O mês de abril foi marcado pelas celebrações dos 50 anos do golpe militar, que implantou no Brasil uma ditadura que se manteve por mais de duas décadas no poder. Com amplo apoio da mídia, de empresários e da classe média, o regime resultou em torturas, desaparecimentos e mortes de militantes de esquerda, indígenas e camponeses, além do exílio de artistas e políticos. A redemocratização veio em 1985, mas o que mudou para a maior e mais vulnerável parcela da população, que vive nas periferias?
“A ditadura não acabou. Ela está muito presente nas nossas periferias e tem um alvo certeiro: o negro, pobre e periférico, que não tem acesso à Justica, que não funciona pra nós”, diz Debora da Silva Maria, fundadora e coordenadora do Movimento Mães de Maio, que participou de um debate sobre organização popular e ditadura militar realizado na segunda-feira (05/05) no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) Interlagos, extremo Sul de São Paulo.
“Vamos parar de falar que acabaou pois não acabou, senão a gente não estaria aqui. Se acabou, foi para a burguesia. Aliás, a escravidão também nunca acabou. A senzala de hoje é a periferia”, continua Debora.
Natural do município de São Vicente (SP), Debora perdeu o filho um dia após o dia das mães de 2006.
Com 29 anos na época, o gari negro Edson Rogério da Silva desapareceu após ser abordado por policiais militares (PM) da Baixada Santista enquanto abastecia a motocicleta em um posto de combustível. Dias depois, o corpo de Edson foi encontrado jogado em uma vala. Registrada como “resistência seguida de morte”, a versão oficial é de que ele confrontou a PM.
Os chamados “crimes de maio de 2006” resultaram em pelo menos 493 mortos pela PM paulista em represália aos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC). Mas os casos de vítimas não reconhecidos pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado de São Paulo passam de 100 e cerca de 30 continuariam desaparecidas.
Debora fez do luto pela morte do filho sua luta política. Com outras mães e donas de casa, ela fundou o Movimento Mães de Maio, que denuncia a violência estatal, o encarceramento em massa e o genocídio da população preta, pobre e periférica.
Em 2011, finalmente o estado de São Paulo foi condenado pela morte de Edson, enterrado com um projétil no corpo. Outras mães ainda aguardam decisão judicial. O movimento clama pela federalização da investigação dos crimes há quatro anos, mas não tem resposta. Debora já ouviu de procuradores da República que o melhor seria procurar apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Militância aguerrida
Por sua atuação combativa, a página do movimento no Facebook foi a primeira do Brasil a ser removida pela rede social e constantemente recebe ameaças. Por outro lado, as Mães de Maio já foram objeto de estudo de 85 trabalhos de conclusão de curso (TCC) e 34 teses de mestrado e doutorado.
“A periferia não dorme. E desde que a gente não dorme, tem que aprender a se organizar. Éramos donas de casa que, com a dor, aprendemos a fazer uma articulação pesada”, diz Debora, que com outras mães já ocupou o Parque da Juventude, na zona norte de São Paulo, para lembrar o massacre do Carandiru e enfrentou políticos da bancada da bala, como deputado estadual Major Olímpio (PDT-SP), em audiências públicas. “Até Brasília ficou pequena para nós”.
No ano passado, Debora recebeu o Prêmio Direitos Humanos das mãos da presidenta Dilma Rousseff, ex-guerrilheira a quem garante ter olhado “na bolinha do olho” para falar da dor de milhares de mães e familiares que continuam tendo filhos torturados e mortos por militares.
“O que mudou [desde o fim da ditadura]? Nada. Não tem perícia [nos crimes cometidos], não tem investigação”, aponta Debora.
As Mães de Maio pressionam autoridades contra projetos pela a redução da maioridade penal e a favor da desmilitarização. “E quando a gente fala da desmilitarização, falamos não só da policia, mas da política, da sociedade e do judiciário. Pois a canetada é uma arma que não sai bala, mas é a que mais mata”, diz Debora.
Democracia dos massacres
Essa militarização do cotidiano é apontada como a maior “herança” do período militar. Por isso, as Mães de Maio e outros movimentos, como a Rede Extremo Sul e a Pastoral Carcerária, se mobilizaram e criaram a Rede Dois de Outubro (em referência à data do massacre do Carandiru, em 1992).
“Esse exterminio sistemático da população jovem, negra e periférica é herança da ditadura também, mas não foi a ditadura que inventou isso. Ela só possibilitou que isso se ampliasse, com a criação e estruturação da ROTA, por exemplo, que é responsável por 20% dos extermínios da PM apesar de ter apenas 0,01% do efetivo”, aponta o advogado popular Rodolfo Valente, militante da rede.
Além dessas heranças visíveis, há vestígios mais sutis dos tempos de chumbo, como as prisões para averiguação, muito comuns nas últimas manifestações populares. Em outubro passado, o próprio Valente recebeu voz de prisão em um protesto por melhorias no transporte realizado no Grajaú, extremo Sul de São Paulo. Leia aqui. “Essa democraria pós ditadura militar é a democracia dos massacres”, completa Valente.
Ato e missa
No próximo domingo (11/05), quando se comemora o Dia das Mães, o Movimento Mães de Maio completa oito anos de luta. Como todos os anos, a data é marcada por uma missa e ato, onde rosas são distribuídas. Neste ano, o movimento arrecada dinheiro para comprar 2.920 botões de rosas. O número simboliza o total de dias em que as mães estão lutando por justiça.
O depósito pode ser de qualquer quantia e deve ser realizado até sexta-feira (09/05). Abaixo, os dados da conta:
Banco do Brasil (Santos-SP)
Agência: 6502-1
Conta Corrente: 5.073-3
Débora Maria da Silva
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Thiago Borges
2 Comentários
[…] Em 2014, quando o golpe militar completou 50 anos, Débora Silva Maria (uma das Mães de Maio que lutam contra a violência estatal) já tinha dado a letra: “A ditadura continua nas periferias”. […]
[…] o distanciamento social em sua casa na Baixada Santista, Debora Silva também vê relação na banalização da morte de seres humanos de agora como a que vivenciou em […]