Por Aline Rodrigues, Dani Vieira, Evelyn Arruda e Maria Eduarda Silva
Você, mulher, como é ficar responsável por toda a criação de seus filhos? Você, homem, se ausenta nesses momentos?
E você, que não tem filhos e teoricamente não tem nada a ver com isso, já se perguntou o que leva uma mãe com criança de colo a pegar transporte coletivo tarde da noite? Ou como ela faz para trabalhar, estudar e manter uma vida social?
Com um documentário e a publicação de um livro, o projeto “Eu Quero Ouvir Maria: Relatos de uma maternidade solo” se propôs a ouvir o que essas mulheres que cuidam sozinhas dos filhos têm a falar, sem santificar ou crucificar, desmistificando o heroísmo da figura materna e devolvendo a humanidade que muitas vezes lhe é retirada. Em março, quando vídeo e livro foram lançados, o Periferia em Movimento fez uma entrevista com Cristiane Rosa, mãe solo da Maria Eduarda (no vídeo), doula, educadora e idealizadora do projeto. Reveja abaixo:
Uma pesquisa do Instituto Data Popular realizada em 2015 apontou que o Brasil tem 67 milhões de mães, sendo 20 milhões delas mães solo (31% do total). O estudo, na verdade, chama essas mulheres de “mães solteiras”. Mas cá entre nós: o que maternidade tem a ver com estado civil?
Além disso, de acordo com o IBGE enquanto as mães solo representam 26,8% das famílias com filhos, os pais solo – ou seja, o oposto – são apenas 3,6%. E nessa conta não entram os números do patriarcado, em que mesmo nas famílias consideradas tradicionais – pai, mãe e filhos – o homem não assume sua responsabilidade paterna.
“Ele teve a opção de negar a paternidade. Eu não pude escolher”
“Eu sempre fui a mãe e pai das minhas filhas. Se hoje eu tô aqui, trabalhando, é por causa das minhas filhas”, conta dona Vanda, de 78 anos, uma das mulheres entrevistadas no documentário, que meteu o pé na bunda do marido que não ajudava a cuidar das rebentas. “Eu contei no vídeo que o pai delas não foi muito legal”, diz ela, que é do Grajaú.
Financiado com recursos públicos por meio do Programa VAI da Secretaria Municipal de Cultura, “Eu Quero Ouvir Maria” faz um recorte ainda mais específico: traz histórias de mães solo periféricas, em sua maioria negras, que antes da maternidade já enfrentavam toda a carga de opressão que essas condições sociais acarretam.
Confira o trailer:
“Ficou grávida porque quis”
Não foi uma vez, nem foram duas que a professora e grafiteira Mariana Salomão ouviu isso. Mesmo com a gravidez planejada durante um casamento e com a vida equilibrada, ela iniciou a carreira de mãe solo após a separação. Não foi fácil, afinal “a sociedade só culpa a gente”.
“A mãe não tem um lugar. Ela fica preocupada se pode levar o filho ou não pode. E aquele filho tá chorando. Como aquela mãe vai comer?”, indaga Mariana, logo se recordando. “Teve um evento que eu fiquei preocupada que tinha um bebê que chorava muito – e um evento só de mulheres. Mas ninguém percebeu que a mãe não tinha comido. Aí eu fui lá e peguei o neném dela e disse: ‘não se preocupa, meu filho também chorava’”.
Daí, a importância de se falar sobre isso.
“A gente precisa romper com os silêncios”
Para além do vídeo e do livro, “Eu Quero Ouvir Maria” realizou rodas de conversa e montou barraca na rua para acolher essas mães. O documentário segue em circuito de exibição (confira a próxima sessão no final da matéria ou pela página no Facebook).
Gal Martins, coreógrafa da Cia Sansacroma de dança no Capão Redondo, ficou surpresa quando recebeu o convite para participar do projeto pois esse assunto não é pautado, inclusive nos meios artísticos. “Sou de uma geração de mães solo. E a gente não tem muito espaço pra trocar. Espero que minha história sirva pra contar outras histórias”, ressalta.
“Foi sensacional participar, porque eu já participo de várias atividades na periferia, várias causas”, completa Luana Oliveira, também entrevistada para o documentário.
Escuta constante
Na ocupação Jardim da União, no fundão do Grajaú, moradoras criaram a própria creche para deixar suas crianças enquanto trabalham. A creche Filhos da Luta, administrada por outras trabalhadoras que também vivem no terreno, é um porto seguro não só para os filhos como também para as mães – um lugar para compartilhar suas angústias, pensamentos e preocupações.
“Ao mesmo tempo que elas contam seus problemas, encontram soluções parciais para eles na mesma hora. A maioria dos problemas estão no fato de não terem tempo para estarem junto dos filhos ajudando no dever de casa ou na alfabetização”, explica Suelen Ribeiro, estudante de Serviço Social e responsável pela creche.
“Da ponte pra cá, o feminismo é outro”
A creche foi uma grande conquista para os moradores da ocupação e, sobretudo, para as mulheres que ganharam esse espaço de escuta e de compartilhamento tão negado pela sociedade.
“As pessoas falam que nós, mães, não temos voz. Nós temos muita voz e muita coisa para falar, mas as pessoas não param para nos ouvir. Nós precisamos falar e tirar isso da gente”, finaliza Mariana Salomão.