, não viu nada na frente dele. Mas consegui ir embora pilotando”.

A fala de Eliana Malizia, de 45 anos, é um retrato da realidade de muitas pessoas que utilizam motocicletas como um instrumento de trabalho.

A imprudência de motoristas no trânsito é sempre um ponto de alerta, e por vezes gera medo e insegurança, sobretudo para motociclistas. Os acidentes com esse grupo de pessoas correspondem a 30% dos 390 mil casos fatais envolvendo transportes terrestres, de acordo com o “Balanço da 1ª década de ação pela segurança no trânsito no Brasil e perspectivas para a 2ª década” estudo promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, divulgado em agosto de 2023, que analisou o número absoluto de mortes por acidentes de trânsito entre 2010 e 2019.

Eliana Malizia, criadora do movimento Aceleradas (foto arquivo pessoal)

Eliana Malizia, criadora do movimento Aceleradas (foto arquivo pessoal)

“Estou em uma das minhas melhores fases profissionais, mas confesso que tem dias que saio com medo. Medo do trânsito, de assalto, da violência. Gostaria muito que o trânsito fosse algo melhor, mais seguro, isso me faria mais feliz profissionalmente. Infelizmente meu trabalho me coloca em situação de risco todos os dias, o tempo todo”, conta Eliana.

Pensando em reduzir esses números, o Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) promove todos os anos a Campanha Maio Amarelo, que possui o objetivo de chamar a atenção da sociedade para os altos índices de pessoas acidentadas e promover uma reflexão sobre a responsabilidade e o respeito de motoristas no trânsito.

O período de conscientização é uma recomendação da ONU em vigor desde 11 de maio de 2011, quando a instituição decretou a Década de Ação para Segurança no Trânsito, e faz parte do calendário brasileiro desde 2014.

Dicas de segurança

Moradora da Vila Gustavo, na zona norte de São Paulo, Eliana é a fundadora do Aceleradas, coletivo voltado a mulheres motociclistas. Ela atua há 19 anos como piloto de testes de moto e diz que zela muito pela própria segurança. A partir do acidente que sofreu, Eliana passou a distribuir adesivos de conscientização contra o uso do celular no volante, que de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) aumenta em 400% o risco de incidentes no trânsito.

“Não foi nada grave, mas poderia ter sido. Isso acontece todos os dias em São Paulo. Criei uma campanha chamada ‘Tira o Olho do Celular’, onde entrego gratuitamente adesivos com esta frase para alertar as pessoas no trânsito. Muitos motociclistas estão aderindo à campanha, colam no capacete, no baú da moto, e na própria moto também. É uma forma de alertar, avisar e constranger os motoristas”, conta.

A motogirl indica também que, além do trabalho de conscientização, da atenção corriqueira e métodos de pilotagem defensiva, é indispensável o uso dos equipamentos corretos para manter a segurança, independente do tamanho do percurso que será percorrido.

“Antes de tudo é me sentir preparada para pilotar. Fiz mais de 20 cursos de pilotagem defensiva. Usar equipamentos é fundamental, mesmo que eu vá de casa até a padaria, estou sempre devidamente equipada. Ter prudência, respeitar as leis de trânsito, limites de velocidade e não brigar são fatores fundamentais também. Não só pela minha segurança, mas pela paz no trânsito”, diz Eliana.

Kaká, motogirl (foto arquivo pessoal)

Kaká, motogirl (foto arquivo pessoal)

A motociclista Karla Bariquello,conhecida como Kaká, 49 anos, segue a mesma linha de raciocínio. Moradora da Vila Nogueira, em Campinas, no interior de São Paulo, ela conta que passou a atuar como motogirl no início da pandemia por conta do desemprego, e a partir daí decidiu juntar a paixão pelas duas rodas, visto que pilota desde os 12 anos, com a necessidade de gerar renda.

