“Greve pela vida”: Professores paralisados preveem adesão de trabalhadores de outras áreas

“Greve pela vida”: Professores paralisados preveem adesão de trabalhadores de outras áreas

Paralisados há mais de 60 dias, educadores da rede municipal de SP veem mobilização entre metroviários, entregadores e no serviço funerário

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Tempo de leitura: 9 minutos

Por Thiago Borges. Foto em destaque: Sindsep

“Vai começar a pipocar, a espalhar”.

A fala acima é da professora Nelice Pompeu, de 48 anos, e que está há mais de 60 dias em greve na cidade de São Paulo. Para Nelice, trabalhadores de outras categorias também vão cruzar os braços diante dos riscos de exposição no trampo no pior momento da pandemia de covid-19. “A gente sabe que todos os trabalhadores, independente do segmento, estão sendo afetados. A partir do momento em que começar a ter esse levante, uma categoria vai começar a puxar a outra”, prevê.

É o efeito dominó da chamada “greve pela vida”.

Professores de escolas da rede municipal de São Paulo estão em greve desde fevereiro, quando as aulas presenciais voltaram. O Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo – Sindsep defende vacinação de todos nas escolas, testes periódicos em toda a comunidade escolar, garantia de máscaras e outros equipamentos para proteção individual, mudanças estruturais para ventilação natural nas salas de aula e ampliação de profissionais de limpeza e organização escolar.

Protesto de trabalhadores do serviço funerário (Foto: Sindsep)

O levante agora chega ao serviço funerário municipal. Na manhã desta quinta-feira (15/4), trabalhadores da área protestaram na Vila Guilherme (zona Norte da capital) por vacinação e equipamentos adequados em um setor pressionado pelo número crescente de mortes.

Já na sexta-feira (16/4), entregadores de aplicativos pretendem protestar por melhores condições de trabalho e contra taxas de pagamento cada vez menores. Desde o ano passado, a categoria tem se mobilizado com os “breques dos apps” contra as práticas abusivas das plataformas como Uber, Rappi e Ifood. O ato começa a partir das 13h, em frente ao estádio do Pacaembu, com um cortejo de motos.

No setor de transportes, o SindMotoristas (que representa motoristas e cobradores) planeja paralisar na próxima terça-feira (20/4). É a mesma data em que os metroviários devem fazer a greve sanitária, incluindo nas linhas 4-Amarela e 5-Lilás, operadas por empresas privadas. Eles exigem vacinação e medidas para evitar a lotação nos ônibus e metrô.

E os funcionários da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) anunciam paralisação de todas as linhas para 27 de abril. Entre os motivos, está a falta de reajuste salarial e a falta de empenho da empresa junto ao governo estadual em colocar os ferroviários como prioridade na fila da vacina contra a covid-19. Os empregados também reclamam da falta de materiais, como álcool em gel, máscaras adequadas, testagem e liberação dos funcionários com comorbidades e acima dos 60 anos

Breque dos Apps em 2020 (Foto: Julia Vitoria)

O estopim da greve

O enfrentamento de trabalhadores começou na educação.

Desde março do ano passado, as aulas presenciais em escolas do município de São Paulo estão suspensas. Apesar de todas as dificuldades impostas pelo ensino à distância, os governos do Estado e do município dialogaram com toda a comunidade escolar sobre os riscos da retomada à atividade presencial. Porém, no início de 2021, isso mudou.

“A gente já vinha numa curva ascendente de contaminados, mas o governo não teve a mesma sensibilidade”, observa Cleiton Gomes da Silva, secretário geral do Sinpeem e secretário de assuntos municipais da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE). Ele completa que a educação foi incluída na lista de “atividades essenciais”, de maneira a forçar a retomada das aulas presenciais, expondo trabalhadores, estudantes e famílias ao risco de contágio.

Foto: Prefeitura de São Paulo / Divulgação

E é um contágio que cresce nitidamente.

O atendimento presencial nas escolas da cidade (e do estado de) São Paulo retomou em 15 de fevereiro deste ano. Até o dia 12 de abril, a Apeoesp (sindicato que representa professores da rede estadual) já havia identificado 2.360 casos de infecção e 69 óbitos em escolas estaduais.

