Sábado, 1º de outubro de 2016. Era pra ser só mais um dia de folga para jovens da periferia de São Paulo.
O universitário Matheus Santos de Freitas, um jovem negro de 24 anos, e outros três amigos pularam o muro da Escola Estadual Tancredo de Almeida Neves, no Jardim Novo Horizonte (Grajaú, Extremo Sul de São Paulo).
Sem áreas de lazer na região, a comunidade utiliza a quadra do colégio para jogar bola, entre outras atividades, tanto na semana à noite quanto nos finais de semana. A direção da escola não embaça porque tá ligada. Nunca teve problema.
Geralmente, Matheus e os amigos colavam na quadra pra jogar basquete. Mas naquela noite só queriam trocar uma ideia, mesmo. Conversa vai e vem, por volta das 21h eles foram surpreendidos por três policiais à paisana que estavam dentro da escola – segundo uma funcionária, para resguardar as urnas eletrônicas utilizadas nas eleições municipais do dia seguinte.
Um dos policiais abordou os quatro jovens dizendo que não poderiam permanecer por ali e disparou contra eles, que vazaram assustados. Matheus foi baleado, conseguiu pular uma das grades mas caiu pouco depois.
“A gente chegou e falaram que ele tinha se prendido numa lança, se machucado sozinho, e que tinha sido um acidente visceral”, conta Eduardo Tyler, que conhecia Matheus.
A ambulância demorou quase quatro horas, chegando apenas no início da madrugada de domingo (02/10). Segundo testemunhas, o resgate do Corpo de Bombeiros foi acionado por “queda de muro” e enviado à altura do número 7000 da avenida Paulo Guilguer Reimberg – a escola fica à altura do número 2200 do mesmo endereço.
Conforme constatado pela reportagem, as grades da escola são de ferro e não possuem lanças. Já o projétil de uma pistola .40 foi retirado do tronco de Matheus durante cirurgia no Hospital Grajaú. Uma funcionária da EE Tancredo Neves confirmou que ele foi atingido por disparo dentro da escola.
Em nota oficial, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) admitiu que a morte foi decorrente de “oposição à intervenção policial”, conforme registro no 101º DP do Jardim das Imbuias. O caso deve seguir para a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
O policial que efetuou o disparo está afastado do trabalho, enquanto Matheus morreu na madrugada de segunda-feira (03/10), no Hospital do Grajaú.
Mais velho de dois filhos de pais evangélicos, Matheus foi aluno da EE Tancredo Neves, lutava jiu-jitsu e deixou o emprego no setor financeiro para se dedicar ao último ano da faculdade de Economia no Centro Universitário Nove de Julho. Tinha planos de investir na Bolsa de Valores e muitas ideias para melhorar o próprio bairro.
“Ele acreditava muito na quebrada, que essa parada ia mudar, que a gente ia abrir ‘sedinha’, pista de skate pra molecada. Ele corria pelo certo”, diz Eduardo.
Povo na rua, bomba na cabeça
Inconformados com a situação, dezenas de amigos e conhecidos de Matheus se reuniram desde as 14h desta terça-feira (04/10) para protestar contra a ação da Polícia Militar. Com faixas, cartazes e gritos de ordem contra a PM, eles ocuparam parte da pista da avenida Paulo Guilguer Reimberg.
Por volta das 16h30, os manifestantes fecharam completamente a via. Em menos de 10 minutos, a Força Tática da PM lançou bombas de gás tóxico e balas de borracha contra a multidão – incluindo crianças de colo, pessoas idosas e trabalhadores que tentavam chegar em casa.
Além da correria generalizada e pessoas passando mal, um comerciante ambulante que vende milho cozido no ponto de ônibus foi ferido na cabeça com uma bala de borracha. Levado ao hospital para um curativo, mais tarde ele retornou ao posto de trabalho.
Outros moradores ficaram com marcas de balas de borracha e estilhaços da bomba de gás pelo corpo, enquanto uma manifestante foi detida por “desacato” enquanto filmava as ações da PM – ela foi liberada horas depois pelo delegado do 85º DP.
Manifestantes tentaram retomar o protesto, mas dispersaram por volta das 19h. Policiais continuaram no local. Os amigos de Matheus prometem novos atos em busca de justiça.
O Periferia em Movimento acompanhou o protesto com transmissão ao vivo pelo Facebook. Confira abaixo:
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[…] tentativa de tornar públicos os casos de mortes cometidas por policiais militares, já que no dia 4 de outubro os moradores ocuparam as ruas para protestar e foram reprimidos com bombas de gás lacrimogêneo e […]