Kaká diz que nunca deixou de se cuidar, e indica que além dos equipamentos de segurança, é importantíssimo se atentar às condições de uso da moto que será utilizada, sendo necessário a realização de manutenções esporádicas.

“Segurança em primeiro lugar! Usar um coturno, ou botinha, calça jeans, luva, jaqueta e capacete fechado é primordial. Além disso, a ‘motoca’ tem que estar alinhada. Precisa fazer a revisão, esticar a corrente e trocar o óleo. É o mínimo pra não ficar parada do nada”, conta Kaká.

Kaká diz que os desafios no dia a dia são grandes. Apesar disso, a motociclista valoriza o fato de ‘ser dona do próprio tempo’, e entende que apesar de ter que se esforçar muito, é algo libertador. No entanto, ela chama a atenção para o ritmo frenético do trânsito nas grandes cidades e para um fator que não deveria ser pauta: o preconceito.

“Em termos de dificuldade, além do trânsito caótico, da turma que não dá seta, que acha que motoqueiro é tudo cachorro louco, não que eu não seja. Também sofro com o preconceito de ser mulher. Mulher sim! Homossexual e dona de si”, diz.

Aceleradas

Eliana conta que reúne mulheres motociclistas há cerca de 19 anos, e que há 4 veio a ideia de nomear e dar forma ao movimento Aceleradas, que é uma rede formada por mulheres de todo o Brasil que utilizam motocicletas como meio de trabalho e transporte. A iniciativa fornece, por exemplo, dicas de segurança e cursos de pilotagem defensiva, a fim de capacitar e encorajar cada vez mais motociclistas.

Reunião do movimento Aceleradas (foto: divulgação)

Reunião do movimento Aceleradas (foto: divulgação)

“Criei o movimento Aceleradas para somar na vida de mulheres motociclistas, mostrar para elas através da minha experiência as melhores formas de pilotar uma moto com segurança. Criei um curso de pilotagem do para elas, organizo eventos especiais para elas, dei a oportunidade para as marcas de motos se comunicarem com elas, fazerem suas pesquisas de mercado e focarem nelas já que o número de mulheres motociclistas bem crescendo tanto”, conta a piloto de testes.

A afirmação de Eliana é uma verdade. Segundo dados da Abraciclo, associação que reúne os fabricantes de motocicletas do país, nos últimos 10 anos o número de motociclistas aumentou 58,4% no Brasil. Esse número passou de 23,3 milhões de pessoas com Carteira Nacional de Habilitação (CNH) “A” em 2012 para mais de 36,9 milhões de pessoas em 2022

Já no recorte das mulheres, de acordo com a mesma pesquisa, esse crescimento é ainda maior e praticamente dobrou no período de uma década. Em 2012, 4,5 milhões de mulheres possuíam carta de condução de categoria A. Em 2022, esse número chegou a 8,9 milhões, com um aumento de 96,9%.

Portanto, apesar de ainda fugir do imaginário popular, é comprovado por números a presença feminina dentro deste universo que é historicamente relacionado à masculinidade. O número crescente de mulheres dentro desse contexto é a prova de que esse conceito está caindo por terra e que cada vez mais pessoas do gênero feminino estão se organizando, fortalecendo, trabalhando e vivendo a vida sob duas rodas.

“A melhor e mais importante parte do Movimento Aceleradas é que, além de ser acolhida, eu posso acolher como mulher e motoqueira. Não temos distinção de idade, grau de instrução, situação financeira, cilindrada da moto… aliás, se tem ou não a moto, pois incentivamos aquelas que são garupas e entusiastas a ter a sua própria moto”, finaliza Kaká.

Este conteúdo foi produzido em uma parceria com o movimento de mulheres motociclistas Aceleradas

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1 Comentário

  1. Kaká disse:

    Só GRATIDÃO 🙏🏻 por eu poder contribuir nessa matéria tão importante. Sucesso 🍀🤞🏻 pra VCS!!!

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