Diante das mobilizações, coletivos criam frente periférica contra fascistas em São Paulo

Diante das mobilizações, coletivos criam frente periférica contra fascistas em São Paulo

Cerca de cem artistas, lideranças comunitárias, militantes de coletivos culturais e movimentos sociais das periferias de São Paulo se reuniram para discutir o atual cenário político do País

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Tempo de leitura: 8 minutos

Por Sâmia Gabriela Teixeira, no Brasil de Fato

Cerca de cem artistas, lideranças comunitárias, militantes de coletivos culturais e movimentos sociais das periferias de São Paulo se reuniram na última sexta-feira (21) para discutir o atual cenário político do país, avaliado pelos presentes como imprevisível e alarmante, e criar uma frente periférica anti-fascistas e golpistas.

A reunião foi convocada diante da importância de avaliar as manifestações das últimas semanas, convocadas inicialmente pelo Movimento Passe Livre (MPL), e as outras diversas espontâneas movidas por manifestantes antipartidários, com as mais variadas reivindicações genéricas.

O encontro teve como objetivo, além da reflexão e de discussão sobre os relatos de quem esteve nos últimos atos em São Paulo, articular ações que fortaleçam o direito à livre participação democrática no país, e que conscientizem os menos politizados a respeito dos perigos que a intolerância, violência, desorganização e antipartidarismo acarretam no contexto de um Estado Democrático de Direito.

Segundo o militante e educador Leandro, do Movimento Comunitário Estrela Nova de Campo Limpo, e também membro do MPL, não existe uma politização ou discussão a respeito das pautas que estão sendo colocadas nas ruas, mas sim um vácuo de agendas. “O que eu vejo, tanto nas ruas quanto nas redes sociais é uma reprodução das pautas não claras, estabelecidas pela mídia, como a PEC 37, por exemplo”. E acrescenta que somente com as pautas próprias das periferias é que as manifestações podem ganhar novamente peso político direcionado e consistente, para “ir em sentido contrário ao que se vê hoje em manifestações na avenida Paulista” que, segundo ele, apresentam “pautas esparramadas”.

O receio da má informação que a grande imprensa e os canais na internet podem passar também é uma preocupação geral entre as lideranças. Jair, militante da região, ressaltou “a importância de desconstruir notícias falsas e eventos suspeitos na rede virtual”, citando a reportagem fictícia que afirma a suposta intenção presidencial de bloquear o acesso à internet no Brasil, e a “greve geral” convocada nas redes sociais. O criador do evento, também dono da página do nebuloso PSPC (Partido da Segurança Pública e Cidadania), aparece em foto do perfil portando arma e defendendo, publicamente, campanha pró-armamento.

Contra essa movimentação de contornos fascistas nas redes, Hamilton, do coletivo cultural do Teatro dos Oprimidos, acredita que é urgente consolidar a união das redes das periferias, e fortalecer o trabalho verdadeiro dos militantes. “É urgente. O que eu sinto é que estou prestes a perder a minha voz. Temos de usar a cultura, arte e política como elemento aglutinador, e não aceitar ações de antipartidarismo, tão contraditório e antidemocrático”.

A cultura de resistência, ferramenta da maioria dos participantes da reunião, foi ressaltada pelo poeta Sérgio Vaz, coordenador da Cooperifa, frisando que vivemos o momento de colocar em prática tudo o que o rap sempre colocou em ritmo, e tudo o que tem sido escrito nas poesias periféricas. “O que me parece é que precisamos desse sangue nos olhos. Não é uma briguinha qualquer, é uma luta de classes. E a gente sempre escreve sobre isso, fala sobre isso. Sempre cita Zumbi, Marighella, Che Guevara, mas agora é a hora de colocar em prática tudo isso. Se não for assim, pode rasgar tudo o que você já escreveu”, provoca o poeta.

Intolerância verde-amarela

Os jovens que relataram experiências nas últimas manifestações temem a intolerância e a violência de grupos de perfil nacionalista e antipartidário. A maioria, não filiada a nenhum partido, marchou em grupo com o bloco de partidos e militantes de diversos movimentos sociais, protegidos por membros do MPL, manifestantes em defesa da participação livre e anarquistas.

Danilo Mandioca, do Autônomos Futebol Clube, explicou que em reunião realizada na quarta-feira (19) antes do ato, movimentos e partidos de esquerda decidiram se organizar em bloco para lidar contra a direita, considerada “pequena, mas que inflama os demais manifestantes a hostilizarem qualquer bandeira de esquerda”. De acordo com Mandioca, apesar de o PT nãoter participado das reuniões ou da construção das reivindicações do MPL, ficou decidido que seriam protegidos contra qualquer manifestação de intolerância. “Todos os partidos de esquerda combinaram ir de vermelho, debatemos sobre a possível participação do PT e hoje, se quiserem entrar no bloco de partidos e bandeiras sociais, podem, mas não podemos garantir a segurança. O cordão de isolamento não conseguiu conter os manifestantes insuflados pelos pequenos grupos de direita, e até o MPL sofreu ofensas e acusações de terem se vendido. Esse discurso é muito perigoso”, concluiu.

Muitos relataram que a direita deu um golpe na última manifestação, que ocorreu no dia 20, iniciando o ato mais à frente do MPL e oferecendo dinheiro a manifestantes que aceitassem segurar cartazes contra a presidente e a corrupção. Alguns citam que tal prática virou “frila” nos atos públicos.

A mobilização periférica e a reação da esquerda

Débora Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio da Democracia Brasileira, reforçou a importância de colocar em prática a discussão da noite. “De hoje em diante, precisamos da seriedade de todos. A esquerda tem que se unir, porque o rolo compressor já tá ligado e não há mais tempo pra ‘blablablá’, temos que agir. As Mães de Maio sempre estiveram no olho do furacão, e até agora nada se fala sobre a violência policial. Ontem, enquanto eu participava de uma reunião com o Ministério Público, minha filha me ligou e avisou que acontecia uma manifestação na avenida, mas o helicóptero da polícia militar sobrevoava e jorrava spray de pimenta na periferia. Meu neto, minha filha e toda a população periférica sofrendo a violência policial dentro de suas casas. Vale lembrar que em 2006, durante os Crimes de Maio, todo mundo só falava de Copa do Mundo, e hoje também é só disso que se fala, e porque não se discutiu quando morreu mais de 600 pessoas nas periferias de São Paulo?”, questionou, e incentivou o grupo a unir forças, ao comparar a luta das vítimas da violência policial com as hostilidades enfrentadas pela esquerda nas manifestações: “Não podemos deixar que uma luta legítima nossa seja roubada nas ruas e na internet. Não podemos nos deixar intimidar por meia dúzia de fascistas.”

A jornalista Nina Fideles, frequentadora do Sarau da Cooperifa, defendeu que “o momento é de agir com o fígado, não há tempo para debater crise existencial. Sempre fui de movimento social, nunca militei em partido, mas são símbolos que nós temos. Se não retomarmos o que está desenfreado agora, não conseguiremos avançar nos processos postos hoje. Está dado um problema, roubaram a cena, tá cheia de atitudes fascistas, de ufanismo e nacionalismo nas ruas e nas redes sociais. Na minha opinião é foco: rechaçar essas ideias. Seria muita irresponsabilidade sair neste momento. Agora temos que agir”.

“Até porque nós sabemos, quando o bicho pega, sempre sobra primeiro para a periferia. E o que sobra aqui pra nós não é bala de borracha, todo mundo sabe disso”, concluiu o poeta Sérgio Vaz.

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