‘Histórias reais’: escritoras neurodivergentes mostram o poder da literatura para educar e incluir

‘Histórias reais’: escritoras neurodivergentes mostram o poder da literatura para educar e incluir

A 1ª Feira Literária da Pessoa com Deficiência, em São Paulo, evidenciou como a literatura pode ser uma ferramenta de diálogo e construção de identidade

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Tempo de leitura: 10 minutos

Edição: Hysa Conrado.

Crédito: Paula Sant’Ana.

A sensibilidade auditiva é uma condição comum em pessoas diagnosticadas com o transtorno do espectro autista (TEA) e pode causar desconforto. Falar sobre isso com sensibilidade e atenção foi o que motivou a psicopedagoga Taciana dos Anjos, 36 anos, a escrever o livro infantil “Barulhinho, Barulhão”.

Ela foi uma das autoras presentes na 1ª Feira Literária da Pessoa com Deficiência (FLIPED), realizada entre os dias 19 e 21 de setembro, no Centro Cultural de São Paulo (CCSP). A iniciativa, promovida pela Prefeitura, foi realizada em celebração ao Setembro Verde — mês dedicado à luta pela inclusão das pessoas com deficiência.

Na obra de Taciana, a professora percebe que um aluno está passando mal ao começar a chacoalhar as mãos, o que chama sua atenção. O livro é recomendado para leitura mediada a partir dos quatro anos, e com leitura individual a partir dos oito.

“Ela não sabia o que era sensibilidade auditiva, mas o levou para o parque e depois o trouxe de volta para a sala. Quando alguns barulhos começaram, ela percebeu que ele ficou mal de novo, fugindo da atividade. Foi uma sensibilidade escutativa da parte dela”, explica a escritora, que também é fundadora da Flimpo Educação, assessoria pedagógica online voltada à educação inclusiva.

Para Taciana, a literatura é uma ferramenta importante para sensibilizar diferentes públicos e dar visibilidade às dificuldades enfrentadas diariamente por pessoas autistas.

“Quando a pessoa realmente escuta e aprende com a história, é muito mais fácil. É mais didático e também faz com que as crianças neurodivergentes se sintam representadas, tendo histórias que falem sobre elas”, afirma.

É importante destacar que nem toda pessoa com TEA apresenta hipersensibilidade auditiva. No entanto, essa condição faz com que sons considerados comuns, como o toque do sinal escolar ou o barulho de um liquidificador, sejam percebidos de forma intensa e até dolorosa.

Taciana, que é diagnosticada com TEA nível 1 de suporte, compartilha uma vivência pessoal em sua trajetória com sensibilidade auditiva: “Foi libertador falar para minha família sobre os sons, dizer ‘não é frescura’. É um jeito da pessoa conseguir falar sobre si mesma”, conta.

Atualmente, ela está desenvolvendo um livro sobre o hiperfoco em pessoas autistas.

Vivências de quem escreve

Segundo o Censo Demográfico de 2022, há 2,4 milhões de pessoas com diagnóstico de TEA no Brasil, o que corresponde a 1,2% da população. Mas chegar ao diagnóstico nem sempre é um caminho simples ou de fácil acesso.

Refletir sobre a própria jornada motivou Patrícia Nicolau, 47 anos, a escrever “Criando Asas”, seu primeiro livro sobre o tema. Ela, que se dedica à escrita nessa área desde que recebeu o diagnóstico há quatro anos, também marcou presença na FLIPED.

“Escrevi este livro que conta toda a jornada que percorri dentro do transtorno do espectro autista nível 1 para conseguir diagnosticar o meu filho. É a história de uma mãe que não sabia nada sobre autismo, que enfrentou todas as dificuldades até chegar a entender o que era e, por fim, diagnosticar o filho. É uma história real”, explica.

Com autismo nível 1 de suporte, a escritora e ativista recebeu o seu diagnóstico após identificar o transtorno primeiro no filho e, posteriormente, na filha. Também palestrante e neuropsicopedagoga, ela conta que já percebia alguns traços em si.

“É bem complicado aceitar num primeiro momento. E depois que minha filha foi diagnosticada, aí, sim, para dar uma força para eles, eu falei: ‘Eu já sei que sou mesmo, então vou me submeter aos testes’. Foi quando fiz toda a bateria de testes neuropsicológicos e veio o meu diagnóstico”, conta.

