Educação: O que aprendemos uma década depois da resistência de estudantes à reorganização escolar?

Educação: O que aprendemos uma década depois da resistência de estudantes à reorganização escolar?

No terceiro episódio, podcast Cria Histórias relembra ocupações secundaristas e a importância de se organizar pela educação que gera autonomia

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Tempo de leitura: 6 minutos

Final do ano de 2015. Corria o boato de que o governo do estado de São Paulo fecharia centenas de escolas. A chamada “reorganização escolar” gerou uma reação em cadeia: em defesa da educação, milhares de estudantes ocuparam os espaços – e conseguiram derrubar a medida.

O caso é narrado no terceiro de quatro episódios do podcast Cria Histórias, produzido pela Cria Coragem, iniciativa do Instituto Çarê que constrói novas narrativas sobre as infâncias, com foco na prevenção e erradicação ativa da violência sexual contra crianças e adolescentes.

E se quase todo mundo tem histórias de abuso e violência na infância, também é certo de que é nesta fase da vida em que todo mundo tem uma história de revolução. A escola é reflexo disso. Ouça abaixo e confira todos os episódios e materiais de apoio aqui.

A autonomia foi uma das principais descobertas de estudantes secundaristas naquele ano.

“A gente começou a se dividir dentro da ocupação por comissões, desde o primeiro dia. Então, tinha comissão de limpeza, comissão de alimentação, comissão de segurança, comissão de programação. E aí, o interessante da ocupação é que foi tudo muito horizontal. Não tinha um chefe”, lembra Thiago Araújo, co-fundador do coletivo Prevenção para Todos e participante da ocupação de escolas de 2015 e 2016.

Afoxé, capoeira, bloco afro, sessões de cinema produzidas por coletivos locais, ações culturais… As próprias turmas começaram a organizar as atividades dentro das escolas, como oficinas e debates que nunca haviam acontecido antes.

“A gente descobriu uma vontade de estar ali naquele espaço, de aprender (…) Estudar é mó gostoso, a gente só precisa achar um jeito que funcione, porque essa estrutura não tá funcionando (…) Foi um espaço de escuta – e onde tem escuta, tem transformação, né?”, lembra Marcela Reis, atriz e participante das ocupações de 2015  e 2016.

Ela ficou conhecida pela fotografia em que disputa uma cadeira com um policial no meio da rua. A cena aconteceu em um “trancaço”.

Vitória

Depois de um mês de ocupação nas escolas paulistas, mesmo com a mobilização em todo o País, a reorganização prosseguiu. E diante disso, estudantes usaram com carteiras escolas para travar grandes cruzamentos, como o das avenidas Faria Lima e Rebouças. Além dos conflitos com motoristas, também houve gente da população interessada em ouvir. A cidade parou.

Nois já tá fervendo: ato de estudantes secundaristas contra reorganização escolar em 2015

“A nossa decisão de adiar a reorganização de rediscuti-la escola por escola com a comunidade, com os estudantes e em especial com os pais dos alunos”, disse Geraldo Alckmin, então governador, que diante da pressão da sociedade foi obrigado a recuar.

Hoje, Alckmin é vice-presidente da República, enquanto o então Secretário de Segurança Pública da época, Alexandre de Moraes, é considerado “herói da democracia” em seu posto como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Enquanto isso, as ameaças à educação continuam.

Em São Paulo, elas são chefiadas pelo atual governador Tarcísio de Freitas e seu aliado, o prefeito da capital, Ricardo Nunes. Nos últimos 5 anos, 152 escolas estaduais foram fechadas e, desde 2018, mais de 3.000 turmas foram extintas. No âmbito municipal, avança a precarização e as propostas para terceirizar o serviço.

E além de eliminar disciplinas do currículo, o chamado “novo ensino médio” resultou no encerramento das turmas noturnas, o que prejudica adolescentes que trabalham durante o dia e não conseguem chegar a tempo das aulas.

O que falta para melhorar?

Para Ellie Ghanem, professor de Sociologia da Educação na Universidade de São Paulo, a oferta de educação escolar é alheia às dimensões de sujeitos e concebida separadamente da atuação sociopolítica das pessoas.

“Não é uma atuação educacional que ao mesmo tempo atuação local, de entender um aprendizado que é também intervenção”, aponta.

Para a professora Flavia Bischain, que desde 2011 dá aula na única escola ocupada da Brasilândia (zona Norte), as ocupações por secundaristas apontaram um caminho.

“Convidar os alunos a participarem desde a elaboração, não serem simples simplesmente executores de tarefas, muda tudo. Isso era um caminho importante que o governo poderia ter se apropriado. Mas por que não fez isso? Porque implanta um projeto de educação que é exatamente o contrário, para ensinar a subalternidade e não o protagonismo real”, diz ela.

Para Flavia, uma das grandes lições da primavera secundarista foi a capacidade de alcançar conquistas a partir da luta. E a outra é a necessidade de dar saltos na organização, porque após a onda de ocupações as escolas voltaram ao “normal”.

“E esse projeto de educação que a gente quer (…) tá cada vez mais distante, mas a gente não pode abrir mão dele, entendendo que para conseguir uma educação de qualidade você precisa ter um projeto de sociedade”, completa Flavia.

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