Ocupação, greve e repressão: as Fábricas de Cultura estão fervendo

Ocupação, greve e repressão: as Fábricas de Cultura estão fervendo

Contra o sucateamento de equipamentos culturais nas quebradas, aprendizes ocupam e os educadores fazem greve. A Poiesis, que recebe dinheiro do Governo de Geraldo Alckmin, reprime a molecada enquanto persegue e demite trabalhadores

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Esta quinta-feira (23 de junho) começa com greve de educadores contra o sucateamento de cinco Fábricas de Cultura mantidas pelo Governo do Estado de São Paulo em diferentes quebradas da capital – Capão Redondo, Jardim São Luís, Brasilândia, Vila Nova Cachoeirinha e Jaçanã. Há um mês, 70 aprendizes ocupam a unidade do Capão contra os cortes dos recursos e a precarização da unidade. Desde então, eles cozinham, limpam e ministram as aulas para outros 1.300 crianças, adolescentes e jovens que ocupam o espaço.

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

Por meio de um convênio, o governo de Geraldo Alckmin repassa dinheiro público para a organização social (OS) Poiesis executar formação cultural em música, teatro, dança, circo, literatura, multimeios, entre outras áreas, para administrar essas cinco unidades. A OS é dirigida pelo tucano Clóvis de Barros Carvalho, um dos fundadores do PSDB e ex-ministro da Casa Civil do governo de Fernando Henrique Cardoso. Outras cinco Fábricas – Cidade Tiradentes, Parque Belém, Itaim Paulista, Sapopemba e Vila Curuçá – são administradas pela OS Catavento Cultural.

Em represália ao movimento grevista, até a madrugada de hoje a Poiesis já havia demitido pelo menos 12 educadores. Antes disso, a organização já tinha cortado o acesso à internet e ao telefone do equipamento no Capão Redondo, além de tentar colocar a comunidade contra a molecada.

Às 09h da manhã, os trabalhadores protestam em frente à sede da OS, na rua Lubavitch, 64, no Bom Retiro. Transparência na gestão? Por enquanto, só boatos e ataques-surpresa. Entenda o que tá rolando.

Fábricas de sucata

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

Desde o início do ano, circulam boatos de demissão em massa nas Fábricas de Cultura pela Poiesis. Diversas vezes, oseducadores colocaram essa questão para a diretoria, que negou a possibilidade. “Já observávamos o corte no número de passeios pedagógicos e, muitas vezes, a falta de itens básicos, como fita crepe”, diz um arte-educador da Zona Sul demitido nesta quarta-feira (22), por telegrama. Especula-se que, de 100 educadores, 25 seriam mandados embora – cinco em cada unidade.

“A relação dos arte-educadores com a diretoria da Poiesis sempre foi difícil. Desde 2015, estamos tentando construir ferramentas para que o debate sobre os direitos trabalhistas fossem tratados de maneira formal, como a questão da isonomia salarial”, diz o arte-educador da zona Sul. “Houve também o desejo de estabelecer ações  que servissem como manutenção do programa artístico-pedagógico das Fábricas. Os espaços de compartilhamento de saberes e de pedagogias cotidianas estavam sendo soterradas por questões burocráticas. Está claro hoje que isto já era o  início do sucateamento das atividades das Fábricas de Cultura”.

Em paralelo a isso, 10 funcionários de bibliotecas foram demitidos nas cinco fábricas. Com isso, no Capão Redondo, o horário de funcionamento da biblioteca foi reduzido em três horas, para as 09h às 17h – antes ficava aberto até as 20h. Somado ao anúncio de diminuição das aulas de 3h para 2h30, isso gerou revolta nos aprendizes, que desde 24 de maio ocupam essa Fábrica.

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

Fábricas de luta

“A principal bandeira levantada pela Poiesis é a autonomia do aprendiz. Mas, agora que a gente atingiu essa autonomia, eles querem nos criminalizar”, diz Marcelo Lima, garoto de 19 anos que há dois anos frequenta a Fábrica de Cultura do Capão Redondo.

