Por Isabela do Carmo. Edição: Hysa Conrado.
As mudanças climáticas já fazem parte do cotidiano de milhares de crianças nas periferias brasileiras, mas suas vozes raramente são consideradas nas grandes discussões ambientais. Para mudar esse cenário, a FPD (Frente Periférica por Direitos) tem colocado a infância e a adolescência no centro do debate.

Crédito: Jaison Lara
Em agosto, a organização promoveu encontros e seminários em diferentes regiões de São Paulo que resultaram na produção de uma carta coletiva, a ser levada à COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), em Belém, em novembro.
Um dos encontros aconteceu no dia 29, no Parque Aristocrata, no bairro do Grajaú, Extremo Sul da capital paulista. A atividade reuniu os CCAs (Centros de Crianças e Adolescentes) Amai I e II, do Jardim Shangrilá e Jardim Lucélia.
O grupo discutiu temas como racismo ambiental e mudanças climáticas a partir da vivência dos próprios alunos.
Infância protagonista
O seminário foi dividido entre rodas de conversa e atividades práticas, como visita à hortas comunitárias, oficinas de cozinha solidária, criação de grafite em camisetas e lambes sobre meio ambiente.
No compilado das atividades, as crianças e adolescentes discutiram como as mudanças climáticas já impactam seu território, lembrando situações cotidianas como ruas alagadas, quedas de energia e riscos de desabamento de casas.
Evelyn Beatriz Pereira, de 12 anos, aluna do CCA Amai I, diz que percebe as mudanças climáticas no próprio dia a dia, quando em poucas horas o clima pode variar entre sol forte, ventos gelados e chuva intensa. Para ela, a principal causa está no comportamento humano.
“As mudanças climáticas são como ter as quatro estações do ano em um único dia. Elas acontecem porque as pessoas jogam lixo no chão e não cuidam do meio ambiente. Além do desmatamento, cortam árvores e fazem muitas coisas ruins com a natureza”, afirma.

A Frente Periférica por Direitos tem colocado a infância e a adolescência no centro do debate climático./Crédito: Jaison Lara
Ela também complementa:
“As mudanças climáticas impactam mais a vida de quem mora nas periferias, porque essas pessoas não têm as mesmas condições [financeiras] de quem mora em um ‘lugar melhor’. Quem vive em bairros melhores sofre menos, porque tem ruas asfaltadas e o caminhão de lixo consegue passar na porta de casa.”
Evelyn conta que gostaria de participar de grupos que atuam no bairro e na cidade, promovendo práticas sustentáveis, como atividades de pintura com tintas ecológicas. O sonho, diz, é ver a comunidade “bem verdinha, cheia de plantas e sem a fumaça das queimadas”.
Muitos alunos que participaram das atividades moram em casas de madeirite, em áreas com esgoto a céu aberto ou em ocupações precárias, como a Ocupação Anchieta, no Grajaú, segundo Jaison Lara, 33 anos, conhecido como Jai – integrante da Ecoativa, gerente do CCA Amai I e morador da Ilha do Bororé.
“Esse é o cenário micro que cada criança conhece pela própria vivência. E agora elas sabem o que é racismo ambiental, o que é mudança climática e conseguem levar esse debate para dentro de casa. As crianças são os grandes vetores de informação”, afirma.
A iniciativa
Jai explica que o projeto Periferias pelo Clima, desenvolvido pela FPD em parceria com a Fundação Tide Setubal, busca articular as bordas das cidades, que sofrem de forma mais intensa os efeitos da crise climática.

Jai – integrante da Ecoativa./Crédito: Isabela do Carmo.
“As populações de maior vulnerabilidade [moradoras de regiões de favela e periféricas] são as mais afetadas [pelas mudanças climáticas]. Porque a questão ambiental se cruza com o direito à moradia, à cidade e ao bem viver”, afirma Jai.
Ele alerta que a COP30 pode se tornar um evento “esvaziado” se não considerar os saberes das periferias, comunidades quilombolas, indígenas e povos ribeirinhos.
Segundo Mateus Muradas, 34 anos, cofundador da iniciativa, a FPD decidiu colocar crianças e adolescentes no centro das discussões sobre justiça climática de forma estratégica diante da emergência vivida nos territórios periféricos.
“Trazer o olhar das crianças deveria ser a tônica de toda discussão política. Há um aspecto formativo, de construção de senso crítico e de interação com problemas da realidade, que torna fundamental sempre envolver crianças, adolescentes e jovens”, afirma.
A crise climática nas quebradas

Crédito: Ricardo Rauny
Muradas explica que os impactos das mudanças climáticas são sentidos de forma mais intensa nas periferias de São Paulo.
“Desde a formação inicial das nossas cidades, o povo pobre foi jogado para áreas não urbanizadas, com menos infraestrutura de saneamento, menos arborização e canalização de córregos. Foi assim que São Paulo cresceu de forma desordenada e caótica. E nós ainda sofremos com esse ‘desplanejamento’”, ressalta.
Muradas destaca ainda que levar a discussão sobre o clima para as periferias é fundamental para que se compreenda que os desastres climáticos e os dramas vividos por essas comunidades não são fruto do acaso, mas resultado da ação humana.
“Os mais impactados são os sujeitos periféricos e, em última medida, nossas crianças, que têm seus direitos violados por conta da emergência climática”, afirma.
A carta para a COP30

Crédito: Ricardo Rauny
As falas e contribuições das crianças e adolescentes serão incorporadas à “Carta Compromisso Periferias pelo Clima”, que a Frente pretende levar à COP30, em Belém.
“Realizamos aproximadamente 15 rodas de conversa em várias quebradas, com diferentes públicos. Essa primeira coleta será acolhida por uma comissão da Frente Periférica, que fará a síntese final”, explica Muradas.
O documento, segundo ele, tem o objetivo de pressionar os governos.
“Não há discussão legítima sobre clima que não envolva os mais afetados pela emergência climática. Nós sabemos o que é perder tudo numa enchente, ver vizinhos soterrados por queda de encosta, conviver com doenças causadas pela falta de saneamento. Sentimos literalmente na pele o impacto”, pontua.