Por Thiago Borges (texto) e Kessis Soares de Sena (texto e fotos), em colaboração especial para a Periferia em Movimento
Igor Bernardo dos Santos, de 17 anos; Felipe Santos Miranda, 18; Brayam Ferreira dos Santos, 16. Todos esses jovens moradores da Cidade Tiradentes, Extremo Leste de São Paulo, morreram desde o começo da pandemia. Nenhum deles faleceu por conta do coronavírus: foram assassinados em março. Os casos seguem sem elucidação.
No último sábado (04/07), com a participação de familiares, centenas de manifestantes saíram por vias do distrito – em plena pandemia de coronavírus – para protestar por justiça para esses e outros jovens mortos.
“É importante vir pra rua de máscara, com álcool gel. A gente precisa vir pra rua pra demarcar posição, mostrar que a gente tá aqui, não tá moscando em casa”, explica Tito, morador da Cidade Tiradentes e integrante do movimento Força Ativa.
Os manifestantes caminharam a partir da praça do 65, passaram em Frente ao Hospital Cidade Tiradentes, pararam em frente do 28º Batalhão da Polícia Militar e dispersaram na praça em frente ao terminal de ônibus.
“Ainda que a gente tenha o risco de sair contaminado pelo vírus, a gente sai contaminado pela solidariedade – porque é importante a quebrada saber que não tá sozinha”, ressalta Katiara Oliveira, articuladora da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, que desde 2017 denuncia a violência policial nas periferias de São Paulo.
“Isso [as mortes] tá sendo banalizado pela sociedade, quebradas estão com muito medo (…) E desde abril, a gente tava começando a prever que teria essa justificativa de defesa à vida por conta da covid-19”, observa Katiara.
Fala, quebrada! A Rede de Proteção lançou um formulário on-line para mapear denúncias anônimas de violência policial durante a pandemia de coronavírus. Clique aqui para denunciar
Mesmo com o distanciamento social imposto pela situação de contágio, o braço armado do Estado continua matando.
Enquanto mais de 16 mil pessoas morreram vítimas da doença no Estado de São Paulo desde o início da pandemia, de março a maio de 2020 a Polícia Militar paulista matou 262 pessoas. Isso equivale a um terço dos homicídios registrados no período. E em comparação ao mesmo intervalo de tempo do ano passado, houve um crescimento de 17% da letalidade.
A marcha fúnebre prossegue. Programas policialescos na TV celebram “CPFs cancelados”, como apresentadores criminosamente se referem às vítimas da violência. Na rua, comércios reabrem as portas, shoppings registram filas e governantes já falam em retomar as aulas nas escolas: a naturalização que já acontecia diante das mortes pela bala acontece agora com as mortes pelo vírus?
“O genocídio contra jovens pobres, pretos, periféricos tá muito presente nesse coronavírus. Quem está sendo ceifado? São sempre os mais pobres. Agora que chegou com tudo nas periferias, não têm sido muito divulgados os números de mortos por distritos ou proporcionalmente”, nota o padre Jaime Crowe.
Integrante das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em 1988 padre Jaime fundo a Sociedade Santos Mártires, uma associação sem fins lucrativos que se especializou em abrigar as demandas da região do Jardim Ângela, Extremo Sul de São Paulo.
Diante das altas taxas de homicídio na década de 1990, quando ele chegou a acompanhar 40 enterros por dia no Cemitério São Luiz e a região ficou estigmatizada como “triângulo da morte”, ele estimulou a criação do Fórum em Defesa da Vida com objetivo de incentivar, criar e desenvolver ações que contribuam para a superação da violência na sociedade.
Agora, volta a defender a reorganização contra as desigualdades que permitem o massacre pelo vírus. “[O que está acontecendo] é normalizar uma situação que tá errada, que não tá respeitando a vida. Estão colocando em primeiro lugar não a vida, mas a economia, e que o pobre morra e se dane”, completa padre Jaime.
Mantendo o distanciamento social em sua casa na Baixada Santista, Debora Silva também vê relação na banalização da morte de seres humanos de agora como a que vivenciou em 2006. Em maio daquele ano, logo após o dia das mães, ela perdeu seu filho assassinado.
Com 29 anos na época, o gari negro Edson Rogério da Silva desapareceu após ser abordado por policiais militares enquanto abastecia a motocicleta em um posto de combustível. Edson foi encontrado morto. O corpo dele estava ao lado da moto, com 5 marcas de tiro. Debora soube da morte pelo programa de rádio. Nenhuma ocorrência foi registrada pela PM na época.
Edson foi uma das vítimas dos chamados “crimes de maio de 2006”, que resultaram em pelo menos 493 mortos pela PM paulista em represália aos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC). Mas os casos de vítimas não reconhecidos pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado de São Paulo passam de 100. Ninguém foi responsabilizado até hoje.
Você pode contribuir com as Mães de Maio doando para a conta de Debora da Silva (Banco do Brasil, Agência 6202-1, Conta corrente 23.322-6)
Desde então, o Movimento Independente Mães de Maio junta mães e familiares para denunciar os crimes cometidos pelo Estado brasileiro. “A luta era muito maior que os nossos problemas. Desde o momento em que secamos nossas lágrimas, a gente viu que não seria mais manipulada. Um luto de conhecimento”, recorda-se Debora.
Para ela, o momento é de se revoltar e agir. “A quarentena tem que ser de transformação, de não aceitar a necropolítica [quando o Estado decide quem vive e quem deixa morrer], de não mudar nosso modo de agir, de se abraçar, se tocar, mas que seja toque de quem quer abraço e transformação. A gente não pode voltar num ‘novo normal’ igual ao mesmo, mas um ‘novo normal’ transformação e humildade para alcançar a vitória”, completa.
Conteúdo produzido com apoio do Fundo de Apoio Emergencial COVID-19, do Fundo Brasil de Direitos Humanos
Redação PEM
6 Comentários
[…] ato também foi acompanhado pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, que reúne militantes de movimentos sociais e organizações espalhadas por diferentes periferias […]
[…] movimento independente Mães de Maio surge em 2006, liderado por mulheres que perderam seus filhos e filhas para a violência do Estado […]
[…] A luta contra a bala, contra o vírus e contra a banalização da morte […]
[…] 15/11) e pelo dia da Consciência Negra (na sexta, 20/11), é urgente falar mais uma vez sobre “necropolítica” – quando governantes adotam como prática de Estado matar diretamente ou deixar morrer grupos […]
[…] de Maio, que desde então mantém a luta por memória, verdade, justiça e reparação. Uma delas, Débora Silva, perdeu o filho Edson Rogério da Silva. Então com 29 anos, o gari negro desapareceu após ser […]
[…] manifestação foi organizada pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio e o G10 Favelas. Com bexigas brancas e cartazes pedindo justiça, mães, crianças, jovens e idosos […]