Somente na cidade de São Paulo, os sindicatos que representam trabalhadores da rede municipal contabilizam mais de 900 contaminações e mais de 40 mortes até março. Na Diretoria Regional de Ensino (DRE) Capela do Socorro, no Extremo Sul da cidade, foram mais de 200 casos de infecção inclusive de bebês e pelo menos 3 óbitos de funcionários, além de familiares. Os dados ainda estão em atualização.

“Todos correm riscos dentro de nossas escolas, que não possuem uma estrutura física adequada para enfrentar o coronavírus”, explica Edivaldo dos Santos Nascimento. Ele é supervisor escolar na DRE Capela do Socorro e, junto a outros servidores, criou o movimento Capela pela Vida para dialogar com a comunidade escolar sobre o momento.

A greve entre educadores do município chegou a ter quase 60% de adesão nas primeiras semanas após a volta às aulas, que foram interrompidas em 17 de março. Com a antecipação das férias de julho e de 5 feriados, a Prefeitura autorizou a reabertura na última segunda-feira (12/4) com ameaça de cortar o ponto de quem faltar.

“Este retorno é um crime. Não há estudo científico algum que justifique o atendimento presencial neste momento”, aponta Edivaldo. “O argumento de que crianças e jovens tem percentual de infecção muito baixo também não se justifica. Se pudermos evitar uma morte já é uma conquista”.

Um indicativo disso é o estudo recente da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), que mostra que a incidência de covid-19 em professores da rede pública estadual de São Paulo foi 2,92 vezes maior do que a população adulta do Estado. A pesquisa foi realizada entre 7 de fevereiro e 6 de março de 2021 e analisou 299 escolas estaduais paulistas.

https://www.instagram.com/p/CNqlaqMHfX5/

Para Nelice, citada no começo da matéria, não há aprendizagem em escolas em pânico, envoltas de tristeza e lágrimas. “Lugar de crianças e jovens é na escola, sim, mas em uma escola que tenha segurança, vida, alegria, trocas, afetos”, diz ela, que dá aula em 2 escolas municipais da DRE do Ipiranga (região Sudeste de São Paulo).

“É muito triste saber que as estatísticas vistas nos noticiários se transformaram em parentes, amigos e colegas, inclusive de trabalho. É um luto coletivo que enfrentamos diariamente e essa situação tem influenciado na adesão à greve”, continua Nelice. Ela faz parte do movimento Escolas Sem Luto, que tem o objetivo de denunciar a situação das unidades. Com a necessidade do distanciamento social e a impossibilidade de fazer protestos na rua, o grupo aposta nas redes sociais para mobilizar a população.

Uma vitória parcial

A retomada das aulas presenciais aconteceu 2 dias após o início da vacinação de profissionais da educação no Estado de São Paulo, que aconteceu no último sábado (10/4). Cerca de 350 mil doses foram disponibilizadas para imunizar educadores com 47 anos ou mais. A medida é considerada uma vitória parcial da categoria. Porém, a Apeoesp aponta que isso abrange apenas 40% da categoria.

“Eu não me sinto confortável em comemorar a minha vacinação enquanto meus colegas estão suscetíveis à contaminação”, reforça Edivaldo, que tem 50 anos e já está autorizado a se imunizar

Para Cleiton, do Sinpeem, a vacinação sem restrição de idade poderia acelerar de fato o retorno às escolas ainda no primeiro semestre deste ano. “A gente avalia que, até a segunda quinzena de junho, teríamos o retorno presencial. E aí voltaríamos rediscutindo todo o ciclo de aprendizagem que foi interrompido”, completa.

Protesto de educadores municipais no Viaduto do Chá, dia 12/4/21 (Foto: Sindsep)

2 Comentários

  1. […] participou do ato que marca os 100 dias de greve na educação municipal de São Paulo. Paralisados desde 10 de fevereiro, nesta quinta-feira (20/5) cerca de 200 […]

  2. […] “Greve pela vida”: Professores paralisados preveem adesão de trabalhadores de outras áreas […]

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