Nesta sexta-feira (24 de junho), completa-se um mês que ele e outros cerca de 70 jovens ocupam a Fábrica de Cultura do Capão Redondo – que atende cerca de 1.300 pessoas. A exemplo dos secundaristas nas escolas estaduais, os aprendizes tomaram o controle da unidade, assumiram a cozinha e a limpeza e passaram a ministrar os cursos para os demais frequentadores. O rapper Mano Brown, dos Racionais MCs, visitou a ocupação duas vezes pra trocar ideia com os jovens e ajuda com envio de mantimentos.

“Veio um pessoal do PT oferecer ajuda, mas a nossa luta é autônoma, então dissemos que poderiam ajudar individualmente com comida e outras coisas. Depois disso, eles não voltaram mais”, conta Edmílson Júnior, 19 anos, aprendiz ocupante.

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

(Foto: Thiago Borges / Periferia em Movimento)

No dia 16, os aprendizes do Jardim São Luís também ocuparam a Fábrica local, apesar da Polícia Militar tentar impedir com forte repressão. E, na última segunda-feira (20 de junho), eles convocaram artistas da Capão para discutir a situação do equipamento e pensar alternativas de ocupação e gestão para o espaço que devem ser reivindicadas numa possível desocupação.

Durante esse período de ocupação, nenhum educador entrou no prédio com medo de sofrer represálias. “Ouvi um relato de um aprendiz de 13 anos, que estava com medo e apreensiva, pois o gerente  da unida estava chamando para reunião de porta fechadas afim de intimidar e coagir diante de qualquer possibilidade de ocupação”, diz um arte-educador de uma Fábrica na zona norte, também com temor de retaliações. A Poiesis cria um clima onde não podemos nos comunicar com os aprendizes e até acusa os próprios educadores de agitadores e responsáveis por isso”

No dia 31 de maio, pelo Facebook, a Poiesis informou que não haveria fechamento de unidades, sucateamento nem demissões em massa. Porém, em uma reunião com educadores no dia 13 de junho, a coordenação pedagógica e a diretoria assumiram o que eles mesmos chamavam de mentiras.

“O corte em massa de arte-educadores, diminuição de horas de ateliês, dispensa de trilheiros (oficineiros não CLT que conduzem as chamadas trilhas de criatividade), extinção de reuniões pedagógicas (impedindo o planejamento das atividades) e outras diversas questões que visam precarizar o nosso trabalho”, diz um arte-educador demitido.

Com a incerteza crescente, os educadores das cinco unidades decidiram em assembleia no dia 20 de junho o início da greve a partir de hoje. Além das demissões, os educadores lutam contra a redução de horas nos ateliês e em sua própria carga horaria, a equiparação salarial, a reintegração de funcionários demitidos e a retratação pública da Poeisis perante os aprendizes em luta e todas as comunidades atendidas.

“Numa greve, poderemos levar mantimentos pra molecada, trocar idéia com a comunidade mais abertamente sem temer uma justa causa, por exemplo”, diz o arte-educador da Zona Sul, que espera uma resposta formal da Poiesis a partir dessa mobilização.

Enquanto isso, a Fábrica de Cultura do Capão Redondo segue aberta à população. “Semana que vem, iniciamos a programação especial de férias”, avisa Marcelo.


 
Atualização: Nesta sexta (24 de junho), atualizamos a matéria para corrigir uma informação. Ao contrário do que foi colocado antes, a Fábrica de Cultura de Sapopemba não é administrada pela Poiesis, que além das unidades do Jardim São Luís, Capão Redondo, Brasilândia e Vila Nova Cachoeirinha, também administra a do Jaçanã. A unidade de Sapopemba está sob responsabilidade de outra organização social, a Catavento, que também assume as da Cidade Tiradente, Parque Belém, Itaim Paulista e Vila Curuçá.

4 Comentários

  1. […] Ocupação, greve e repressão: as Fábricas de Cultura estão fervendo […]

  2. […] Capão Redondo ocuparam a unidade contra os cortes dos recursos e a precarização do equipamento. Releia aqui uma reportagem que publicamos sobre o dia a dia na Fábrica ocupada. Ao longo de um mês, outras ocupações de curta duração também aconteceram no São Luís e na […]

  3. […] Ocupação, greve e repressão: as Fábricas de Cultura estão fervendo […]

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