A partir daí, Patrícia passou a atuar como ativista da causa, especializando-se em TEA. Desde então, tem ajudado muitas mães a fecharem o diagnóstico de filhos e, consequentemente, muitas delas também descobriram os próprios diagnósticos.

Além de escrever sobre o TEA, ela também está à frente do Projeto de Artes Neuro Teens, voltado para autistas entre 10 e 22 anos – as crianças e adolescentes desenham, criam e publicam os próprios livros. É uma iniciativa independente, mantida por ela mesma.

Crédito: Paula Sant’Ana.

Laura Lanford, 40 anos, começou a escrever em 2016 e não sabia que era autista nível de suporte 1 quando começou sua carreira na escrita. Formada em Rádio e TV, ela diz que sempre teve como hobby assistir a filmes de horror.

“Para mim, a literatura é importante porque eu escrevo contos de horror, e gosto de escrever coisas que a gente não faz na sociedade, coisas e personagens improváveis de acontecer. O horror que eu escrevo é mais voltado para o estranho, não para o medo. É a coisa improvável de acontecer”, conta.

Pela primeira vez em uma feira literária, a comunicadora relata a maior dificuldade que enfrenta como escritora.

“Sinto um pouco de resistência das editoras quando falo que escrevo horror. Tem editoras que não lidam com esse tipo de história. Sinto dificuldade em encontrar uma editora que aceite publicar o que eu escrevo”, afirma.

Livros divulgados na FLIPED

“Barulhinho, Barulhão”, de Taciana dos Anjos

Tito, um menino autista, encara o desafio do seu primeiro dia de aula. Na escola, descobre que o barulho das crianças o incomoda profundamente. Escrita com sensibilidade por Taciana dos Anjos e ilustrada por André Cerino, a história retrata a hipersensibilidade auditiva vivida por muitas crianças no espectro autista.

Confira mais detalhes no Instagram.

“Um Bilhete para Adélia Prado”, de Charles Guimarães

O título faz referência ao impulso decisivo que Charles recebeu em sua carreira literária em Divinópolis, pela poetisa e escritora Adélia Prado — homenageada nesta obra e recentemente laureada com o Prêmio Camões. Breves frases trocadas em um encontro marcante numa biblioteca repercutiram intensamente em sua alma e transformaram sua trajetória de vida. O resultado dessa virada inesperada é o que o leitor encontrará neste livro.

Saiba mais detalhes no site da editora.

“Mulher de Roxo – Retrato de Um Mito”, de Patrícia Sá Moura

A história da Mulher de Roxo se confunde com a história de Salvador nas décadas de 1970 e 1980. Figura popular, ímpar e inesquecível, a imagem dessa mulher continua presente no imaginário coletivo do povo baiano, cercada de mistérios e folclores.

Saiba mais no site da editora.

“A força está em suas mãos: Deus é a chave da sua mente”, de Fernando Murilo Bonato

Com sua fala “falhada”, Fernando Murilo Bonato, autismo nível 3 de suporte, desafia a lógica da expressão normativa com uma forma transcendente de comunicação. Ele quebra paradigmas ao ampliar o diálogo entre típicos e atípicos e pautar em primeira pessoa sua visão de mundo a partir da existência neurodivergente.

“Janelas abertas para uma canção desesperada”, de Solange Sólon Borges

Sobre: Ao reunir contos que tratam das emoções e contradições humanas, o resultado é um livro comovente e original: “Clarice lutava com as telas buscando a densidade dos seres. A liturgia de tentar entender a velocidade dos ventos sobre os campos que brotam indecentes porque era quase tudo tão belo!”, um exemplo do que pode ser sentido em suas páginas.

Saiba mais no site da editora.

“Anuário de Téo”, de Patrícia Nicolau Lemos

Sobre: “O Anuário de Téo – As descobertas de um garoto autista na puberdade” é uma envolvente história infantojuvenil que promete encantar leitores típicos e atípicos. A obra oferece, de maneira leve e descontraída, uma compreensão sensível sobre o Transtorno do Espectro Autista nível 1 de suporte, ajudando pré-adolescentes a conhecerem e refletirem sobre essa vivência.

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“Pesadelos Escarlates”, Vários autores

Sobre: A antologia reúne contos de vampiros que exploram diferentes aspectos do imaginário em torno dessas criaturas, combinando suspense, mistério e sedução para manter vivo o fascínio do público por esse universo literário.

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