Colaboração de Fábia Gonzaga Medeiros. Revisão: Thiago Borges
A cada 15 dias, mulheres de diferentes bairros periféricos de São Paulo se reúnem na estação Capão Redondo do Metrô, um ponto estratégico da Linha 5 Lilás. Por volta das 10h30 da manhã, os produtos começam a ser organizados: roupas, calçados, pequenos móveis, alimentos e até mudas de plantas são cuidadosamente expostas em um exercício de reaproveitamento e colaboração que chama a atenção de quem passa.
Todo o processo de permuta é planejado previamente em grupos de mensagens, promovendo um ambiente dinâmico e estruturado.
Conhecido como Grupo de Trocas, o coletivo existe desde 2019 e é liderado pelas fundadoras Yara Juliana Oliveira e Eliane Gonçalves. As “trocadoras” são oriundas de várias localidades Zona Sul, além do Capão.
Yara Juliana explica que a estação escolhida possui uma logística que favorece o acesso de todas as integrantes do grupo.
“Antigamente fazíamos as trocas na Vila das Belezas, mas vêm meninas de várias partes: Grajaú, Jardim Ângela, Giovanni Gronchi etc. Então, aqui no Capão Redondo é bem melhor, pois além do metrô tem o terminal de ônibus”, explica Yara Juliana.
Os produtos são diversos: lá se troca de tudo. As permutas ocorrem em meio à rotina frenética de quem utiliza o metrô. Várias pessoas que passam não entendem o que está acontecendo em meio a vestidos, camisetas, pacotes de arroz e macarrão.
Laine Araújo atua em duas posições. Ela tanto contribui com as doações quanto é beneficiada. Segundo a participante, fazer parte do grupo de trocas ajuda a economizar nas despesas familiares.
”Eu tenho três crianças. Uma de 11, de 5 e de 2 anos. A gente compra muitas coisas e perde muitas coisas também. Eu divido as doações em duas partes: uma parte é doado para grupo e a outra vai para os meus vizinhos de bairro”, comenta Laine.
O Grupo de Trocas é formado apenas por mulheres. De acordo com Eliane Gonçalves, a entrada de homens não é permitida para evitar constrangimentos às participantes. A não permissão da figura masculina funciona como uma forma de prevenção.
“Só é permitido ingressar aqui [grupo] mulheres. Existem outros grupos que aceitam homens, mas nos foi relatado que alguns deles faltaram com respeito com as meninas e, para impedirmos conflitos, resolvemos não aceitá-los”, diz Eliane.
Código de ética e troca justa
O Grupo de Trocas foi inspirado em outras experiências acumuladas pelas fundadoras Yara Juliana e Eliane. Elas já participaram de outros movimentos no mesmo formato e resolveram fundar um novo grupo dentro da lógica delas: de organização, autogestão e solidariedade entre as participantes.
Yara Juliana deixa claro que as integrantes do coletivo devem se comprometer em participar das ações do grupo, trazer peças em boas condições de uso e doar qualquer produto de acordo com as necessidades de cada membro. Não existe preconceito com relação aos donativos, tudo pode ser partilhado. O critério é que o ítem traga benefício para quem o pegou.
Ao priorizar a qualidade dos itens e criar diretrizes claras para as trocas, o grupo também educa suas participantes sobre o consumo consciente.
Muitas mulheres relatam como o projeto mudou suas perspectivas, ensinando-as a valorizar mais o reaproveitamento e a buscar soluções criativas para necessidades cotidianas. Essa conscientização não apenas beneficia as participantes do grupo, mas também influencia suas famílias e comunidades, gerando um impacto social mais amplo.
O compromisso com o Código de Ética e Troca Justa também reforça a confiança e o respeito mútuo entre as participantes. A seleção cuidadosa das doações não apenas garante a qualidade dos itens trocados, mas também promove um sentimento de responsabilidade coletiva.
Para muitas das integrantes, cumprir as regras do grupo vai além de seguir normas: trata-se de cultivar um espaço onde todas se sintam valorizadas e motivadas a colaborar.
Além disso, a lógica de organização e autogestão do grupo cria um ambiente de aprendizado contínuo. Através das trocas, as mulheres exercitam habilidades como planejamento, negociação e trabalho em equipe, fortalecendo seu senso de pertencimento e empoderamento.
“Aqui aprendemos umas com as outras. Compartilhamos mais do que bens, trocamos experiências e construímos amizades”, destaca Eliane Gonçalves.
O Código de Ética, portanto, não é apenas um conjunto de regras formais, mas o coração de uma prática que une economia solidária, empoderamento feminino e consumo sustentável. É ele que transforma o Grupo de Trocas em mais do que um espaço de permuta: um ambiente de troca de vidas, histórias e possibilidades.
Economia de Sobrevivência
A década de 1980 foi marcada por grandes eventos sócioeconômicos desafiadores, como alta da inflação, elevadas taxas de desemprego, dívida externa e a crescente desigualdade social. Não à toa, a época é conhecida como a “década perdida”.
Esses foram alguns dos fatores que contribuíram decisivamente para o estancamento do crescimento econômico de diversos países latinoamericanos, entre eles o Brasil. Exemplos como o Grupo de Trocas ilustram como esses conceitos de economia solidária ganharam nova vida e relevância no cotidiano das grandes cidades. Esse coletivo de mulheres pratica um modelo de troca direta, atualizado com ferramentas modernas como aplicativos de mensagens para organizar o fluxo de permutas.
Essa prática, que remonta ao escambo usado como forma de interlocução entre povos originários e colonizadores no período de dominação, ganha uma ressignificação no cenário urbano contemporâneo.
Júlio Araújo, professor da Universidade São Judas Tadeu, analisa que a economia solidária possui três eixos: autogestão, cooperação e desenvolvimento local.
“Os indivíduos que fazem parte dessa economia [solidária] geralmente adquirem autonomia financeira, ampliação das redes de apoio e contribuem para a geração de renda para as comunidades”, observa Júlio Araújo.
Inspirados pelos fundamentos defendidos por Paul Singer, economista austro-brasileiro e sociólogo, seus estudos são consolidados em práticas colaborativas. Esses grupos reforçam o quanto a economia solidária é não apenas uma estratégia de sobrevivência, mas também um modelo transformador para as comunidades urbanas.
Assim, ações como as do Grupo de Trocas vão além do papel econômico, funcionando como um espaço de convivência e apoio entre as participantes. Ele comprova como iniciativas desse tipo continuam a atender demandas sociais de maneira eficiente, adaptando-se às necessidades contemporâneas sem perder de vista os princípios de solidariedade, inclusão e compartilhamento.